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Faroeste Caboclo - Entrevista Coletiva
Faroeste Caboclo - Entrevista Coletiva
A equipe do filme Faroeste Caboclo, baseado na música homônima de Legião Urbana, esteve em Salvador. Participaram da coletiva de imprensa, René Sampaio (diretor), Antonio Calloni (Marco Aurélio), Felipe Abib (Jeremias), Fabrício Boliveira (João de Santo Cristo) e Bianca de Felippes (produtora).
Todos bastante empolgados com a obra, demonstraram que a expectativa com a bilheteria é a melhor possível. Segundo a produtora Bianca Felippes, a primeira pré-estreia na Livraria Cultura, por exemplo, deu 1.500 pessoas, quando a capacidade era de apenas 300. Tudo isso, provavelmente se deve pelo amor que a banda e a música ainda desperta nas pessoas. Ainda mais em um momento propício de resgate de Renato Russo e Legião Urbana que vem desde o documentário Rock Brasília, passando pelo filme Somos Tão Jovens e até o curta-metragem Parents, de Thales Corrêa , que participou do Festival de Cannes desse ano.
Aqui, os melhores momentos da coletiva, lembrando que as perguntas foram dos diversos veículos presentes, não apenas do CinePipocaCult. Vejam como foi.
Pergunta: A gente percebe que é o filme muito visual, pouca coisa explícita da letra como “tem bagulho bom aí”. O que é muito interessante. Queria apenas que você falasse um pouco sobre a preocupação com a adaptação da música.
René – Acho que quando a gente escolheu o recorte que a gente queria fazer, a gente chegou já no grande final e fez um recorte da história de amor. Tentou montar o filme adiantando a entrada da Ísis e do Felipe, respectivamente Maria Lucia e Jeremias, e a gente construiu o filme a partir desse recorte que fez. E buscou ser o mais cinematográfico e naturalista possível, tirando da música o que a gente achou que no filme soaria como excesso. Então, a gente trouxe tudo que achava visual e tudo que não era natural. As falas, por exemplo, que respeitam na música uma métrica, etc, a gente tentou adaptar de outra maneira, deixando o sentimento, a sensação, sendo fiel ao espírito, mas talvez não literal. Acho que isso é um caminho que a gente escolheu.
Pergunta: René, o João do Santo Cristo te escolheu, ou você escolheu ele?
René – Ah, a gente se escolheu junto. Queria muito fazer esse filme, desde que ouvia a música. Então, foi quando eu escolhi. Aí, acho que ele me escolheu quando conheci a Bianca (de Felippes - produtora) anos depois e ela disse, "você quer fazer um filme?" Eu disse, "quero fazer Faroeste Caboclo". Aí ela falou, "nossa, adoro Legião, vamos fazer junto". Aí ela foi atrás dos direitos. Então, acho que ele me escolheu de volta para fazer o filme.
Bianca – Tava na hora certa, no lugar certo. Um monte de gente já tinha tentado fazer. Em 2005 a gente teve a ideia, mas até ver a questão dos direitos, fechar tudo, ele só virou um projeto de fato em 2007.
René – Mas, a loucura desse filme é que no dia em que dissemos, vamos comprar os direitos já virou uma notícia e já tinha gente perguntando quando ia ficar pronto.
Bianca – Foram dois anos fazendo teste de elenco. Começando em 2009 e só fomos começar rodar em 2011. Viemos duas vezes em Salvador.
René – É, porque estamos buscando o personagem principal, queríamos que ele fosse baiano. Depois voltamos para buscar os meninos que fariam o João pequeno. E encontramos dois irmãos, gêmeos.
Bianca – Antonio Marco e Marco Antonio (risos). São gêmeos iguaizinhos.
René – Um luxo, né? Você trabalhar com duas crianças e gêmeas. Uma não está funcionando coloca a outra e está tudo certo (risos). Um tinha medo de pegar o calango, então, na hora de pegar o calango, era um, depois era o outro.
Pergunta: Tem uma geração que vai ser atingida fatalmente, por ter ouvido Legião, por fazer parte de sua história. Mas, qual a estratégia para atingir essa outra geração, que não viveu essa época? A utilização da internet tem essa função?
Bianca – Desde o começou a gente planejou o projeto inteiro com ações de internet. Teve uma parceria com o Yahoo, tinha um portal que acompanhou o processo, desde a escolha de locação, escolha de elenco. Já vimos que tinha um público jovem que estava sendo atingindo que não viveu essa época. Então, acho que a música, a Legião é uma coisa que se renova. Meu filho tem catorze anos e canta a música inteira. Jovens que curtem Legião.
Felipe – Acho que a música tem um apelo jovem, né? Fala a linguagem dessa época da vida, independente de quando você ouça.
René – Uma pesquisa de uma empresa que a gente contratou descobriu que 70% das pessoas que entraram para ver o vídeo, tinha entre 18 a 25 anos e a maioria era mulher. Mas, acho que o Renato e essa música tocam em uma coisa forte do brasileiro. É uma história do brasileiro que a gente conhece, independente da cor que a gente tenha, da situação financeira que a gente tenha, parece que reúne a gente, que é da nossa formação. É um espelho nosso.
Bianca – Todo mundo que entrou nesse filme, quis fazer esse filme. O Calloni se escalou para o filme.
Calloni – Eles estavam falando do apelo do filme. Tem uma coisa muito bacana que reúne os arquétipos em um mesmo lugar. É amor, ódio, sofrimento, dor, prazer. Isso é atemporal e tem um leque de alcance muito grande. Para todo tipo de público em qualquer circunstância. Tá tudo ali, uma tragédia forte. Eu acho que morte é uma coisa de muito mal gosto, que não existe (risos), mas, enfim, a princípio, é por aí.
Pergunta: Mas, é da geração de Legião?
Calloni – Sim, eu ouvia muito Legião. E meu filho começou a ouvir agora. É muito legal, essa música tem uma coisa muito fácil do gosto, algo imediato.
Bianca – Quando eu falei que estava produzindo o filme, Calloni me perguntou: "tem papel para mim?" Eu disse, "calma, não tem nem roteiro ainda" (risos). Aí ele disse, "olha, mas quando tiver roteiro me manda". Dei o roteiro e ele disse: "Eu quero fazer o Marco Aurélio". Aí eu falei para o René: "Olha, o Calloni quer fazer o Marco Aurélio". E ele: "Pô, claro!" (risos).
Pergunta: E por que você queria fazer o Marco Aurélio?
Calloni – Para brincar de Bang-Bang (risos). Isso é a versão oficial, agora a versão mais profunda, do personagem, da complexidade, não queria estar falando disso. (risos). Queria brincar, foi muito bom.
Pergunta: Como foi a preparação do Jeremias, porque na música ele é O vilão maniqueísta, mas no filme, tem um lado humano, uma carência. Como foi que você construiu isso.
Felipe – Foi um trabalho de encaixar o personagem em uma realidade, sair da fábula que começou a vir tudo. Onde ele tem que trabalhar, onde existe paixão, ciúmes, de uma cara que vem cheio de coisas que ele acha mais interessante. Tudo isso em uma busca de criar sensações de um garoto que pratica bullyng, mas que sofre de baixa autoestima. E como é que esse garoto pode usar isso de uma maneira violenta. Mas, onde está o momento de solidão dele? A gente pensou muito em fazer umas cenas assim, até filmou uma onde estava na piscina em uma boia, que acorda depois de um dia louco, cheio de pó e acorda com quem? Um casarão daquele e ninguém.
Calloni – E uma coisa muito bacana no filme, essa relação doentia, bem doentia do Marco Aurélio com o Jeremias, um humor violento que deu um colorido especial ao trabalho, foi sendo descoberto durante o trabalho, que foi bem bacana. Porque a função do personagem é essa, ser um policial corrupto mesmo.
Felipe – É, a gente foi pensando na relação do Jeremias, sem uma família, pai ausente. E que o Marco Aurélio iria suprir de certa forma essas funções. A gente foi imaginando isso, foi bem bacana.
René – Como é um personagem que tem poucas cenas e não é multidimensional, ele tem poucas dimensões, acho que tem uma personalidade que o Calloni emprestou para o personagem. Não só ele como o Marcos Paulo, o (Flávio) Bauraqui, personagens que tem um tempo menor de tela, todos eles tem um propósito bacana que não dá para explicar, uma certa magia que vem dos atores.
Pergunta: E essa magia tem a ver também com o personagem do Fabrício, por causa da morte do pai?
René – Sim, claro. O pai que foi morto por um policial e a figura desse carrasco retorna.
Pergunta: Por que tinha que ser um baiano para interpretar o João de Santo Cristo?
René– Pelas indicações da música. Ele sai de uma cidade no interior, a fictícia Santo Cristo e vai para Salvador. Então, eu achei que o mais lógico seria que ele seria um baiano. Claro, poderia ser outro nordestino das proximidades. Mas, eu acho que não teria uma representação cultural tão forte. Eu preferia um baiano, e dei a sorte de encontrar o Fabrício.
Pergunta: O Calloni falou em brincar de bang bang. O título já avisa que é um faroeste. E o gênero me lembra logo a questão de mocinho e bandido. Mas, o João não é exatamente um mocinho, ele mata, ele vende drogas. Você classificaria ele como o mocinho?
René – Eu acho que a gente busca o mocinho nele, mas não tem só mocinho nesse filme, como também não tem só bandido. Todos os personagens transitam ali, evitando a convenção de bandido e mocinho, onde você pode encontrar a mocinha que é maconheira, o bandido que também tem lado humano, um garoto cheio de problemas. Então, a gente revisita as teorias de bandido e mocinho.
Fabrício - Fala um pouco da geração de Brasília dos anos 80, a chamada Geração Perdida. Essa mesma geração que vai queimar índios depois, mas que também tem um lado cultural que nos deu pessoas como o Renato Russo. A própria Brasília, a gente vê as mazelas, mas ver o céu, a beleza.
Calloni – Eu acho a forma como é apresentada Brasília no filme, genial. Não é uma coisa didática, é do detalhe que você identifica, com uma outra leitura do lugar, muito mais interessante.
Pergunta: Na música, os personagens citados são apenas insinuações, que deu bastante margem para criação de back ground, humanização como falaram do Jeremias. Mas, o João do Santo Cristo, não. Ele é a música, e está detalhado, inclusive de maneira conflitante. Treinava para ser bandido desde criança, mas queria ajudar as pessoas que só faziam sofrer. Como você vê esse personagem e como foi a construção do seu João de Santo Cristo?
Fabrício – Eu pensei que é uma história não maniqueísta. Não tem bonzinho, nem mauzinho nessa história. E acho que como todo mundo tinha essa expectativa também, que vem desse imaginário, a ideia era fazer um filme onde as pessoas se identificassem, mas com um certo distanciamento. Que não fosse um mito de herói clássico, que tem os elementos de uma tragédia, amor, ódio, mas que fosse um herói com um certo distanciamento e não houvesse a catarse. Você assistiria o filme, sofreria com o herói, choraria ali e depois poder sair para comer uma pizza, porque foi tudo resolvido ali no cinema. Acho que são questões que precisam dialogar com as pessoas. A ideia é fazer um filme sem maniqueísmo, que tivesse um distanciamento brechtiano que a gente conhece. Você vê o herói passando pelas situações e você se coloca nessas situações. Porque se desde o início já é apontado que ele é um vilão, qualquer ação que seja de uma certa bondade você se pergunta como se colocaria. Esse foi o jogo primeiro. De como criar um diálogo também com a mente, fazer com que as pessoas reflitam sobre a história da música e também sobre as suas construções. É a discussão do momento, Feliciano está aí querendo acabar com os negros, acabar com os gays. Então, falando disso, de respeito às diferenças. Queria não apenas que vocês vivessem e se emocionassem com isso, mas pensassem sobre isso. Poderia, por exemplo, acontecer de Jeremias, João e Maria Lucia viverem esse amor a três, super moderno. (risos). Ou dividindo a boca, por exemplo. Mas, o que faz a gente repensar isso e lidar com as diferenças do outro? A Maria Lucia atravessa isso, né? Ela consegue se encontrar com João e entender o que tem nele que fala nela e onde eles podem se afinar. Ela consegue olhar nos olhos dele e ver não apenas um cara que está na janela, mas também um outro cara. Consegue atravessar o pré-conceito. E acho que o filme consegue nos fazer passar por esses passos.
Pergunta: Antonio Calloni, como foi a construção do seu personagem para Faroeste Caboclo, você utiliza também coisas de outros personagens que já fez? Queria que você falasse um pouco sobre isso.
Calloni – É, a gente tem todas as possibilidades. A gente vai escolhendo. Eu escolhi não ser mau, por exemplo, na minha vida. Eu gosto de ser bom. Então, a gente vai escolhendo, puxando as coisas que a gente tem dentro da gente. Nada que é humano é estranho. Então, um cara mau, um cara bom, o cara engraçado, o cara que tem medo, são familiares a gente. Para qualquer um. Agora, para a construção específica do Marco Aurélio, tive ajuda do Departamento de polícia de Brasília, conversei bastante com sobre a realidade local. Agora, esse personagem é um policial corrupto que pega as drogas e dá para o Jeremias vender. É isso o personagem. Então, eu tive que humanizar esse personagem que é assim, não tem uma história prévia. Como humanizar isso? Na relação com os outros personagens, com o Jeremias. E esse personagem é muito fácil de ser reconhecido, já vimos um milhão de Marcos Aurélios por aí. Corrupção é uma coisa que existe em todos os setores. Então, a dificuldade de fazer um personagem é igual, qualquer que seja o personagem. Isso falo com todo a sinceridade. Mas, é prazeroso. O trabalho de ser ator é muito bom.
René – Ele diz isso, mas, por exemplo, na cena da morte dele, o João diria para ele se ajoelhar para depois o matar. Repetindo a morte do pai dele. Mas, aí o Calloni me disse, René, eu queria mudar uma coisa, porque eu acho que esse cara não devia ajoelhar. É um cara que já sabe que vai morrer.
Calloni – Já que vai morrer, mata logo. (risos)
René – Então, acho que ele deve xingar o cara e aí, vai morrer. Aí ele inventou isso e foi ótimo. Não tinha nada disso no roteiro, mas vem da contribuição do ator que constrói seu personagem, faz seu dever de casa e traz isso para o filme. E aí, fica muito mais legal do que o imaginado antes.
Calloni – Mas, isso parte também de uma relação que falei durante o filme. Porque o Fabrício deixou o jornal cair na cena, onde não tinha isso, e nem me avisou.
Fabrício – Mas, eu deixei cair porque você já vinha me provocando (risos)
Calloni – E tem que ser, né? É assim que é o processo.
Pergunta: Como foi fazer a cena do estupro, que acho que foi a cena mais violenta do filme?
René – Duas coisas, vou falar como foi tecnicamente e depois o Fabrício fala. É uma cena muito difícil porque tem muita coisa ensaiada, várias posições de câmera e demos a volta, com a câmera em muitos ângulos. Contra o calor, contra o relógio, contra o cansaço. Foi difícil. Então, o Fabrício sofreu um pouco fisicamente, mas estava lá, em função da equipe.
Fabrício – Quer falar, Felipe?
Felipe – Assim, foi uma cena muito boa, boa de fazer (risos).
René – Não foi você, né? (risos)
Bianca – Bater é mais fácil. (risos)
Fabrício – É isso que René falou. É como um balé, uma coreografia. A gente estava muito ensaiado. Com a repetição, todo mundo já tinha feito trabalho de corpo. Mas, junto é que precisava funcionar, com câmera, equipe. Então, foi delicado de fazer. Agora, você tocou em uma coisa e para mim, não é a cena mais violenta do filme. Para mim, a cena mais violenta do filme é Jeremias de cima, provocando o João. Porque acho que isso está em uma violência, em um lugarzinho que só quem é negro entende. No dia a dia, no olhar, no pequeno comentariozinho e aquilo que a gente segura sempre. E para mim foi um avanço. Porque o Fabrício naquela situação, com certeza iria revidar. Mas, o João não, ele pode zerar a ignorância do outro. Isso para mim foi um aprendizado. Ele poderia cair para cima, mas ele pensa, “bicho, negro eu sou, macaco, todos nós somos. Vamos lá, próxima”. É isso, você não vai me tirar do meu eixo.
Bianca – Sem mais perguntas? Então, o filme chega aos cinemas em pré-estreia dia 29 de Faroeste Caboclo, em 20 salas no Brasil. E a estreia oficial é dia 30 de maio. Divulguem e assistam de novo, cinco vezes, no mínimo (risos).
Todos bastante empolgados com a obra, demonstraram que a expectativa com a bilheteria é a melhor possível. Segundo a produtora Bianca Felippes, a primeira pré-estreia na Livraria Cultura, por exemplo, deu 1.500 pessoas, quando a capacidade era de apenas 300. Tudo isso, provavelmente se deve pelo amor que a banda e a música ainda desperta nas pessoas. Ainda mais em um momento propício de resgate de Renato Russo e Legião Urbana que vem desde o documentário Rock Brasília, passando pelo filme Somos Tão Jovens e até o curta-metragem Parents, de Thales Corrêa , que participou do Festival de Cannes desse ano.
Aqui, os melhores momentos da coletiva, lembrando que as perguntas foram dos diversos veículos presentes, não apenas do CinePipocaCult. Vejam como foi.
Pergunta: A gente percebe que é o filme muito visual, pouca coisa explícita da letra como “tem bagulho bom aí”. O que é muito interessante. Queria apenas que você falasse um pouco sobre a preocupação com a adaptação da música.
René – Acho que quando a gente escolheu o recorte que a gente queria fazer, a gente chegou já no grande final e fez um recorte da história de amor. Tentou montar o filme adiantando a entrada da Ísis e do Felipe, respectivamente Maria Lucia e Jeremias, e a gente construiu o filme a partir desse recorte que fez. E buscou ser o mais cinematográfico e naturalista possível, tirando da música o que a gente achou que no filme soaria como excesso. Então, a gente trouxe tudo que achava visual e tudo que não era natural. As falas, por exemplo, que respeitam na música uma métrica, etc, a gente tentou adaptar de outra maneira, deixando o sentimento, a sensação, sendo fiel ao espírito, mas talvez não literal. Acho que isso é um caminho que a gente escolheu.
Pergunta: René, o João do Santo Cristo te escolheu, ou você escolheu ele?
René – Ah, a gente se escolheu junto. Queria muito fazer esse filme, desde que ouvia a música. Então, foi quando eu escolhi. Aí, acho que ele me escolheu quando conheci a Bianca (de Felippes - produtora) anos depois e ela disse, "você quer fazer um filme?" Eu disse, "quero fazer Faroeste Caboclo". Aí ela falou, "nossa, adoro Legião, vamos fazer junto". Aí ela foi atrás dos direitos. Então, acho que ele me escolheu de volta para fazer o filme.
Bianca – Tava na hora certa, no lugar certo. Um monte de gente já tinha tentado fazer. Em 2005 a gente teve a ideia, mas até ver a questão dos direitos, fechar tudo, ele só virou um projeto de fato em 2007.
René – Mas, a loucura desse filme é que no dia em que dissemos, vamos comprar os direitos já virou uma notícia e já tinha gente perguntando quando ia ficar pronto.
Bianca – Foram dois anos fazendo teste de elenco. Começando em 2009 e só fomos começar rodar em 2011. Viemos duas vezes em Salvador.
René – É, porque estamos buscando o personagem principal, queríamos que ele fosse baiano. Depois voltamos para buscar os meninos que fariam o João pequeno. E encontramos dois irmãos, gêmeos.
Bianca – Antonio Marco e Marco Antonio (risos). São gêmeos iguaizinhos.
René – Um luxo, né? Você trabalhar com duas crianças e gêmeas. Uma não está funcionando coloca a outra e está tudo certo (risos). Um tinha medo de pegar o calango, então, na hora de pegar o calango, era um, depois era o outro.
Pergunta: Tem uma geração que vai ser atingida fatalmente, por ter ouvido Legião, por fazer parte de sua história. Mas, qual a estratégia para atingir essa outra geração, que não viveu essa época? A utilização da internet tem essa função?
Bianca – Desde o começou a gente planejou o projeto inteiro com ações de internet. Teve uma parceria com o Yahoo, tinha um portal que acompanhou o processo, desde a escolha de locação, escolha de elenco. Já vimos que tinha um público jovem que estava sendo atingindo que não viveu essa época. Então, acho que a música, a Legião é uma coisa que se renova. Meu filho tem catorze anos e canta a música inteira. Jovens que curtem Legião.
Felipe – Acho que a música tem um apelo jovem, né? Fala a linguagem dessa época da vida, independente de quando você ouça.
René – Uma pesquisa de uma empresa que a gente contratou descobriu que 70% das pessoas que entraram para ver o vídeo, tinha entre 18 a 25 anos e a maioria era mulher. Mas, acho que o Renato e essa música tocam em uma coisa forte do brasileiro. É uma história do brasileiro que a gente conhece, independente da cor que a gente tenha, da situação financeira que a gente tenha, parece que reúne a gente, que é da nossa formação. É um espelho nosso.
Bianca – Todo mundo que entrou nesse filme, quis fazer esse filme. O Calloni se escalou para o filme.
Calloni – Eles estavam falando do apelo do filme. Tem uma coisa muito bacana que reúne os arquétipos em um mesmo lugar. É amor, ódio, sofrimento, dor, prazer. Isso é atemporal e tem um leque de alcance muito grande. Para todo tipo de público em qualquer circunstância. Tá tudo ali, uma tragédia forte. Eu acho que morte é uma coisa de muito mal gosto, que não existe (risos), mas, enfim, a princípio, é por aí.
Pergunta: Mas, é da geração de Legião?
Calloni – Sim, eu ouvia muito Legião. E meu filho começou a ouvir agora. É muito legal, essa música tem uma coisa muito fácil do gosto, algo imediato.
Bianca – Quando eu falei que estava produzindo o filme, Calloni me perguntou: "tem papel para mim?" Eu disse, "calma, não tem nem roteiro ainda" (risos). Aí ele disse, "olha, mas quando tiver roteiro me manda". Dei o roteiro e ele disse: "Eu quero fazer o Marco Aurélio". Aí eu falei para o René: "Olha, o Calloni quer fazer o Marco Aurélio". E ele: "Pô, claro!" (risos).
Pergunta: E por que você queria fazer o Marco Aurélio?
Calloni – Para brincar de Bang-Bang (risos). Isso é a versão oficial, agora a versão mais profunda, do personagem, da complexidade, não queria estar falando disso. (risos). Queria brincar, foi muito bom.
Pergunta: Como foi a preparação do Jeremias, porque na música ele é O vilão maniqueísta, mas no filme, tem um lado humano, uma carência. Como foi que você construiu isso.
Felipe – Foi um trabalho de encaixar o personagem em uma realidade, sair da fábula que começou a vir tudo. Onde ele tem que trabalhar, onde existe paixão, ciúmes, de uma cara que vem cheio de coisas que ele acha mais interessante. Tudo isso em uma busca de criar sensações de um garoto que pratica bullyng, mas que sofre de baixa autoestima. E como é que esse garoto pode usar isso de uma maneira violenta. Mas, onde está o momento de solidão dele? A gente pensou muito em fazer umas cenas assim, até filmou uma onde estava na piscina em uma boia, que acorda depois de um dia louco, cheio de pó e acorda com quem? Um casarão daquele e ninguém.
Calloni – E uma coisa muito bacana no filme, essa relação doentia, bem doentia do Marco Aurélio com o Jeremias, um humor violento que deu um colorido especial ao trabalho, foi sendo descoberto durante o trabalho, que foi bem bacana. Porque a função do personagem é essa, ser um policial corrupto mesmo.
Felipe – É, a gente foi pensando na relação do Jeremias, sem uma família, pai ausente. E que o Marco Aurélio iria suprir de certa forma essas funções. A gente foi imaginando isso, foi bem bacana.
René – Como é um personagem que tem poucas cenas e não é multidimensional, ele tem poucas dimensões, acho que tem uma personalidade que o Calloni emprestou para o personagem. Não só ele como o Marcos Paulo, o (Flávio) Bauraqui, personagens que tem um tempo menor de tela, todos eles tem um propósito bacana que não dá para explicar, uma certa magia que vem dos atores.
Pergunta: E essa magia tem a ver também com o personagem do Fabrício, por causa da morte do pai?
René – Sim, claro. O pai que foi morto por um policial e a figura desse carrasco retorna.
Pergunta: Por que tinha que ser um baiano para interpretar o João de Santo Cristo?
René– Pelas indicações da música. Ele sai de uma cidade no interior, a fictícia Santo Cristo e vai para Salvador. Então, eu achei que o mais lógico seria que ele seria um baiano. Claro, poderia ser outro nordestino das proximidades. Mas, eu acho que não teria uma representação cultural tão forte. Eu preferia um baiano, e dei a sorte de encontrar o Fabrício.
Pergunta: O Calloni falou em brincar de bang bang. O título já avisa que é um faroeste. E o gênero me lembra logo a questão de mocinho e bandido. Mas, o João não é exatamente um mocinho, ele mata, ele vende drogas. Você classificaria ele como o mocinho?
René – Eu acho que a gente busca o mocinho nele, mas não tem só mocinho nesse filme, como também não tem só bandido. Todos os personagens transitam ali, evitando a convenção de bandido e mocinho, onde você pode encontrar a mocinha que é maconheira, o bandido que também tem lado humano, um garoto cheio de problemas. Então, a gente revisita as teorias de bandido e mocinho.
Fabrício - Fala um pouco da geração de Brasília dos anos 80, a chamada Geração Perdida. Essa mesma geração que vai queimar índios depois, mas que também tem um lado cultural que nos deu pessoas como o Renato Russo. A própria Brasília, a gente vê as mazelas, mas ver o céu, a beleza.
Calloni – Eu acho a forma como é apresentada Brasília no filme, genial. Não é uma coisa didática, é do detalhe que você identifica, com uma outra leitura do lugar, muito mais interessante.
Pergunta: Na música, os personagens citados são apenas insinuações, que deu bastante margem para criação de back ground, humanização como falaram do Jeremias. Mas, o João do Santo Cristo, não. Ele é a música, e está detalhado, inclusive de maneira conflitante. Treinava para ser bandido desde criança, mas queria ajudar as pessoas que só faziam sofrer. Como você vê esse personagem e como foi a construção do seu João de Santo Cristo?
Fabrício – Eu pensei que é uma história não maniqueísta. Não tem bonzinho, nem mauzinho nessa história. E acho que como todo mundo tinha essa expectativa também, que vem desse imaginário, a ideia era fazer um filme onde as pessoas se identificassem, mas com um certo distanciamento. Que não fosse um mito de herói clássico, que tem os elementos de uma tragédia, amor, ódio, mas que fosse um herói com um certo distanciamento e não houvesse a catarse. Você assistiria o filme, sofreria com o herói, choraria ali e depois poder sair para comer uma pizza, porque foi tudo resolvido ali no cinema. Acho que são questões que precisam dialogar com as pessoas. A ideia é fazer um filme sem maniqueísmo, que tivesse um distanciamento brechtiano que a gente conhece. Você vê o herói passando pelas situações e você se coloca nessas situações. Porque se desde o início já é apontado que ele é um vilão, qualquer ação que seja de uma certa bondade você se pergunta como se colocaria. Esse foi o jogo primeiro. De como criar um diálogo também com a mente, fazer com que as pessoas reflitam sobre a história da música e também sobre as suas construções. É a discussão do momento, Feliciano está aí querendo acabar com os negros, acabar com os gays. Então, falando disso, de respeito às diferenças. Queria não apenas que vocês vivessem e se emocionassem com isso, mas pensassem sobre isso. Poderia, por exemplo, acontecer de Jeremias, João e Maria Lucia viverem esse amor a três, super moderno. (risos). Ou dividindo a boca, por exemplo. Mas, o que faz a gente repensar isso e lidar com as diferenças do outro? A Maria Lucia atravessa isso, né? Ela consegue se encontrar com João e entender o que tem nele que fala nela e onde eles podem se afinar. Ela consegue olhar nos olhos dele e ver não apenas um cara que está na janela, mas também um outro cara. Consegue atravessar o pré-conceito. E acho que o filme consegue nos fazer passar por esses passos.
Pergunta: Antonio Calloni, como foi a construção do seu personagem para Faroeste Caboclo, você utiliza também coisas de outros personagens que já fez? Queria que você falasse um pouco sobre isso.
Calloni – É, a gente tem todas as possibilidades. A gente vai escolhendo. Eu escolhi não ser mau, por exemplo, na minha vida. Eu gosto de ser bom. Então, a gente vai escolhendo, puxando as coisas que a gente tem dentro da gente. Nada que é humano é estranho. Então, um cara mau, um cara bom, o cara engraçado, o cara que tem medo, são familiares a gente. Para qualquer um. Agora, para a construção específica do Marco Aurélio, tive ajuda do Departamento de polícia de Brasília, conversei bastante com sobre a realidade local. Agora, esse personagem é um policial corrupto que pega as drogas e dá para o Jeremias vender. É isso o personagem. Então, eu tive que humanizar esse personagem que é assim, não tem uma história prévia. Como humanizar isso? Na relação com os outros personagens, com o Jeremias. E esse personagem é muito fácil de ser reconhecido, já vimos um milhão de Marcos Aurélios por aí. Corrupção é uma coisa que existe em todos os setores. Então, a dificuldade de fazer um personagem é igual, qualquer que seja o personagem. Isso falo com todo a sinceridade. Mas, é prazeroso. O trabalho de ser ator é muito bom.
René – Ele diz isso, mas, por exemplo, na cena da morte dele, o João diria para ele se ajoelhar para depois o matar. Repetindo a morte do pai dele. Mas, aí o Calloni me disse, René, eu queria mudar uma coisa, porque eu acho que esse cara não devia ajoelhar. É um cara que já sabe que vai morrer.
Calloni – Já que vai morrer, mata logo. (risos)
René – Então, acho que ele deve xingar o cara e aí, vai morrer. Aí ele inventou isso e foi ótimo. Não tinha nada disso no roteiro, mas vem da contribuição do ator que constrói seu personagem, faz seu dever de casa e traz isso para o filme. E aí, fica muito mais legal do que o imaginado antes.
Calloni – Mas, isso parte também de uma relação que falei durante o filme. Porque o Fabrício deixou o jornal cair na cena, onde não tinha isso, e nem me avisou.
Fabrício – Mas, eu deixei cair porque você já vinha me provocando (risos)
Calloni – E tem que ser, né? É assim que é o processo.
Pergunta: Como foi fazer a cena do estupro, que acho que foi a cena mais violenta do filme?
René – Duas coisas, vou falar como foi tecnicamente e depois o Fabrício fala. É uma cena muito difícil porque tem muita coisa ensaiada, várias posições de câmera e demos a volta, com a câmera em muitos ângulos. Contra o calor, contra o relógio, contra o cansaço. Foi difícil. Então, o Fabrício sofreu um pouco fisicamente, mas estava lá, em função da equipe.
Fabrício – Quer falar, Felipe?
Felipe – Assim, foi uma cena muito boa, boa de fazer (risos).
René – Não foi você, né? (risos)
Bianca – Bater é mais fácil. (risos)
Fabrício – É isso que René falou. É como um balé, uma coreografia. A gente estava muito ensaiado. Com a repetição, todo mundo já tinha feito trabalho de corpo. Mas, junto é que precisava funcionar, com câmera, equipe. Então, foi delicado de fazer. Agora, você tocou em uma coisa e para mim, não é a cena mais violenta do filme. Para mim, a cena mais violenta do filme é Jeremias de cima, provocando o João. Porque acho que isso está em uma violência, em um lugarzinho que só quem é negro entende. No dia a dia, no olhar, no pequeno comentariozinho e aquilo que a gente segura sempre. E para mim foi um avanço. Porque o Fabrício naquela situação, com certeza iria revidar. Mas, o João não, ele pode zerar a ignorância do outro. Isso para mim foi um aprendizado. Ele poderia cair para cima, mas ele pensa, “bicho, negro eu sou, macaco, todos nós somos. Vamos lá, próxima”. É isso, você não vai me tirar do meu eixo.
Bianca – Sem mais perguntas? Então, o filme chega aos cinemas em pré-estreia dia 29 de Faroeste Caboclo, em 20 salas no Brasil. E a estreia oficial é dia 30 de maio. Divulguem e assistam de novo, cinco vezes, no mínimo (risos).
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Faroeste Caboclo - Entrevista Coletiva
2013-05-29T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
Antônio Calloni|cinema brasileiro|drama|entrevista|Fabrício Boliveira|Felipe Abib|Rene Sampaio|
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