O Nome da Rosa
Baseado na obra de Umberto Eco, O Nome da Rosa é daqueles filmes que ficam mais pelo valor histórico que pela qualidade técnica em si. Lembro que o vi pela primeira vez em uma aula de história sobre a Idade Média. E até hoje o cito em minhas aulas de roteiro ao falar da Poética de Aristóteles.
A trama se passa no século XIV, quando dois monges franciscanos, o mestre William de Baskerville (Sean Connery) e o discípulo Adso von Melk (Christian Slater), chegam a um mosteiro beneditino onde mortes estanhas estão acontecendo. O demônio é um possível culpado e a Santa Inquisição já fora chamada, mas o Abade local, tem esperanças de que William consiga desvendar o que realmente está acontecendo ali.
William de Baskerville não é um franciscano comum. E a ordem franciscana era a mais, digamos, avançada naqueles tempos. Tanto que havia uma possibilidade de torná-la herege. Porque em uma época onde o conhecimento era considerado perigoso, ter um monge intelectual que está sempre investigando e defendendo a ciência é mesmo algo temeroso. E William logo encontra seu opositor na figura do venerável Jorge, um homem que considera o riso algo extremamente perigoso. Posteriormente, o inquisitor Bernardo Gui também lhe trará problemas.
Mas, em um ambiente de mosteiro, mortes misteriosas e disputas de ordens religiosas em plena Idade Média, por que o título da obra ser O Nome da Rosa? Algo tão poético e paralelo. Uma garota do povo, uma pedinte que troca comida por favores sexuais. Claro, uma mulher, que naquela época nem tinha alma e era considerada uma tentação bem próxima ao demônio. Mas, também uma moça que se aproxima do discípulo Adso de uma maneira quase ingênua, seguindo os seus instintos e despertando mais do que tensão sexual no rapaz. Há muitos pormenores no texto de Umberto Eco que só poderiam ser analisados, dando alguns spoilers.
E esse texto já deu mais pistas sobre os mistérios da história do que talvez deveria. Ainda que elas estejam também expostas na trama desde o seu início. Apenas é necessário um olhar atento para perceber e juntar todas as peças. Principalmente ligadas à biblioteca do mosteiro e aos livros da sessão proibida. Primeira coisa que William percebe ao pisar na sala de tradução e logo começa a investigar.
A estrutura do roteiro é bastante didática, apesar da direção de Jean-Jacques Annaud sempre conduzir sua câmera em um tom de suspense intenso. Vide a forma como apresenta os assassinatos. A morte do tradutor negro, por exemplo. Primeiro, vemos o caldeirão e a reação dos monges, só depois a câmera vai caminhando devagar e revelando os pés na parte de cima. O caldeirão é virado e vemos o corpo inteiro. Mesmo a cena da garota com Adso é construída com uma boa dose de suspense, a começar por sua aparição, a forma como ela vai se aproximando dele, até o ato em si.
A própria narração em voz over do personagem Adso já nos prepara para um clima de tensão. Ainda que as primeiras imagens sejam quase banais de uma rotina de mosteiro. Como o narrador nos avisa de acontecimentos sinistros que ele não esquece e até hoje não tem coragem de dizer o nome do local, ficamos em alerta constante. Não por acaso, a cena em que Adso observa as estátuas na igreja é construída com tanta tensão que lembra quase um filme de terror. Há também algumas ironias construídas na montagem nesta mesma cena, já que antes dela, temos o monge acabando de sentenciar que "a dúvida é inimiga da fé".
O jogo de poder da igreja que detinha o conhecimento e, com isso, a subserviência do povo é um dos alicerces da trama. Tudo está atrelado a isso. Desde o fato de subjugar a mulher, como um ser inferior e perigoso, a não ser na figura da virgem santa e imaculada, passando pela detenção do conhecimento, escondendo livros e não permitindo algumas verdades senão a poucos, até, claro, ao controle do riso. Quem ri não tem tanto medo, ridiculariza seus medos e seus problemas até e, assim, não precisa tanto de Deus. Pelo menos na lógica ilógica daqueles representantes da igreja.
Acima de tudo o controle e o poder sobre a vida dos seres humanos. Nisso, O Nome da Rosa é uma obra que merece aplausos. Claro que muito pelo texto de Eco, é verdade, mas o filme consegue passar a essência da situação e dos perigos que a curiosidade ou a inquietação traziam em épocas como aquelas.
O Nome da Rosa (Der Name der Rose, 1986 / França , Itália , Alemanha)
Direção: Jean-Jacques Annaud
Roteiro: Andrew Birkin, Gérard Brach, Howard Franklin e Alain Godard
Com: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger
Duração: 130 min.
A trama se passa no século XIV, quando dois monges franciscanos, o mestre William de Baskerville (Sean Connery) e o discípulo Adso von Melk (Christian Slater), chegam a um mosteiro beneditino onde mortes estanhas estão acontecendo. O demônio é um possível culpado e a Santa Inquisição já fora chamada, mas o Abade local, tem esperanças de que William consiga desvendar o que realmente está acontecendo ali.
William de Baskerville não é um franciscano comum. E a ordem franciscana era a mais, digamos, avançada naqueles tempos. Tanto que havia uma possibilidade de torná-la herege. Porque em uma época onde o conhecimento era considerado perigoso, ter um monge intelectual que está sempre investigando e defendendo a ciência é mesmo algo temeroso. E William logo encontra seu opositor na figura do venerável Jorge, um homem que considera o riso algo extremamente perigoso. Posteriormente, o inquisitor Bernardo Gui também lhe trará problemas.
Mas, em um ambiente de mosteiro, mortes misteriosas e disputas de ordens religiosas em plena Idade Média, por que o título da obra ser O Nome da Rosa? Algo tão poético e paralelo. Uma garota do povo, uma pedinte que troca comida por favores sexuais. Claro, uma mulher, que naquela época nem tinha alma e era considerada uma tentação bem próxima ao demônio. Mas, também uma moça que se aproxima do discípulo Adso de uma maneira quase ingênua, seguindo os seus instintos e despertando mais do que tensão sexual no rapaz. Há muitos pormenores no texto de Umberto Eco que só poderiam ser analisados, dando alguns spoilers.
E esse texto já deu mais pistas sobre os mistérios da história do que talvez deveria. Ainda que elas estejam também expostas na trama desde o seu início. Apenas é necessário um olhar atento para perceber e juntar todas as peças. Principalmente ligadas à biblioteca do mosteiro e aos livros da sessão proibida. Primeira coisa que William percebe ao pisar na sala de tradução e logo começa a investigar.
A estrutura do roteiro é bastante didática, apesar da direção de Jean-Jacques Annaud sempre conduzir sua câmera em um tom de suspense intenso. Vide a forma como apresenta os assassinatos. A morte do tradutor negro, por exemplo. Primeiro, vemos o caldeirão e a reação dos monges, só depois a câmera vai caminhando devagar e revelando os pés na parte de cima. O caldeirão é virado e vemos o corpo inteiro. Mesmo a cena da garota com Adso é construída com uma boa dose de suspense, a começar por sua aparição, a forma como ela vai se aproximando dele, até o ato em si.
A própria narração em voz over do personagem Adso já nos prepara para um clima de tensão. Ainda que as primeiras imagens sejam quase banais de uma rotina de mosteiro. Como o narrador nos avisa de acontecimentos sinistros que ele não esquece e até hoje não tem coragem de dizer o nome do local, ficamos em alerta constante. Não por acaso, a cena em que Adso observa as estátuas na igreja é construída com tanta tensão que lembra quase um filme de terror. Há também algumas ironias construídas na montagem nesta mesma cena, já que antes dela, temos o monge acabando de sentenciar que "a dúvida é inimiga da fé".
O jogo de poder da igreja que detinha o conhecimento e, com isso, a subserviência do povo é um dos alicerces da trama. Tudo está atrelado a isso. Desde o fato de subjugar a mulher, como um ser inferior e perigoso, a não ser na figura da virgem santa e imaculada, passando pela detenção do conhecimento, escondendo livros e não permitindo algumas verdades senão a poucos, até, claro, ao controle do riso. Quem ri não tem tanto medo, ridiculariza seus medos e seus problemas até e, assim, não precisa tanto de Deus. Pelo menos na lógica ilógica daqueles representantes da igreja.
Acima de tudo o controle e o poder sobre a vida dos seres humanos. Nisso, O Nome da Rosa é uma obra que merece aplausos. Claro que muito pelo texto de Eco, é verdade, mas o filme consegue passar a essência da situação e dos perigos que a curiosidade ou a inquietação traziam em épocas como aquelas.
O Nome da Rosa (Der Name der Rose, 1986 / França , Itália , Alemanha)
Direção: Jean-Jacques Annaud
Roteiro: Andrew Birkin, Gérard Brach, Howard Franklin e Alain Godard
Com: Sean Connery, Christian Slater, Helmut Qualtinger
Duração: 130 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Nome da Rosa
2013-04-09T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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