Elena
A voz over no cinema sempre gerou controvérsias. Um recurso fácil e pouco criativo. Uma redundância. Cinema é imagem. São alguns dos argumentos. Em um documentário, então. É quase sacrilégio. Nos remete logo à Discovery Channel ou algo parecido. Porém, mesmo os maiores críticos ao recurso têm que reconhecer que há filmes em que a narração é a essência da obra. Como conceber um Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, sem ela? O mesmo pode-se dizer de Elena, documentário de Petra Costa. Porque mais do que um filme, a obra é uma carta de uma irmã para outra. E é esse tom de intimidade que nos permite embarcar junto com elas em emoções diversas.
Elena é um filme de procura e descoberta através de lembranças. Remexendo os vídeos de família, as fotos e fitas K7 que sua irmã deixou, a diretora Petra Costa embarca na reconstrução dos passos dela que foi para os Estados Unidos com um sonho: ser atriz de cinema. Aqui no Brasil estávamos em pleno governo Collor que fechou a Embrafilmes levando a produção do nosso cinema a quase zero. Lá, tinha Hollywood e todos os sonhos possíveis. Mas, claro que tudo não poderia ser tão fácil, ainda que em uma saída ao bar, Elena tenha conhecido Coppola e este a convidou para assistir às filmagens de O Poderoso Chefão 3.
Refazendo os passos de Elena, Petra nos conta sua história. Ou melhor, relembra à Elena com quem conversa em sua narrativa, todos os passos daquela saga. Desde que seus pais se conheceram e só se livraram de ir para o Araguaia e possivelmente morrer nas mãos da ditadura porque Elena já estava na barriga da mãe. Essa menina que já nasceu dançando e filmando sua vida. Diversas imagens de arquivo da pequena Elena embalando a bebezinha Petra nos encanta. Há conexões e desconexões que nos fazem embarcar naquela jornada de uma maneira única. Mesmo sem nunca ter conhecido Elena Andrade. Porque Petra nos conduz.
E nessa conexão há algumas simbologias muito boas como quando Petra fala que passeia pelas ruas de Nova York ouvindo a voz da irmã. Ao mesmo tempo que há o simbólico de estar reconstruindo os passos de Elena e vivenciando aquilo de uma maneira metafórica. Há o real das fitas K7 que Elena gravava para contar seu dia-a-dia na cidade, porque não gostava de escrever cartas. Então, ela literalmente poderia andar pelas ruas ouvindo Elena conversar com ela, enquanto que nós, revíamos aquilo, ouvindo Petra conversar simbolicamente com Elena em pensamento.
Tudo muito forte, talvez por isso, case tão bem as imagens com um filtro que deixe quase tudo desfocado, como um sonho. Porque foi com um sonho que tudo começou. Assim, a carta filmada se inicia: sonhei com você. Petra sonhou com Elena e nos faz sonhar também com aquela profusão de imagens oníricas em meio à cidade de Nova York que já é um símbolo de sonhos. Sonhos realizados e sonhos desfeitos.
Da mesma maneira que o elemento água entra de uma maneira bastante especial. A água que limpa, que transforma. A água que é capaz de ser maleável e se adaptar. Símbolo de vida e morte em diversos aspectos e que faz com que Petra possa morrer e renascer, quase como um novo batismo diante de tudo que vivencia. De certa maneira, ela tem que matar a Elena dentro dela, para que a essência de Petra possa renascer. E por isso uma determinada cena boiando na água seja tão forte e bela.
Porque o mais interessante desse documentário é que ele vai além de documentar. Ele recria em cima de fatos sem ficcionar. Ou pelo menos, sem encenar o que quer que seja. O trabalho de imagens de arquivo, passeios por Nova York e efeitos de luz no envolve de uma maneira única. Mesmo os depoimentos são inseridos de uma maneira especial, como quando Petra caminha por uma ponte e vozes a comparam a Elena, as vezes dizendo que elas se parecem, outras que não tem nada a ver. Essa busca descontinua pelos elos do passado, mas com o medo da repetição.
Elena é isso. Um filme que esconde diversos outros filmes. Sensações, emoções, lembranças, receios, traumas. A eterna redescoberta e aprendizado da vida. Os sonhos, as frustrações, a perseverança. Elena tanto quis ser atriz de cinema, que acabou concretizando seu sonho de uma maneira torta, pelas mãos de sua irmã caçula. A pequena Petra que ela ensinou a dançar e a interpretar. E que com essa carta filmada fez mais do que uma declaração de amor. Provou que aprendeu as lições. Mesmo aquelas que ficaram nas estrelinhas.
Elena (Elena, 2012 / Brasil)
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa e Carolina Ziskind
Com: Elena Andrade, Li an e Petra Costa
Duração: 82 min.
Elena é um filme de procura e descoberta através de lembranças. Remexendo os vídeos de família, as fotos e fitas K7 que sua irmã deixou, a diretora Petra Costa embarca na reconstrução dos passos dela que foi para os Estados Unidos com um sonho: ser atriz de cinema. Aqui no Brasil estávamos em pleno governo Collor que fechou a Embrafilmes levando a produção do nosso cinema a quase zero. Lá, tinha Hollywood e todos os sonhos possíveis. Mas, claro que tudo não poderia ser tão fácil, ainda que em uma saída ao bar, Elena tenha conhecido Coppola e este a convidou para assistir às filmagens de O Poderoso Chefão 3.
Refazendo os passos de Elena, Petra nos conta sua história. Ou melhor, relembra à Elena com quem conversa em sua narrativa, todos os passos daquela saga. Desde que seus pais se conheceram e só se livraram de ir para o Araguaia e possivelmente morrer nas mãos da ditadura porque Elena já estava na barriga da mãe. Essa menina que já nasceu dançando e filmando sua vida. Diversas imagens de arquivo da pequena Elena embalando a bebezinha Petra nos encanta. Há conexões e desconexões que nos fazem embarcar naquela jornada de uma maneira única. Mesmo sem nunca ter conhecido Elena Andrade. Porque Petra nos conduz.
E nessa conexão há algumas simbologias muito boas como quando Petra fala que passeia pelas ruas de Nova York ouvindo a voz da irmã. Ao mesmo tempo que há o simbólico de estar reconstruindo os passos de Elena e vivenciando aquilo de uma maneira metafórica. Há o real das fitas K7 que Elena gravava para contar seu dia-a-dia na cidade, porque não gostava de escrever cartas. Então, ela literalmente poderia andar pelas ruas ouvindo Elena conversar com ela, enquanto que nós, revíamos aquilo, ouvindo Petra conversar simbolicamente com Elena em pensamento.
Tudo muito forte, talvez por isso, case tão bem as imagens com um filtro que deixe quase tudo desfocado, como um sonho. Porque foi com um sonho que tudo começou. Assim, a carta filmada se inicia: sonhei com você. Petra sonhou com Elena e nos faz sonhar também com aquela profusão de imagens oníricas em meio à cidade de Nova York que já é um símbolo de sonhos. Sonhos realizados e sonhos desfeitos.
Da mesma maneira que o elemento água entra de uma maneira bastante especial. A água que limpa, que transforma. A água que é capaz de ser maleável e se adaptar. Símbolo de vida e morte em diversos aspectos e que faz com que Petra possa morrer e renascer, quase como um novo batismo diante de tudo que vivencia. De certa maneira, ela tem que matar a Elena dentro dela, para que a essência de Petra possa renascer. E por isso uma determinada cena boiando na água seja tão forte e bela.
Porque o mais interessante desse documentário é que ele vai além de documentar. Ele recria em cima de fatos sem ficcionar. Ou pelo menos, sem encenar o que quer que seja. O trabalho de imagens de arquivo, passeios por Nova York e efeitos de luz no envolve de uma maneira única. Mesmo os depoimentos são inseridos de uma maneira especial, como quando Petra caminha por uma ponte e vozes a comparam a Elena, as vezes dizendo que elas se parecem, outras que não tem nada a ver. Essa busca descontinua pelos elos do passado, mas com o medo da repetição.
Elena é isso. Um filme que esconde diversos outros filmes. Sensações, emoções, lembranças, receios, traumas. A eterna redescoberta e aprendizado da vida. Os sonhos, as frustrações, a perseverança. Elena tanto quis ser atriz de cinema, que acabou concretizando seu sonho de uma maneira torta, pelas mãos de sua irmã caçula. A pequena Petra que ela ensinou a dançar e a interpretar. E que com essa carta filmada fez mais do que uma declaração de amor. Provou que aprendeu as lições. Mesmo aquelas que ficaram nas estrelinhas.
Elena (Elena, 2012 / Brasil)
Direção: Petra Costa
Roteiro: Petra Costa e Carolina Ziskind
Com: Elena Andrade, Li an e Petra Costa
Duração: 82 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Elena
2013-05-14T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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