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Grandes Cenas: À Espera de um Milagre (com spoilers)

À Espera de um MilagreQuem nunca sofreu uma injustiça? Ou a cometeu? Em um mundo tão humano estamos sempre susceptíveis a erros. Uns mais leves, outros mais brutais. Faz parte da vida, do aprendizado, da convivência. Mas, sempre tem aqueles que nos incomodam e emocionam mais pelo grau de absurdo. Assim é o filme À Espera de um Milagre.

John Coffey, interpretado por Michael Clarke Duncan, era um homem bom. Negro em uma terra e época racista ao extremo, vai tentar ajudar uma vítima de crime e é confundido com o agressor. Preso e condenado à cadeira elétrica, John passa a conviver com os guardas, principalmente com o chefe da guarda Paul Edgecomb, personagem de Tom Hanks, que percebe o homem bom que está em sua frente. Mais do que isso, um homem com um dom de cura impressionante. Tanto que o liberta de sua doença.

À Espera de um MilagreApesar disso, no entanto, ele não tem como ajudá-lo, não há como provar sua inocência, nem libertá-lo do corredor da morte. Na véspera da execução, no entanto, ele vai até a sua cela e pergunta o que ele gostaria que fizesse. Essa é a cena, ou melhor sequência (já que são duas cenas casadas) que trato para a análise de hoje. O momento em que Paul Edgecomb conversa com John Coffey e a realização de seu último desejo: ver um filme.

A cena tem uma preparação antes, com Paul entrando na cela, mas a parte mais importante é quando ele diz que tem que perguntar algo muito importante. A câmera fica em um jogo de plano e contraplano em close dos dois personagens durante todo o diálogo. Mas, é interessantes perceber os detalhes disso e o porquê. Primeiro, claro. Com o close temos a aproximação de ambos. Estamos ali, junto com eles, vendo os detalhes das emoções. Estamos dentro do problema.

À Espera de um MilagreMas, vale chamar a atenção de que o personagem de Michael Clarke Duncan é enquadrado com uma câmera levemente baixa, enquanto que em Tom Hanks, a angulação é levemente alta. Ou seja, vemos John de baixo para cima, dando uma certa superioridade ao personagem, enquanto que Paul está de cima para baixo, mostrando sua fragilidade diante da situação impotente. A princípio, John não quer que ele fale, mas Paul insiste e diz que precisa saber o que pode fazer por ele, se quer que o tire dali. Quanto John pergunta por que ele pediria algo tão bobo, Paul abre seu coração.

A cena prepara a emoção com a música surgindo aos poucos em B.G. e Paul fala que não quer ser julgado por Deus por não ter salvo um dos seus milagres. Na verdade, ele demonstra ali toda a sua impotência diante da situação. Por saber ter ali em sua frente um homem inocente que terá que levar para a morte. Um homem como poucos. E John também se abre. Fala que, na verdade, a morte será um favor que lhe farão. Pois ele está cansado desse mundo mesquinho. De pessoas más, de coisas pequenas que ele não entende. Ele está cansado de lutar. O descanso lhe fará bem.

À Espera de um MilagreSó então, o personagem de David Morse que está na porta da cela se manifesta, perguntando se não há nada mesmo que possam fazer por ele. Aqui, a situação se inverte. Em pé, o personagem Brutus Howell é que é visto de baixo para cima. Ele está mais sereno que o personagem de Tom Hanks. Enquanto que John é visto de cima para baixo. Além da continuidade de espaçamento, a escolha de angulação demonstra que John ficou vulnerável. Apesar de já conformado e até tranquilo com sua sentença, a ideia de pedir algo mexe com ele. E ele, então, desabafa que nunca viu um filme.

A cena corta para uma sala de projeção, onde John e os guardas assistem a O Picolino. Mais precisamente à cena em que Fred Astaire e Ginger Rogers dançam "Cheek to Cheek". A própria letra traz uma metáfora para a situação do personagem. "Heaven... I'm in heaven, And my heart beats so that I can hardly speak" (Céu, estou no céu. E meu coração bate tanto que mal consigo falar).

À Espera de um MilagreTemos aqui um jogo de imagens, cenas da tela, cenas da tela com a cabeça de John em primeiro plano e cenas da plateia. Primeiro vemos a tela com sua cabeça apesar de primeiro plano, desfocada. Logo depois vemos seu perfil e já percebemos toda a sua emoção. Um traveling vai corrigindo a câmera para pegá-lo de frente e ao fundo, desfocado Paul. Tudo feito com muito cuidado, para nos ambientar e emocionar. O foco troca, de John para Paul que observa o amigo vendo o filme.

Um plano geral, mostra a sala com John, Paul e mais três guardas. A câmera procura "sala" de projeção e vemos o projecionista bocejando. Ele não está envolvido com aquilo. Não tem ligação emocional com John, não entende o que está acontecendo, nem se importa com o filme que vê, como se fosse algo que ele já fizesse no automático. O que nos dá uma pitada a mais para a cena. Até porque depois vemos um close de Paul e ele observando os outros guardas que assistem, todos com um ar de emoção e respeito pelo momento.

Aí, vem o "grand finale" com um close de John, emocionado, olhando para a tela e a luz da projeção atrás de sua cabeça dando uma aura angelical. Ali está um homem verdadeiramente iluminado segundo a imagem. Quase como uma aparição santa. E ele balbucia para a tela que está vendo verdadeiros anjos. Realmente, emociona.

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