Chico e Rita
Indicado ao Oscar de melhor animação em 2011, o filme Chico e Rita foge de um certo padrão do gênero. O filme de Fernando Trueba não apenas tem uma temática adulta, mas acaba tendo também uma construção pouco ousada, sem traços experimentais. Mas, mesmo assim é uma bela obra a ser vista.
Chico e Rita é uma história de amor, ambientada em um contexto histórico bastante delicado e que se utiliza da música cubana como guia. Ser em animação é um detalhe, porque apesar do bom traço de 2D, não há uma exploração dessa linguagem para outras experimentações artísticas, nem mesmo nas cenas musicais. Tudo segue um padrão tradicional de filmes românticos e de cunho social e cultural. E isso não é uma crítica negativa, é bom deixar claro. Apenas uma observação.
Como sugere o título trata-se da história de Chico e Rita. Ele, um pianista e compositor talentoso. Ela, uma cantora e dançarina da noite. Os dois se conhecem em Havana do final da década de 40, antes da revolução, antes do embargo, quando o sonho de todo músico cubano era poder chegar aos Estados Unidos, berço do jazz e blues. Chico e Rita são personagens fictícios, mas eles contracenam em sua trajetória com grandes nomes da época. Quem gosta da música caribenha e se encantou com grupos como Buena Vista Social Club, não tem como não se empolgar.
A música conduz essa animação, assim como o amor conturbado de seus protagonistas. Chico era um homem difícil, cabeça dura, como dizem. E Rita era uma mulher pra frente, que trabalhou vendendo o seu corpo e teve que lidar com oportunidades. Chico não entendeu e acabou criando situações diversas para ambos. É um homem irritante em alguns momentos, com seu machismo e falta de visão. Mas, é também uma questão da época.
O roteiro nos conduz de forma bem delicada, começando em uma época futura, com Chico já velho, trabalhando como engraxate nas ruas de uma Havana há muito comunista. No rádio toca a antiga canção, e ele vai se lembrando de sua trajetória, de suas escolhas, do amor de sua vida. Tudo em um tom melancólico, mas ao mesmo tempo gostoso de recordar. Há detalhes bem pontuados, como ele tocando um piano fictício no parapeito da janela. Ou recortes de jornais em uma caixa de sapatos velha. Símbolos que já foram também deles, como um sapatinho a la Cinderela jogado no primeiro encontro. O primeiro de muitos, ainda que os desencontros pareçam ter sido superiores entre os dois.
Há romance, há ciúmes, sentimentos de posse, vingança, jogos e trapaças. Mas, há também poesia, e principalmente, música em Chico e Rita. Toda a construção de época, os detalhes de Havana antes do golpe, praticamente quintal dos Estados Unidos, os hotéis de luxo, as músicas românticas da época. A ida para os Estados Unidos, as novas realidades. A Europa, os cenários de Paris. Tudo isso torna o filme algo especial em constituição estética ainda que não se arrisque em explorações mais experimentais como um Persepolis, por exemplo. A riqueza de detalhes, ainda que em traços padrões, tornam essa animação algo especial.
E como disse, mais do que animação, Chico e Rita é rico enquanto filme. Enquanto construção de uma história de amor tão bela com idas e vindas, com desgaste emocional como a maioria das tramas de amor. Mas que traz ainda camadas mais ricas de reconstituição histórica e crítica social. Seja pelas dificuldades do povo cubano, antes explorados por americanos, depois cercados pela ditadura socialista. Seja pelo preconceito racial, onde Rita nem mesmo poderia se hospedar em hotéis onde cantava. Seja pela questão das drogas e todas as consequências demonstradas no filme.
Não por acaso, Chico e Rita encantou o mundo, ganhou dois prêmios e uma indicação ao Oscar. É um filme digno, envolvente e até mesmo emocionante. Rico em todas as suas camadas e que nos fazem embarcar naquele mundo de sonhos. Mesmo que sonhos difíceis que se tornam quase pesadelos.
Chico e Rita (Chico e Rita, 2010 / Espanha e Inglaterra)
Direção: Tono Errando, Javier Mariscal e Fernando Trueba
Roteiro: Ignacio Martínez de Pisón, Fernando Trueba
Duração: 94 min.
Chico e Rita é uma história de amor, ambientada em um contexto histórico bastante delicado e que se utiliza da música cubana como guia. Ser em animação é um detalhe, porque apesar do bom traço de 2D, não há uma exploração dessa linguagem para outras experimentações artísticas, nem mesmo nas cenas musicais. Tudo segue um padrão tradicional de filmes românticos e de cunho social e cultural. E isso não é uma crítica negativa, é bom deixar claro. Apenas uma observação.
Como sugere o título trata-se da história de Chico e Rita. Ele, um pianista e compositor talentoso. Ela, uma cantora e dançarina da noite. Os dois se conhecem em Havana do final da década de 40, antes da revolução, antes do embargo, quando o sonho de todo músico cubano era poder chegar aos Estados Unidos, berço do jazz e blues. Chico e Rita são personagens fictícios, mas eles contracenam em sua trajetória com grandes nomes da época. Quem gosta da música caribenha e se encantou com grupos como Buena Vista Social Club, não tem como não se empolgar.
A música conduz essa animação, assim como o amor conturbado de seus protagonistas. Chico era um homem difícil, cabeça dura, como dizem. E Rita era uma mulher pra frente, que trabalhou vendendo o seu corpo e teve que lidar com oportunidades. Chico não entendeu e acabou criando situações diversas para ambos. É um homem irritante em alguns momentos, com seu machismo e falta de visão. Mas, é também uma questão da época.
O roteiro nos conduz de forma bem delicada, começando em uma época futura, com Chico já velho, trabalhando como engraxate nas ruas de uma Havana há muito comunista. No rádio toca a antiga canção, e ele vai se lembrando de sua trajetória, de suas escolhas, do amor de sua vida. Tudo em um tom melancólico, mas ao mesmo tempo gostoso de recordar. Há detalhes bem pontuados, como ele tocando um piano fictício no parapeito da janela. Ou recortes de jornais em uma caixa de sapatos velha. Símbolos que já foram também deles, como um sapatinho a la Cinderela jogado no primeiro encontro. O primeiro de muitos, ainda que os desencontros pareçam ter sido superiores entre os dois.
Há romance, há ciúmes, sentimentos de posse, vingança, jogos e trapaças. Mas, há também poesia, e principalmente, música em Chico e Rita. Toda a construção de época, os detalhes de Havana antes do golpe, praticamente quintal dos Estados Unidos, os hotéis de luxo, as músicas românticas da época. A ida para os Estados Unidos, as novas realidades. A Europa, os cenários de Paris. Tudo isso torna o filme algo especial em constituição estética ainda que não se arrisque em explorações mais experimentais como um Persepolis, por exemplo. A riqueza de detalhes, ainda que em traços padrões, tornam essa animação algo especial.
E como disse, mais do que animação, Chico e Rita é rico enquanto filme. Enquanto construção de uma história de amor tão bela com idas e vindas, com desgaste emocional como a maioria das tramas de amor. Mas que traz ainda camadas mais ricas de reconstituição histórica e crítica social. Seja pelas dificuldades do povo cubano, antes explorados por americanos, depois cercados pela ditadura socialista. Seja pelo preconceito racial, onde Rita nem mesmo poderia se hospedar em hotéis onde cantava. Seja pela questão das drogas e todas as consequências demonstradas no filme.
Não por acaso, Chico e Rita encantou o mundo, ganhou dois prêmios e uma indicação ao Oscar. É um filme digno, envolvente e até mesmo emocionante. Rico em todas as suas camadas e que nos fazem embarcar naquele mundo de sonhos. Mesmo que sonhos difíceis que se tornam quase pesadelos.
Chico e Rita (Chico e Rita, 2010 / Espanha e Inglaterra)
Direção: Tono Errando, Javier Mariscal e Fernando Trueba
Roteiro: Ignacio Martínez de Pisón, Fernando Trueba
Duração: 94 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Chico e Rita
2013-03-11T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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