Tempos Modernos
Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador. Sem desmerecer os operários de Chicago que começaram uma greve no ano de 1886, quero trazer aqui um filme que representa bem essa luta do trabalhador pós-revolução industrial. Já falei sobre ele em outro primeiro de maio, mas apenas analisando uma cena, agora quero falar dele inteiro. Pois, nesse mundo em constante transformação, onde tecnologia, cada vez mais, dita as regras de convivência e o stress toma conta de nosso dia-a-dia, ele continua atual.
Tempos Modernos, filme de Charles Chaplin lançado em 1936 trata exatamente desse tema. Seu personagem Vagabundo, o Carlitos, é um operário de uma fábrica que entra em colapso após o esforço repetitivo de seu trabalho. Sua jornada é de vais-e-vens constantes na trama. Primeiro, ele é internado em um hospício (por causa do colapso), quando sai encontra a fábrica fechada e é confundido com um líder comunista, indo parar na cadeia. Ao ao ser liberado, quer continuar preso e começa a fazer de tudo para isso. É quando seu destino se cruza com o de uma jovem órfã fugitiva, os dois acabam se envolvendo, ela vira bailarina, ele garçom, mas reviravoltas em suas vidas não tinham ainda terminado.
Esta é uma obra repleta de pontos inesquecíveis, a começar pela abertura da trama. Se valendo da montagem construtiva apresentando ovelhas no pasto e fundindo essa imagem com operários entrando na fábrica para tirar o significado de que aqueles operários são como ovelhas sendo tangidas, sem raciocinar. Mas, no meio das ovelhas brancas, existe uma ovelha negra. Esta, seria Chaplin, o transgressor que iria tentar mudar tudo com seus questionamentos.
Interessante perceber que o gerente da fábrica é uma espécie de Big Brother com uma tela em seu escritório onde pode observar todos os pontos do local. Mas, logo somos apresentados ao personagem de Chaplin em sua função repetitiva de apertar parafusos. A forma como ele sai do turno dele repetindo ainda o "tique" do movimento já é um indício claro do problema. Assim como, claro, ele será a cobaia do novo invento: a máquina de almoço. Outra cena que ficou na história pela forma como Chaplin interpreta o desespero de estar "almoçando" no ritmo da máquina.
Mas, o grande momento da primeira parte é mesmo quando Chaplin, já em parafusos, entra literalmente na máquina em que trabalhava, dando a noção imagética da tecnologia engolindo o homem. Ele deslizando por entre as engrenagens da máquina é um dos momentos mais lembrados e reproduzidos desta obra. É de se admirar a interpretação de Chaplin em sua crise nervosa, os gestos, as expressões faciais, tudo extremamente bem realizado.
Interessante que a primeira vez em que vemos O Vagabundo em sua vestimenta de chapéu coco, bengala e roupa preta é quando sai do hospício. Talvez para reforçar a legenda que nos apresenta que ele sai de lá completamente curado da crise e desempregado. Mal sai e já se complica. Andando pela rua vê uma bandeira vermelha caindo de um caminhão, ele pega e sai correndo para avisar. Mas, por "coincidência", vinha atrás dele uma passeata comunista e ele é preso. Mas adora a prisão, pois tem onde dormir e o que comer. Por isso, sua eterna vontade de voltar para lá. Vale destacar que apesar do filme ser preto e branco, a gente supõe que a bandeira seja vermelha pela habilidade de Chaplin que construir a narrativa, afinal essa é a cor de "atenção" normalmente usada em carros que ultrapassam o seu tamanho com alguma carga, nesse caso, madeira.
A história da órfã vivida por Paulette Goddard nos é apresentada enquanto Carlitos está na prisão. Com duas irmãs menores e um pai desempregado, ela faz pequenos roubos para conseguir alimento para a família, mas logo é procurada pela polícia. Assim como o Vagabundo é liberado assim que percebe-se o engano. É interessante como a trajetória dos dois vai correndo em paralelo de maneira antagônica. Ela fugindo da polícia e ele fazendo que tudo para a polícia pegá-lo e levá-lo novamente para a prisão.
Apesar de já ter alguns recursos de som direto, Tempos Modernos é em sua maior parte um filme mudo. Por isso, a interpretação de Chaplin e Paulette Goddard são peças fundamentais para o envolvimento do público. E ambos consegue realizar isso de maneira perfeita. O encontro e a química dos dois nos envolve e torcemos para que ambos se saiam bem. A cena dos dois no casebre, por exemplo, é um ótimo momento. Porém, ainda assim, um outro momento marcante do filme acaba sendo sonoro.
Quanto ela vai trabalhar como dançarina em um restaurante, e ele como garçom, Chaplin acaba se reservando um momento musical bastante divertido e, claro, crítico. Música composta por ele próprio, é cantada em uma língua inventada, com o intuito de demonstrar que a fala não é mesmo necessária para a comunicação. Uma resistência clara do artista aos filmes falados. E ele dançando com aquelas caras e bocas é engraçadíssimo.
Tempos Modernos é isso, um manifesto, uma crítica, uma tentativa de resistência. Como explicita os dizeres iniciais da trama "Tempos Modernos, uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade". Impressionante que 77 anos depois, ainda estamos repetindo mais ou menos a mesma coisa. De qualquer maneira, Feliz Dia do Trabalho.
Tempos Modernos (Modern Times, 1936 / EUA)
Direção: Charles Chaplin
Roteiro: Charles Chaplin
Com: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman
Duração: 87 min.
Tempos Modernos, filme de Charles Chaplin lançado em 1936 trata exatamente desse tema. Seu personagem Vagabundo, o Carlitos, é um operário de uma fábrica que entra em colapso após o esforço repetitivo de seu trabalho. Sua jornada é de vais-e-vens constantes na trama. Primeiro, ele é internado em um hospício (por causa do colapso), quando sai encontra a fábrica fechada e é confundido com um líder comunista, indo parar na cadeia. Ao ao ser liberado, quer continuar preso e começa a fazer de tudo para isso. É quando seu destino se cruza com o de uma jovem órfã fugitiva, os dois acabam se envolvendo, ela vira bailarina, ele garçom, mas reviravoltas em suas vidas não tinham ainda terminado.
Esta é uma obra repleta de pontos inesquecíveis, a começar pela abertura da trama. Se valendo da montagem construtiva apresentando ovelhas no pasto e fundindo essa imagem com operários entrando na fábrica para tirar o significado de que aqueles operários são como ovelhas sendo tangidas, sem raciocinar. Mas, no meio das ovelhas brancas, existe uma ovelha negra. Esta, seria Chaplin, o transgressor que iria tentar mudar tudo com seus questionamentos.
Interessante perceber que o gerente da fábrica é uma espécie de Big Brother com uma tela em seu escritório onde pode observar todos os pontos do local. Mas, logo somos apresentados ao personagem de Chaplin em sua função repetitiva de apertar parafusos. A forma como ele sai do turno dele repetindo ainda o "tique" do movimento já é um indício claro do problema. Assim como, claro, ele será a cobaia do novo invento: a máquina de almoço. Outra cena que ficou na história pela forma como Chaplin interpreta o desespero de estar "almoçando" no ritmo da máquina.
Mas, o grande momento da primeira parte é mesmo quando Chaplin, já em parafusos, entra literalmente na máquina em que trabalhava, dando a noção imagética da tecnologia engolindo o homem. Ele deslizando por entre as engrenagens da máquina é um dos momentos mais lembrados e reproduzidos desta obra. É de se admirar a interpretação de Chaplin em sua crise nervosa, os gestos, as expressões faciais, tudo extremamente bem realizado.
Interessante que a primeira vez em que vemos O Vagabundo em sua vestimenta de chapéu coco, bengala e roupa preta é quando sai do hospício. Talvez para reforçar a legenda que nos apresenta que ele sai de lá completamente curado da crise e desempregado. Mal sai e já se complica. Andando pela rua vê uma bandeira vermelha caindo de um caminhão, ele pega e sai correndo para avisar. Mas, por "coincidência", vinha atrás dele uma passeata comunista e ele é preso. Mas adora a prisão, pois tem onde dormir e o que comer. Por isso, sua eterna vontade de voltar para lá. Vale destacar que apesar do filme ser preto e branco, a gente supõe que a bandeira seja vermelha pela habilidade de Chaplin que construir a narrativa, afinal essa é a cor de "atenção" normalmente usada em carros que ultrapassam o seu tamanho com alguma carga, nesse caso, madeira.
A história da órfã vivida por Paulette Goddard nos é apresentada enquanto Carlitos está na prisão. Com duas irmãs menores e um pai desempregado, ela faz pequenos roubos para conseguir alimento para a família, mas logo é procurada pela polícia. Assim como o Vagabundo é liberado assim que percebe-se o engano. É interessante como a trajetória dos dois vai correndo em paralelo de maneira antagônica. Ela fugindo da polícia e ele fazendo que tudo para a polícia pegá-lo e levá-lo novamente para a prisão.
Apesar de já ter alguns recursos de som direto, Tempos Modernos é em sua maior parte um filme mudo. Por isso, a interpretação de Chaplin e Paulette Goddard são peças fundamentais para o envolvimento do público. E ambos consegue realizar isso de maneira perfeita. O encontro e a química dos dois nos envolve e torcemos para que ambos se saiam bem. A cena dos dois no casebre, por exemplo, é um ótimo momento. Porém, ainda assim, um outro momento marcante do filme acaba sendo sonoro.
Quanto ela vai trabalhar como dançarina em um restaurante, e ele como garçom, Chaplin acaba se reservando um momento musical bastante divertido e, claro, crítico. Música composta por ele próprio, é cantada em uma língua inventada, com o intuito de demonstrar que a fala não é mesmo necessária para a comunicação. Uma resistência clara do artista aos filmes falados. E ele dançando com aquelas caras e bocas é engraçadíssimo.
Tempos Modernos é isso, um manifesto, uma crítica, uma tentativa de resistência. Como explicita os dizeres iniciais da trama "Tempos Modernos, uma história sobre a indústria, a iniciativa privada e a humanidade em busca da felicidade". Impressionante que 77 anos depois, ainda estamos repetindo mais ou menos a mesma coisa. De qualquer maneira, Feliz Dia do Trabalho.
Tempos Modernos (Modern Times, 1936 / EUA)
Direção: Charles Chaplin
Roteiro: Charles Chaplin
Com: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman
Duração: 87 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Tempos Modernos
2013-05-01T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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