Antes da Meia-Noite
Não foi pensado assim desde o início. Richard Linklater não pensou em uma trilogia quando escreveu Antes do Amanhecer. Mas, também nunca abandonou completamente o casal. Tanto que eles fazem uma participação especial em outro filme do diretor / roteirista, Waking Life. E nove anos depois, surgiu o segundo filme. E agora que surge o terceiro, também com nove anos de distância do anterior, percebemos o quão perfeita ficou a trilogia.
Como três grandes atos de um drama amoroso, os três filmes funcionam como um único. Antes do Amanhecer é o primeiro ato, a apresentação dos personagens, a ambientação da história que iremos acompanhar. O final é uma espécie de ponto de ataque: "daqui a seis meses nos encontramos no mesmo lugar". Antes do Pôr-do-Sol é o segundo ato, o desenvolvimento daquele desafio. Eles se encontraram? Eles estão juntos? Eles vão em frente? E terminamos com um grande clímax da declaração de amor. Chega, então, Antes da Meia-Noite, o terceiro ato, a resolução. E agora?
Antes de tudo, esse terceiro filme é muito corajoso. Ele nos mostra aquilo que nenhum filme romântico ousa nos apresentar: o que acontece depois do "e foram felizes para sempre". Mas, também a trilogia de Richard Linklater nunca foi uma história de amor comum. Realista, filosófica, complexa, sempre baseada em diálogos profundos que nos fazem embarcar nas elucubrações mentais de seus personagens. Na química de Jesse e Celine, claro. Mas, principalmente em suas capacidades de dialogar. Acompanhamos um dia daquele casal como se acompanhássemos alguém muito próximo. Ou nós mesmos.
E o mais interessante desses três filmes com saltos temporais tão demarcados, é que podemos acompanhar a evolução e o amadurecimento de cada um deles. O próprio roteiro, os diálogos são construídos dessa forma. O sonho ingênuo de dois jovens no início da vida, cheio de esperanças em relação ao mundo e a si mesmos. Os dois mais maduros, machucados pelos desencontros da vida, mas ainda cheios de sonhos e esperanças. E, finalmente, os dois cansados, construídos na rotina e até nas pequenas frustrações da vida.
Reencontramos esses dois velhos amigos em uma fase melancólica. Jesse sofre com o afastamento do filho que mora nos Estados Unidos com a mãe. Celine sofre com a possível culpa de ter feito Jesse sair de seu país e morar na França com ela, gerando consequências para sua vida e relacionamento com o filho. Mas, eles já têm uma vida na Europa, têm duas filhas, a carreira de escritor de Jesse não precisa de um pouso fixo e Celine está prestes a aceitar um trabalho novo. A rotina pode ter desgastado eles, não há mais os sonhos, a necessidade de discutir os pontos de vista filosóficos sobre amor, relacionamento e vida. Mas, ainda assim, eles precisam conversar.
Antes da Meia-Noite é a maior de todas as DRs do casal. Pela primeira vez eles não estão sós. De férias na Grécia, convivem e discutem com outros personagens, como o filho de Jesse e o simpático escritor Patrick, interpretado por Walter Lassaly que os recebe na cidade. Temos uma dinâmica inicial de outros diálogos e interações. Mas, em determinado momento, eles se vêem novamente a sós, e o desgaste da relação vem à tona de uma maneira amarga, doída. E ao mesmo tempo em que reconhecemos o estilo, nos incomodamos com o estado em que se encontram. E isso não é exatamente um ponto negativo do filme. É um incômodo necessário, como a vida, que não é um conto de fadas e tem altos e baixos.
Julie Delpy e Ethan Hawke conseguem nos passar essa evolução dos personagens de uma maneira muito verdadeira. É interessante ver o envelhecimento dos corpos, o amadurecimento dos pensamentos, mas a repetição de atitudes e expressões corporais. Da forma tímida como ele reage a um problema, a forma dura como ela lida com as próprias emoções. Do desconforto da discussão, ao mesmo tempo em que ainda há o desejo, no quarto de hotel. A forma como eles vão se vestindo à medida que a discussão fica pior, por exemplo, é muito interessante. É o jogo de detalhes de um filme que apesar de pautado no diálogo tem muito de não-verbal.
Antes da Meia-Noite é o coroar sóbrio e realista de uma história de amor que aprendemos a acompanhar de uma maneira muito íntima. Somos parte daquele casal, sofremos e sorrimos com eles. Queremos saber os detalhes do que perdemos nessas elipses de nove anos. Torcemos para vê-los juntos e felizes. Mas, não queremos ser enganados por sonhos juvenis. O bom de Jesse e Celine é nos mostrar como é a vida, não os contos de fadas. E que nela, também é possível viver um grande amor. Só fica a pergunta se isso é mesmo para sempre.
Antes da Meia-Noite (Before Midnight, 2013 /EUA)
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Julie Delpy, Ethan Hawke
Com: Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick
Duração: 109 min.
Como três grandes atos de um drama amoroso, os três filmes funcionam como um único. Antes do Amanhecer é o primeiro ato, a apresentação dos personagens, a ambientação da história que iremos acompanhar. O final é uma espécie de ponto de ataque: "daqui a seis meses nos encontramos no mesmo lugar". Antes do Pôr-do-Sol é o segundo ato, o desenvolvimento daquele desafio. Eles se encontraram? Eles estão juntos? Eles vão em frente? E terminamos com um grande clímax da declaração de amor. Chega, então, Antes da Meia-Noite, o terceiro ato, a resolução. E agora?
Antes de tudo, esse terceiro filme é muito corajoso. Ele nos mostra aquilo que nenhum filme romântico ousa nos apresentar: o que acontece depois do "e foram felizes para sempre". Mas, também a trilogia de Richard Linklater nunca foi uma história de amor comum. Realista, filosófica, complexa, sempre baseada em diálogos profundos que nos fazem embarcar nas elucubrações mentais de seus personagens. Na química de Jesse e Celine, claro. Mas, principalmente em suas capacidades de dialogar. Acompanhamos um dia daquele casal como se acompanhássemos alguém muito próximo. Ou nós mesmos.
E o mais interessante desses três filmes com saltos temporais tão demarcados, é que podemos acompanhar a evolução e o amadurecimento de cada um deles. O próprio roteiro, os diálogos são construídos dessa forma. O sonho ingênuo de dois jovens no início da vida, cheio de esperanças em relação ao mundo e a si mesmos. Os dois mais maduros, machucados pelos desencontros da vida, mas ainda cheios de sonhos e esperanças. E, finalmente, os dois cansados, construídos na rotina e até nas pequenas frustrações da vida.
Reencontramos esses dois velhos amigos em uma fase melancólica. Jesse sofre com o afastamento do filho que mora nos Estados Unidos com a mãe. Celine sofre com a possível culpa de ter feito Jesse sair de seu país e morar na França com ela, gerando consequências para sua vida e relacionamento com o filho. Mas, eles já têm uma vida na Europa, têm duas filhas, a carreira de escritor de Jesse não precisa de um pouso fixo e Celine está prestes a aceitar um trabalho novo. A rotina pode ter desgastado eles, não há mais os sonhos, a necessidade de discutir os pontos de vista filosóficos sobre amor, relacionamento e vida. Mas, ainda assim, eles precisam conversar.
Antes da Meia-Noite é a maior de todas as DRs do casal. Pela primeira vez eles não estão sós. De férias na Grécia, convivem e discutem com outros personagens, como o filho de Jesse e o simpático escritor Patrick, interpretado por Walter Lassaly que os recebe na cidade. Temos uma dinâmica inicial de outros diálogos e interações. Mas, em determinado momento, eles se vêem novamente a sós, e o desgaste da relação vem à tona de uma maneira amarga, doída. E ao mesmo tempo em que reconhecemos o estilo, nos incomodamos com o estado em que se encontram. E isso não é exatamente um ponto negativo do filme. É um incômodo necessário, como a vida, que não é um conto de fadas e tem altos e baixos.
Julie Delpy e Ethan Hawke conseguem nos passar essa evolução dos personagens de uma maneira muito verdadeira. É interessante ver o envelhecimento dos corpos, o amadurecimento dos pensamentos, mas a repetição de atitudes e expressões corporais. Da forma tímida como ele reage a um problema, a forma dura como ela lida com as próprias emoções. Do desconforto da discussão, ao mesmo tempo em que ainda há o desejo, no quarto de hotel. A forma como eles vão se vestindo à medida que a discussão fica pior, por exemplo, é muito interessante. É o jogo de detalhes de um filme que apesar de pautado no diálogo tem muito de não-verbal.
Antes da Meia-Noite é o coroar sóbrio e realista de uma história de amor que aprendemos a acompanhar de uma maneira muito íntima. Somos parte daquele casal, sofremos e sorrimos com eles. Queremos saber os detalhes do que perdemos nessas elipses de nove anos. Torcemos para vê-los juntos e felizes. Mas, não queremos ser enganados por sonhos juvenis. O bom de Jesse e Celine é nos mostrar como é a vida, não os contos de fadas. E que nela, também é possível viver um grande amor. Só fica a pergunta se isso é mesmo para sempre.
Antes da Meia-Noite (Before Midnight, 2013 /EUA)
Direção: Richard Linklater
Roteiro: Richard Linklater, Julie Delpy, Ethan Hawke
Com: Ethan Hawke, Julie Delpy, Seamus Davey-Fitzpatrick
Duração: 109 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Antes da Meia-Noite
2013-06-15T10:52:00-03:00
Amanda Aouad
critica|drama|Ethan Hawke|Julie Delpy|Oscar 2014|Richard Linklater|romance|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
King Richard: Criando Campeãs (2021), dirigido por Reinaldo Marcus Green , é mais do que apenas uma cinebiografia : é um retrato emocionalm...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Clint Eastwood me conquistou aos poucos. Ele sabe como construir um filme que emociona e, agora, parece ter escolhido Matt Damon como seu ...
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
Olhando para A Múmia (1999), mais de duas décadas após seu lançamento, é fácil perceber como o filme se tornou um marco do final dos anos ...
-
Amor à Queima Roupa (1993), dirigido por Tony Scott e roteirizado por Quentin Tarantino , é um daqueles filmes que, ao longo dos anos, se...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...
-
O CinePipocaCult adverte: se você sofre de claustrofobia, síndrome do pânico ou problemas cardíacos é melhor evitar esse filme. Brincadeiras...