Reds
É de se admirar que um filme como Reds tenha sido feito nos Estados Unidos. É de se admirar ainda mais que ele tenha sido feito no ano em que foi. Em plena Guerra Fria, quando o Anti-Comunismo era questão de ordem no país, e claro, em seu cinema. Russos eram vilões, não poderiam ser mocinhos. Ainda que o americano seja O mocinho do filme, ele é o apaixonado defensor da causa socialista.
Reds é baseado no livro "Dez Dias que Abalaram o Mundo", uma das obras mais importantes da Revolução Bolchevique, elogiado e recomendado pelo próprio Lenin. E foi escrito pelo jornalista norte-americano John Reed, interpretado por Warren Beatty no filme. Aliás, Beatty é a alma da obra, protagonista, diretor, roteirista, produtor. Todas as funções indicadas ao Oscar, que teve ainda outras 8 indicações, vencendo três estatuetas. Foi seu prestígio na época que tornou o filme possível.
A obra biográfica começa pouco antes da Primeira Guerra, acompanhando a vida de John Reed dali até o seu fim, na Rússia, dando destaque ao fascínio pelo socialismo e o romance com Louise Bryant, interpretada por Diane Keaton. Todo o filme é intercalado por depoimentos de testemunhas da época, que dão um respaldo maior para a realidade da trama, mas ao mesmo tempo a alonga demais e a torna cansativa em alguns momentos dos seus 195 min. Talvez o ritmo do filme pudesse ser melhor se ficássemos apenas com a história corrente. Até porque as explicações dos testemunhos não chegam a ser fundamentais para o entendimento da trama, apesar de ter outra função que falaremos mais à frente.
No entanto, é interessante como o roteiro é feliz ao conseguir dosar política e romance de uma maneira tão competente. Conseguimos nos envolver com os acontecimentos históricos da época, com a Revolução Russa, com o início da caçada norte-americana aos comunistas, com as discordâncias do próprio partido socialista nos Estados Unidos. E como o discurso de abnegação dos soviéticos vai de encontro com o próprio pensamento particular de Reed que está ali, arriscando sua vida, ameaçado de nunca poder voltar ao seu país, mas que também se preocupa com a mulher que ama.
A figura de Louise Bryant é um contraponto essencial para o jornalista. E traz um viés feminista interessante. Desde o início com sua teoria de amor livre que lembra Sartre e Simone de Beauvoir. Passando por seu relacionamento com o personagem de Jack Nicholson, até a sua necessidade de não-submissão a Reed. Ao mesmo tempo em que assume o amor incondicional que sente por aquele ser, ao ponto de arriscar também a sua vida e integridade para segui-lo em seu caminho tortuoso.
A forma como o filme nos mostra o envolvimento dele desde o início da Revolução também é bastante instigante. Como quando ele está em uma reunião de operários, sem entender uma palavra em Russo, mas acaba discursando sobre a união da classe, e a necessidade da Greve. Isso acaba trazendo à consciência os próprios direitos dos cidadãos. Tanto que contam que, para incentivar os figurantes na cena, Warren Beatty teria dado uma aula sobre política, reforçando a exploração do capitalismo. Isso acabou se voltando contra o próprio filme, já que os figurantes aprenderam tão bem a lição que fizeram greve por melhores condições de trabalho.
Claro também, que John Reed morreu ainda na glória do início da Revolução, não vendo o que se tornou a eterna ditadura do proletariado nos anos seguintes, principalmente no governo de Stalin, que assumiu o governo em 1922. O filme, então, nos dá uma visão romântica e até mesmo ingênua do socialismo. Do sonho igualitário que se perdeu em meio ao jogo político do mundo real. Ainda assim, é uma bela construção histórica de um período importante que realmente abalou o mundo em dez dias.
Reds é, então, mais do que um filme biográfico histórico sobre a Revolução Russa ou o socialismo. Ou mesmo, sobre a vida do jornalista John Reed. É um filme com ares épicos, que procura remontar um pensamento, um sentimento, diante de um acontecimento histórico. Por isso, talvez, os depoimentos se tornem essenciais no esqueleto pensado por Warren Beatty. Eles fazem a trama ir além da tela. Trazem a reflexão. Sem querer me contradizer. Cansa, mas é também como uma aula de História, onde é preciso mais do que o entretenimento, é preciso apreender o que está sendo passado. Por isso, Reds continua tão marcante ainda hoje.
Reds (Reds, 1981 / EUA)
Direção: Warren Beatty
Roteiro: Warren Beatty, Trevor Griffiths
Com: Warren Beatty, Diane Keaton, Edward Herrmann e Jack Nicholson
Duração: 195 min.
Reds é baseado no livro "Dez Dias que Abalaram o Mundo", uma das obras mais importantes da Revolução Bolchevique, elogiado e recomendado pelo próprio Lenin. E foi escrito pelo jornalista norte-americano John Reed, interpretado por Warren Beatty no filme. Aliás, Beatty é a alma da obra, protagonista, diretor, roteirista, produtor. Todas as funções indicadas ao Oscar, que teve ainda outras 8 indicações, vencendo três estatuetas. Foi seu prestígio na época que tornou o filme possível.
A obra biográfica começa pouco antes da Primeira Guerra, acompanhando a vida de John Reed dali até o seu fim, na Rússia, dando destaque ao fascínio pelo socialismo e o romance com Louise Bryant, interpretada por Diane Keaton. Todo o filme é intercalado por depoimentos de testemunhas da época, que dão um respaldo maior para a realidade da trama, mas ao mesmo tempo a alonga demais e a torna cansativa em alguns momentos dos seus 195 min. Talvez o ritmo do filme pudesse ser melhor se ficássemos apenas com a história corrente. Até porque as explicações dos testemunhos não chegam a ser fundamentais para o entendimento da trama, apesar de ter outra função que falaremos mais à frente.
No entanto, é interessante como o roteiro é feliz ao conseguir dosar política e romance de uma maneira tão competente. Conseguimos nos envolver com os acontecimentos históricos da época, com a Revolução Russa, com o início da caçada norte-americana aos comunistas, com as discordâncias do próprio partido socialista nos Estados Unidos. E como o discurso de abnegação dos soviéticos vai de encontro com o próprio pensamento particular de Reed que está ali, arriscando sua vida, ameaçado de nunca poder voltar ao seu país, mas que também se preocupa com a mulher que ama.
A figura de Louise Bryant é um contraponto essencial para o jornalista. E traz um viés feminista interessante. Desde o início com sua teoria de amor livre que lembra Sartre e Simone de Beauvoir. Passando por seu relacionamento com o personagem de Jack Nicholson, até a sua necessidade de não-submissão a Reed. Ao mesmo tempo em que assume o amor incondicional que sente por aquele ser, ao ponto de arriscar também a sua vida e integridade para segui-lo em seu caminho tortuoso.
A forma como o filme nos mostra o envolvimento dele desde o início da Revolução também é bastante instigante. Como quando ele está em uma reunião de operários, sem entender uma palavra em Russo, mas acaba discursando sobre a união da classe, e a necessidade da Greve. Isso acaba trazendo à consciência os próprios direitos dos cidadãos. Tanto que contam que, para incentivar os figurantes na cena, Warren Beatty teria dado uma aula sobre política, reforçando a exploração do capitalismo. Isso acabou se voltando contra o próprio filme, já que os figurantes aprenderam tão bem a lição que fizeram greve por melhores condições de trabalho.
Claro também, que John Reed morreu ainda na glória do início da Revolução, não vendo o que se tornou a eterna ditadura do proletariado nos anos seguintes, principalmente no governo de Stalin, que assumiu o governo em 1922. O filme, então, nos dá uma visão romântica e até mesmo ingênua do socialismo. Do sonho igualitário que se perdeu em meio ao jogo político do mundo real. Ainda assim, é uma bela construção histórica de um período importante que realmente abalou o mundo em dez dias.
Reds é, então, mais do que um filme biográfico histórico sobre a Revolução Russa ou o socialismo. Ou mesmo, sobre a vida do jornalista John Reed. É um filme com ares épicos, que procura remontar um pensamento, um sentimento, diante de um acontecimento histórico. Por isso, talvez, os depoimentos se tornem essenciais no esqueleto pensado por Warren Beatty. Eles fazem a trama ir além da tela. Trazem a reflexão. Sem querer me contradizer. Cansa, mas é também como uma aula de História, onde é preciso mais do que o entretenimento, é preciso apreender o que está sendo passado. Por isso, Reds continua tão marcante ainda hoje.
Reds (Reds, 1981 / EUA)
Direção: Warren Beatty
Roteiro: Warren Beatty, Trevor Griffiths
Com: Warren Beatty, Diane Keaton, Edward Herrmann e Jack Nicholson
Duração: 195 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Reds
2013-08-07T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
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