
Primeiro
filme feito na
Arábia Saudita (nem cinema eles têm por lá), dirigido por uma
mulher, sobre uma
menina à frente das convenções. É mesmo de se esperar uma trama polêmica. Mas, o que mais impressiona em
O Sonho de Wadjda é o quão simples para nossos olhos é esse "escândalo".
O Sonho de Wadjda é algo que parece até tolo, uma
bicicleta para poder apostar corrida com seu amigo Abdullah. Mas, nesse simples gesto estão contidas subversões imensas em um país onde a
mulher é menos que um ser e mais um objeto do homem. Primeiro, mulheres não usam bicicleta, é imoral, e ainda gera diversas crendices como não poder engravidar, ou perda de virgindade. Depois, uma
menina não pode ter um menino como amigo. Ficar sozinha com ele, então, impensável. Mas, nada parece fazer sentido para
Wadjda e a simplicidade de sua coragem.

Uma garotinha que usa tênis, sempre deixa cair seu véu e vende pulseiras para as coleguinhas no colégio. Está sempre sob o olhar da severa diretora Ms. Hussa, mas não se importa. Até o
Alcorão só resolve aprender para participar de um concurso que pode lhe dar o prêmio em dinheiro para realizar o almejado
sonho. E sua construção assim, tão simples é que nos conquista e nos faz embarcar nessa história insólita de uma civilização tão estranha a nossa.

Aliás, um dos pontos altos de
O Sonho de Wadjda é a capacidade da diretora
Haifaa Al-Mansour de simplificar para nós esse mundo. São gestos, pequenas falas, detalhes que vão nos familiarizando sem ser didático. A apresentação de
Wadjda no coral, com o plano detalhe do seu tênis contrastando com os sapatos das demais meninas é um bom exemplo. Ou Abdullah saindo com ela para uma "missão" e dizendo que não precisa se preocupar, pois dirá que ela é sua irmã. Ou ainda a forma como sua mãe serve comida a uma reunião do pai e come junto com a filha apenas os restos. Isso sem falar na árvore genealógica da família, apenas com os nomes dos membros masculinos.
O outro ponto positivo é o casal de crianças. Tanto a
menina que faz
Wadjda, quanto o garoto que faz Abdullah são extremamente carismáticos. E funcionam bem juntos. É gostoso de acompanhar a rixa inicial e a cumplicidade que cresce à medida que a
menina vai insistindo em seu
sonho. Vendo as crianças sonhando e agindo de maneira tão inocente a gente acredita que aquela sociedade tem alternativas.

O
filme ainda aborda a questão feminina através da mãe de
Wadjda. Sua fidelidade e medo do marido. O drama da possibilidade de uma segunda mulher, já que ela não pode mais ter filhos e não lhe deu um filho homem. Da dificuldade do trabalho distante e do receio de aceitar um outro mais próximo, porque irá conviver com homens. E seu medo e ao mesmo tempo orgulho da filha rebelde. Tudo é construído de uma maneira muito sensível e bela.
De maneira simples e contagiante,
Haifaa Al-Mansour quebrou todos os tabus e falou de sua realidade de uma maneira tão universal que conquistou o mundo. Não por acaso ganhou prêmio no Festival de Veneza. Fala dos problemas das
mulheres, da religião, dos costumes e das possibilidades de sobreviver a tudo isso. Sem véus que escondam suas almas.
O Sonho de Wadjda (O Sonho de Wadjda, 2013 / Arábia Saudita)
Direção: Haifaa Al-Mansour
Roteiro: Haifaa Al-Mansour
Com: Reem Abdullah, Waad Mohammed, Abdullrahman Al Gohani
Duração: 98 min.
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