Como homenageado da 5ª Edição do Festival In-Edit Brasil, Dick Fontaine teve sessões especiais com seus principais filmes. Pudemos acompanhar uma sessão dupla sobre sua maior paixão: o Jazz. E é interessante como os dois filmes se complementam de alguma forma.
Betty Carter: New All The Time (1994)
No curta-metragem sobre Betty Carter, Dick Fontaine nos mostra a paixão da cantora e a professora por sua música e por seus "alunos". A forma como ela conduz cada encontro, o seu carisma, sua capacidade de experimentação é cativante. E nos ajuda a identificar a própria essência do Jazz. O improviso, a brincadeira, mas tudo com embasamento, com noção perfeita de música.O documentário intercala cenas na sala de aula com o palco, nos envolvendo no processo em um ritmo interessante. A montagem é fluida, sem cortes bruscos, tudo parece se encaixar perfeitamente, como se uma cena esperasse pela outra. Mesmo quem não gosta ou conhece muito sobre o Jazz acaba se envolvendo e entendendo a paixão daquela mulher.
Art Blakey - The Jazz Messenger (1987)
Já o longa-metragem sobre Art Blakey vai além da paixão inicial e da improvisação e nos mostra o Jazz como um estilo de vida. Uma escolha maior. O músico chega a declarar em um momento que vive para o palco, quando não mais puder estar ali, é porque morreu.O filme nos mostra um lendário baterista com as diversas formações do The Jazz Messengers, mostrando que sua principal "luta" é para que o Jazz nunca morra. "Jazz é sentimento, sabemos o que estamos fazendo". Segundo o músico, a principal intenção era que o melhor Jazz não morresse.
Há uma reflexão interessante no documentário sobre o Jazz ser a única música americana e que os demais ritmos teriam vindo de outros países. Porém, como é uma música essencialmente negra, acaba gerando problemas. Faz parte da cultura norte-americana e não pode ser escondida.
Acompanhamos os diversos depoimentos e apresentações musicais conhecendo um pouco mais da história da música, dos músicos e, principalmente, de Art Blakey. A música permeia e envolve o filme, ainda que a repetição da fórmula o torne um pouco cansativo. Pois, não há um roteiro tão cadenciado que nos faça acompanhar uma história tão clara.
Ainda assim, o personagem é fascinante, sua paixão pela música, seu exemplo, a inspiração que desperta em músicos mais jovens, mesmo seu lado duro, como quando dá uma bronca em um dos músicos, é admirável. A montagem, assim como no filme de Betty Carter é bastante feliz, nos dando essa sensação de estar tudo no lugar certo. Uma verdadeira declaração de amor ao Jazz, ritmo que o diretor já assumiu ser o seu preferido.
Jards
(Eryk Rocha, 2012)Se você está procurando um documentário convencional, esqueça. Jards é um registro poético de um momento único: o processo de criação artístico. Eryk Rocha leva ao pé da letra os princípios do cinema direto e fica como uma mosca na parede do estúdio de Jards Macalé enquanto este prepara o seu disco de comemoração dos seus 70 anos.
A alusão ao cinema direto, na verdade, é apenas para reforçar que a câmera não interfere diretamente no ambiente. Deixando que o processo corra enquanto ela apenas registra o momento. Mas, Eryk Rocha, na realidade, vai além. Sua câmera cria significados ao unir elementos distintos, desfocar imagens em alguns momentos, estourar a luz em outros e também na aproximação excessiva em cenas específicas como um zoom in na orelha de Jards.
Há no documentário muitas imagens sensoriais, principalmente para abrir e fechar o processo, que por sinal, acontece no mar nos dando sensações diversas. A observação nos deixa imersos na rotina do artista enquanto este compõe, discute arranjos, prepara as bases e grava as músicas. Um ponto importante é que as músicas são cantadas na íntegra, coisa rara mesmo em documentários musicais. E as participações dão um toque especial ao processo como Luiz Melodia, Frejat, Adriana Calcanhoto e Ava Rocha.
Além de belo e intenso, o documentário Jards acaba despertando nossa curiosidade para além daquelas imagens. Muito pouco é dito, quase nada é informado, perguntas inevitáveis surgem em nossa mente. Em relação ao artístico, ao processo, ao disco, às participações. Mas, isso, teremos que buscar, o que não é necessariamente um erro. O objetivo do filme é claro. Registrar o processo de criação de maneira criativa e poética. E com isso, ainda inclui conexões com o passado do artista através de imagens de arquivo que surgem de vez em quando. Ainda que as imagens do passado não fiquem tão claras a princípio, é possível fazer essas ligações, até porque o álbum é em homenagem aos seus setenta anos.
No final, fica uma obra inventiva, envolvente e bela, que nos leva a buscar mais sobre o artista, o disco e todo aquele universo apresentado em 93 minutos.
Sing Your Song - Harry Belafonte
(Susanne Rostock, 2012)Você pode não saber quem é Harry Belafonte, mas possivelmente já ouviu alguns acordes de "The Banana Boat Song". Mas, o filme não é sobre esse sucesso, esta é uma música que quase não aparece no documentário, por sinal. Sing your song é sobre esse homem e sua luta pela igualdade racial e pela justiça no mundo.
É interessante que a trajetória de Harry Belafonte tenha um ponto em comum com outra personagem já vista no In-Edit, Miriam Makeba. Ambos são negros, ativistas e importantes na história de luta de seus países. Tanto que, em determinado momento, a história dos dois se cruza e eles gravam um disco só com músicas africanas em dialetos originais. Porém, ambos acabaram conhecidos por músicas de letras simples e dançantes. Ele por pelo tema já citado, ela por Pata Pata.
Mas, este é apenas um adendo que chamou a atenção durante a projeção. O filme de Susanne Rostock não é criativo, nem mesmo busca uma linguagem inovadora. É um documentário muito próximo da linguagem televisiva, com informações cadenciadas em um roteiro linear. Porém, cumpre a função principal de nos apresentar a vida e a luta desse homem incrível.
Um artista que começou quase por acaso, quando ganhou por pagamento de um trabalho um ingresso para o teatro. Se apaixonou por aquilo e logo fazia parte do grupo como ator. De ator para cantor foi uma consequência, assim como o convite para a Broadway, depois Hollywood e a televisão. Porém, todo o sucesso não impediu o preconceito racial. Mas, ele nunca se deixou abater por isso.
Quando estava em Las Vegas mesmo, "se atreveu" a ir à piscina do hotel e acabou tirando fotos e dando autógrafos em vez de ser expulso do "espaço de brancos". Sempre buscou apresentar a miscigenação e teve filmes e programas televisivos proibidos. Nessa luta inicial por se impor, acabou conhecendo Martin Luther King e se engajou de vez no movimento pela igualdade racial para nunca mais parar.
Harry Belafonte visitou a África diversas vezes, ajudou a organizar manifestações pacificas nos Estados Unidos, esteve à frente do movimento USA for Africa, que ficou famoso pelo "We Are The World", protestou contra a guerra no Haiti, no Iraque e mesmo quando os negros pareciam estar inseridos na sociedade norte-americana continuou atento em sua luta de conscientização e educação. Tanto que até hoje está em busca de formas de melhorar o mundo onde vive.
Um exemplo, sem dúvidas. E por isso Sing Your Song se torna um filme importante. Não pelo formato que, como já foi dito, é formal ao extremo, mas pelo assunto que retrata de uma maneira tão intensa.