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Juliana Carvalho
Petrus Cariry
Zezita Matos
Mãe e Filha
Mãe e Filha
Grande vencedor do Cine Ceará de 2011, onde levou cinco prêmios, inclusive melhor filme e roteiro, Mãe e Filha foi ainda contemplado no Festival do Rio e Festival de Cuiabá com os prêmios de melhor fotografia. Sua estrutura porém, acaba assustando boa parte do público.
De fato, se fosse um curta-metragem, poderia ser mais palatável. Porém, os oitenta minutos construídos por Petrus Cariry não deixa de ser uma viagem imagética e simbólica extremamente prazerosa aos que se deixaram fazer conexões. Sem isso, fica mesmo uma história estranha no fim do mundo. Ou melhor, na cidade fantasma de Cococi no vale do Inhamuns no Ceará. Quando uma filha retorna depois de anos distante para a casa onde a mãe vive sozinha, levando com ela um filho morto para a genitora abençoar e com isso, enterrar. Mas, a genitora não deixará que isso aconteça tão facilmente.
A interpretação mais rasa e simples, nos mostra essa mãe, arcaica, solitária e quase enlouquecida, contrastando com essa filha prática e quase insensível, já que consegue carregar um filho morto sem maiores problemas emocionais. Tem a questão da pobreza, do abandono, das ruínas daquela cidade. E dessa negação da avó em querer enterrar o neto, ou melhor, que sequer admite que ele está morto. Ninando-o e conversando sobre o seu futuro. Enquanto essa mãe, aparentemente prática, vai deixando a vida correr, sem uma atitude mais enérgica em relação à demora do ato.
Mas, Petrus Cariry nos dá alguns indícios de que sua história não pode ser vista apenas com esses olhos práticos. O simbolismo permeia toda a trama, envolvendo religião, os conceitos de Deus, de Jesus Cristo e dos caminhos da humanidade. Um filho morto que a avó insiste em tratar como vivo. Essa mesma avó que vive em uma cidade fantasma, onde apenas ruínas a cercam e que, de certa maneira, assumiu o papel de tudo. Não por acaso, ela leva o neto Antonio até o que restou da igreja local e o batiza com os dizeres "pelo poder por mim investido". Essa mesma senhora, que se tornou a própria Igreja Católica, ao ser questionada pela filha se acredita em Deus, pergunta "Que Deus?". E em outro momento diz que não acredita que o marido "desencarnou".
Mais contundente ainda é a presença dos quatro "vaqueiros do apocalipse", que surgem pela primeira vez, exatamente após o batismo do Antonio Neto morto. Ventos e uma trilha pomposa os deixam em tela de uma maneira poderosa. E eles passam apenas a espreitar a humanidade, ou melhor, a jovem Maria de Fátima em sua jornada de tentar enterrar o filho morto. Em nenhum momento, parecem de fato uma ameaça, ou têm alguma atitude agressiva. Nem mesmo quando Fátima se liberta e vai de encontro a eles.
Mãe e Filha seria, então, quase que uma jornada interna de valores arcaicos e necessidade de progresso. Da forma como, a cada passo que damos em evolução, nos afastássemos da religião e dos símbolos que nos ligam a Deus. Mas, não da verdadeira essência de Deus, e sim, do Deus apresentado por essa religião, um Deus que já está morto, tal qual Antonio Neto. A busca de Fátima a leva a um Deus interno que não a prende, e sim, liberta de pecados, culpas e sofrimento.
Claro, que essa é apenas uma das possíveis interpretações que o filme nos apresenta. Mas, qualquer que seja a simbologia, nos dá um norte do que Petrus Cariry constrói, que vai além do simplesmente visto. Ainda que esse visto já seja belo e repleto de prazer estético. A fotografia tão premiada é precisa não apenas por beleza, mas pelos enquadramentos construídos em cada plano contemplado que enriquece as interpretações. A velocidade das imagens é outro ponto a ser notado, já que Petrus utiliza o slow motion em diversos momentos, inclusive em uma cena onde um lado da janela está em uma velocidade (com Fátima saindo) e o outro, em uma rotação mais lenta (onde um boi passa). Toda a narrativa é lenta, contrastando com a sequência final que acelera e nos dá o estranhamento necessário para deixar a resolução ainda mais impactante.
Com quase nenhum diálogo, poucas explicações e muitas possibilidades, Mãe e Filha é daqueles filmes feitos para quem embarca no universo simbólico e interpretativo. Não esperem uma trama padrão, com começo, meio e fim bem definidos que nos conduzem em sua narrativa sem precisar de muito esforço nosso para acompanhar. O filme de Petrus Cariry quer a nossa participação ativa, construindo, com os elementos que ele nos oferece, a nossa própria história.
Mãe e Filha (Mãe e Filha, 2011 / Brasil)
Direção: Petrus Cariry
Roteiro: Petrus Cariry, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda
Com: Juliana Carvalho, Zezita Matos
Duração: 80 min.
De fato, se fosse um curta-metragem, poderia ser mais palatável. Porém, os oitenta minutos construídos por Petrus Cariry não deixa de ser uma viagem imagética e simbólica extremamente prazerosa aos que se deixaram fazer conexões. Sem isso, fica mesmo uma história estranha no fim do mundo. Ou melhor, na cidade fantasma de Cococi no vale do Inhamuns no Ceará. Quando uma filha retorna depois de anos distante para a casa onde a mãe vive sozinha, levando com ela um filho morto para a genitora abençoar e com isso, enterrar. Mas, a genitora não deixará que isso aconteça tão facilmente.
A interpretação mais rasa e simples, nos mostra essa mãe, arcaica, solitária e quase enlouquecida, contrastando com essa filha prática e quase insensível, já que consegue carregar um filho morto sem maiores problemas emocionais. Tem a questão da pobreza, do abandono, das ruínas daquela cidade. E dessa negação da avó em querer enterrar o neto, ou melhor, que sequer admite que ele está morto. Ninando-o e conversando sobre o seu futuro. Enquanto essa mãe, aparentemente prática, vai deixando a vida correr, sem uma atitude mais enérgica em relação à demora do ato.
Mas, Petrus Cariry nos dá alguns indícios de que sua história não pode ser vista apenas com esses olhos práticos. O simbolismo permeia toda a trama, envolvendo religião, os conceitos de Deus, de Jesus Cristo e dos caminhos da humanidade. Um filho morto que a avó insiste em tratar como vivo. Essa mesma avó que vive em uma cidade fantasma, onde apenas ruínas a cercam e que, de certa maneira, assumiu o papel de tudo. Não por acaso, ela leva o neto Antonio até o que restou da igreja local e o batiza com os dizeres "pelo poder por mim investido". Essa mesma senhora, que se tornou a própria Igreja Católica, ao ser questionada pela filha se acredita em Deus, pergunta "Que Deus?". E em outro momento diz que não acredita que o marido "desencarnou".
Mais contundente ainda é a presença dos quatro "vaqueiros do apocalipse", que surgem pela primeira vez, exatamente após o batismo do Antonio Neto morto. Ventos e uma trilha pomposa os deixam em tela de uma maneira poderosa. E eles passam apenas a espreitar a humanidade, ou melhor, a jovem Maria de Fátima em sua jornada de tentar enterrar o filho morto. Em nenhum momento, parecem de fato uma ameaça, ou têm alguma atitude agressiva. Nem mesmo quando Fátima se liberta e vai de encontro a eles.
Mãe e Filha seria, então, quase que uma jornada interna de valores arcaicos e necessidade de progresso. Da forma como, a cada passo que damos em evolução, nos afastássemos da religião e dos símbolos que nos ligam a Deus. Mas, não da verdadeira essência de Deus, e sim, do Deus apresentado por essa religião, um Deus que já está morto, tal qual Antonio Neto. A busca de Fátima a leva a um Deus interno que não a prende, e sim, liberta de pecados, culpas e sofrimento.
Claro, que essa é apenas uma das possíveis interpretações que o filme nos apresenta. Mas, qualquer que seja a simbologia, nos dá um norte do que Petrus Cariry constrói, que vai além do simplesmente visto. Ainda que esse visto já seja belo e repleto de prazer estético. A fotografia tão premiada é precisa não apenas por beleza, mas pelos enquadramentos construídos em cada plano contemplado que enriquece as interpretações. A velocidade das imagens é outro ponto a ser notado, já que Petrus utiliza o slow motion em diversos momentos, inclusive em uma cena onde um lado da janela está em uma velocidade (com Fátima saindo) e o outro, em uma rotação mais lenta (onde um boi passa). Toda a narrativa é lenta, contrastando com a sequência final que acelera e nos dá o estranhamento necessário para deixar a resolução ainda mais impactante.
Com quase nenhum diálogo, poucas explicações e muitas possibilidades, Mãe e Filha é daqueles filmes feitos para quem embarca no universo simbólico e interpretativo. Não esperem uma trama padrão, com começo, meio e fim bem definidos que nos conduzem em sua narrativa sem precisar de muito esforço nosso para acompanhar. O filme de Petrus Cariry quer a nossa participação ativa, construindo, com os elementos que ele nos oferece, a nossa própria história.
Mãe e Filha (Mãe e Filha, 2011 / Brasil)
Direção: Petrus Cariry
Roteiro: Petrus Cariry, Rosemberg Cariry e Firmino Holanda
Com: Juliana Carvalho, Zezita Matos
Duração: 80 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Mãe e Filha
2013-05-07T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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