Em três semanas no estado, o filme já vendeu mais de 130 mil ingressos, mantendo uma média assustadora de 2.300 pessoas por sala. Chamando a atenção do resto do país. Agora, ele estreia no Nordeste, e a depender da aceitação na Região, irá se arriscar no Sudeste e no Sul. Porém, ainda segundo o diretor, o trailer já foi testado em uma pesquisa inédita, antes das sessões do filme Minha Mãe é Uma Peça em São Paulo, mesmo sem ter distribuição confirmada, e as plateias tem aceitado bem, o que indica que é bem possível, que chegue por lá.
Halder Gomes esteve com o humorista e cantor Falcão, aqui em Salvador, para divulgar o filme, participamos da Coletiva de Imprensa, antes da pré-estreia no UCI Iguatemi. Vejam como foi.
Jornal A Tarde: O que tem de autobiográfico no filme?
Halder Gomes: Tem uma ruma de coisas. O universo ali, é o universo que eu vivi. O Waldisney é o alter-ego daquele moleque que vivia ali no interior, onde não acontecia nada, e não resta nada a não ser sonhar. Aquele pivetinho era um pouco do que era a minha infância. De você ver um filme de Kung fu, um filme de Bruce Lee e imaginar um milhão de coisas. Por um lado tem também o Jorginho, o dono da bola, que é inspirado em um menino que conhecia, que você tinha que aguentar ele jogando, ele escolhia onde ia jogar. A gente jogava perto da fazenda dele e quando o time dele tava perdendo, ele já sabia onde tinha uma colmeia de abelhas, aí ele chutava lá, para os meninos sair correndo. E o Waldisney representa ainda essa vontade de fazer cinema, né? Ele é um pouco uma metáfora que representa esse fazer. Quando você faz um filme independente você tem que ser diretor, produtor, roteirista, produtor executivo e outra ruma de coisas para fazer chegar à tela. Então, tem muita biografia aí.
Jornal A Tarde: Você tem alguém da família que era projecionista, que trabalhasse com cinema?
Halder Gomes: Não, eu não tenho ninguém na família que tenha alguma relação com cinema. Eu fantasiava muito aquelas coisas de artes marciais, e o cinema que passava lá no interior era só filme de porrada, filme de chinês, o pau quebrava toda sessão. Aquilo para mim era muito fascinante. Tanto é que a primeira vez que minha mãe me levou em um cinema em São Luis, foi para ver A Branca de Neve. E eu achei aquilo estranho. Eu falei, "macho, cadê os chineses? Tem chinês nesse filme não." (risos) Então, pra mim não prestava. Porque o cinema era aquilo que eu conhecia e era a nossa única fonte de entretenimento.
Correio da Bahia: Queria que você falasse um pouco sobre essa questão do cearensês. De onde surgiu essa ideia de fazer um filme assim e colocar as legendas?
Halder Gomes: Se você pegar dois cearenses falando de pressa, o cabra não entende nada. Vira um dialeto, não só pelas palavras, pela forma de falar ligeiro. E uma coisa que eu percebo é que a gente sempre recebe produtos de lá onde tentam representar os nordestinos sem entender da dimensão continental que é o Brasil, sem entender a dimensão continental que é o próprio Nordeste em si, sua diversidade cultural e muitas vezes vem um personagem com um sotaque que não pertence àquela região. Então, quando eu fiz o curta em 2004, que é um recorte desse filme, ele já era falado em cearensês, pra não perder essa essência e mostrar que o Brasil tem sua diversidade e que nós temos um sotaque próprio, mesmo no nordeste falamos de maneira bem distintas. Então, era para ter essa veracidade do contexto e da forma da gente falar. Por isso tive que colocar legenda. Porque não adianta, o cabra não entende sem a legenda. Só para tirar minha dúvida, fiz algumas exibições testes sem legenda e o paulista não entendeu “p... nenhuma”.
Falcão: Aí, em compensação você passou o filme na Tailândia e os tailandeses adoraram. (risos)
Halder Gomes: Entenderam. Uma coisa engraçada que eu percebi do filme é que o tailandês é o povo mais parecido com o cearense do mundo.
Falcão: Até a cabeça (risos)
Halder Gomes: A cabeça achei igualzinha. Tudo é tão parecido que a gente acha que está no Ceará. (risos) E eles se identificaram muito, porque esse fenômeno de os cinemas de interior irem morrendo à medida que a televisão ia chegando aconteceu em todos os países em desenvolvimento. Na Tailândia, aconteceu a mesma coisa. Foi um fenômeno mundial. Então, eles se identificaram demais.
Revista Órbita: Como foi pensada essa conversa audiovisual que você traz para o filme?
Halder Gomes: Pois é, o filme ele tem uma história triste se você for pensar. É uma história melancólica que é o fim de uma era, o fim do cinema no interior. É o fim, para mim, do maior entretenimento que tinha nessas cidades que um dia teve um cinema que marcou a vida de muita gente. Só que eu via aquilo por um olhar lúdico, eu não conseguia perceber que aquilo era muito sério. Só que quando a gente cresce e vai escrever o filme, eu sabia que estava escrevendo algo da minha memória, mas eu comecei a ver as consequências do que era aquele mundo e como é que é hoje. Então, eu queria fazer um filme em que, por trás da comédia, tivesse uma mensagem muito importante, seja explícita em alguns momentos que termina com aquele dado triste de que só existem cinco cidades no Ceará onde há cinema. Mas, também com muitas mensagens subliminares e referências a outros filmes. Por exemplo, quando eu cito o 2001, uma Odisséia no Espaço, que um monólito mudou para sempre o mundo dos macacos, a televisão foi esse monólito para a gente. O interior nunca mais foi o mesmo, no momento em que colocaram ali no meio da praça.
CinePipocaCult: Como foi a escolha do elenco. Principalmente do protagonista, Edmilson que nunca tinha trabalhado no cinema, como você o escolheu, e como foi a escolha das participações, como Falcão?
Halder Gomes: Em 2004, a gente fez o curta e o Edmilson era da minha academia. Eu sou mestre de Taekwondo, e ele se matriculou lá como faixa branca. Era um atleta muito determinado, foi várias vezes campeão brasileiro, foi campeão internacional representando o Brasil, disputou seletiva olímpica. Mas, tinha um talento para comédia muito forte, chegou a fazer uns shows de humor, ganhou o prêmio em um Festival Conceituado no Ceará. Então, eu já escrevi o roteiro tendo ele em mente como o protagonista. Os personagens secundários eu também já ia escrevendo pensando nos humoristas do Ceará mesmo. Outros eu sabia que não tinha perfil e tive que buscar por teste de elenco. As crianças eu busquei em uma escola de dança no Ceará e fiz uma preparação com eles. E óbvio que os humoristas do Ceará que são ícones no Brasil inteiro não podiam estar de fora. Então, era criar personagens que para eles. E algumas participações de fora, a japonesa que está, por exemplo, é filha do John Woo.
Falcão: Mas, fala do critério de escolha.
Halder Gomes: Ah, sim, os homens que estão lá tem que ser feinhos (risos)
Falcão: Eu era o destoante, o único galã (risos)
Halder Gomes: Aí tinha aquela personagem que era a loira do sonho. E eu ficava, quem é essa mulher, quem é essa mulher. Aí eu coloquei no Google assim: loira gostosa. Aí apareceu vários retratos das Fiorella, vai ser ela (risos)
Jornal A Tarde: E você, Falcão, como recebeu o convite?
Falcão: Foi meio estranho, porque nem o curta eu tinha visto ainda, aí ele me deu a fita do curta para eu assistir e criar coragem para fazer o cego. (risos) Eu já tinha feito algumas pontas em outros filmes, mas sempre como eu mesmo. Mas, pra fazer um cego que vai ao cinema, aí o negócio é complicado (risos). Mas, aí ele disse: não, cara, é legal que você já usa óculos escuro, já está representado. E foi muito legal, porque é uma história que eu também vivi quando criança, de cinema no interior.
Jornal A Tarde: O filme está fazendo sucesso não apenas com o público do Ceará, cineastas e críticos estão elogiando. Fernando Meirelles elogiou bastante o filme, como você vê um diretor como Fernando Meirelles elogiando seu filme?
Falcão: E o Cacá Diegues também elogiou.
Halder Gomes: Sim, o Cacá Diegues escreveu um texto no Globo de sábado muito bacana. Pra mim é muito gratificante porque minha história no cinema não é convencional. Eu comecei como dublê de lutas, eu não tive uma formação em cinema, eu aprendi cinema fazendo. Existia uma certa dificuldade em aceitar minha carreira. As pessoas duvidaram, um cara que vem da luta como pode ser diretor de cinema, então, tudo o que eu fazia, mesmo sendo bem sucedido tinha um questionamento. Aí, agora depois que Fernando Meirelles fala, as pessoas começam a olhar com mais respeito toda a minha história. Então, às vezes, você precisa de um lastro de um depoimento desses para que possam olhar o seu trabalho com mais seriedade e respeito. E fico feliz pelo Edmilson Filho, que acho um ator excepcional e que agora que Fernando Meirelles elogiou ficou fácil, mas queria ver as pessoas saberem em 2004 quando ele não tinha feito nenhum filme eu ter a coragem de colocar como protagonista e mantive no longa. “Você vai colocar um cara que não é ator para ser protagonista?” Meu amigo, eu conheço o cabra, eu sei o potencial.
Falcão: Você coreografou aquela cena ou foi ele quem fez?
Halder Gomes: Não, Edmilson que coreografou. Ele é um ótimo coreógrafo de cena.
Falcão: Aliás, deixa eu contar uma história aqui, Edmilson, se vocês pegarem aí o youtube de sete oito anos atrás, um camarada colocou só o áudio como se fosse o testemunho de um evangélico contando como é que tinha entrado na igreja. A maior esculhambação, rapaz, e todo mundo achava que era verídico. Era o Edmilson. Se vocês procurarem está lá, Edmilson Coisativo. Aí, eu peguei e fiz uma música em cima do que ele fez e eu nem sabia que era o cabra. Fui saber depois.
CinePipocaCult: Você fala que quer sempre falar do Ceará e estar no Ceará, uma coisa que você brinca muito no filme é com a questão dos extraterrestres. E você participou também do Área Q...
Halder Gomes: Sim, o Área Q eu produzi. É um filme que o Gérson estava pensando em fazer no Arizona, mas quando ele falou para mim, que queria fazer um filme nessa temática no Arizona, eu falei, peraí, faz no Ceará que lá tá cheio de história de ET. Aí, a gente acabou trazendo o filme pro Ceará, pegando e fizemos outro roteiro que virou outro filme. Mas, dentro dessa coisa de tentar levar pra lá uma produção que movimente a nossa cadeia produtiva.
CinePipocaCult: Mas, você pretende explorar mais essa temática, acha que ainda tem história para contar com ETs por lá?
Halder Gomes: Tem, tem história. Ô lugar pra ter história ali.
Falcão: Aquele mesmo lugar onde foi feito Área Q, foi feito um filme dos Trapalhões.
Jornal A Tarde: E você já está com algum outro projeto em vista ou está só focado no lançamento deste mesmo?
Halder Gomes: Assim, estou focando em Cine Holliúdy agora, no máximo de divulgação que ele possa ter para tentar chegar no Brasil todo. Esta é a meta. Mas, ele abriu várias possibilidades para mim, inclusive fechei dois novos filmes com a Downtown. Um já está definido, estamos trabalhando no roteiro e outro que ainda vou apresentar o argumento. E tem ainda um drama autoral que ainda não sei como vou fazer para captar recursos, porque no Brasil a comédia é mesmo que pega.
Jornal A Tarde: E você, Falcão, mais algum projeto de cinema?
Falcão: Tem, tenho um projeto já antigo, inclusive roteirizado, mas que está engavetado até agora. E pode ser que eu faça.
Halder Gomes: Vamos desengavetar isso. (risos)
Falcão: É uma história que eu fiz em parceria com um roteirista lá do Ceará. Com essa história de levar o pessoal do Nordeste pro Sul, era uma espécie de Bye Bye Brasil ao contrário. Ainda não tem data pra fazer isso não.
Correio da Bahia: Queria saber mais sobre sua formação em cinema, não técnica, mas vendo filmes, depois que você cresceu. O que assistia?
Halder Gomes: Eu assisto tudo, de filme de terror, a filme de ação, cabeça, de arte...
Falcão: Pornô.
Halder Gomes: Assisto pornô também. Assisto a tudo. Não tenho preconceito com nenhum gênero. Eu gosto de filme, não interessa o que é. Eu sempre assisti muito filme. Tem épocas que vejo mais de um tipo ou outro. Mas, tem o meu filme favorito que é Amor Sem Fim, aquele da Brooke Shields (risos). Meus colegas tiram onda comigo, por causa disso. Mas, eu vi no cinema e me apaixonei.
Falcão: Amor Sem Fim. Viu A Lagoa Azul também?
Halder Gomes: Vi, macho, eu sou apaixonado pela Brooke Shields. (risos) Meu sonho é um dia fazer um filme com ela (risos).
CinePipocacult: E você, Falcão. Qual o seu filme preferido?
Falcão: Rapaz, eu tenho muito filme também, não tenho preferência, assisto tudo que cai na minha frente. Mas, além das histórias do Kung Fu, fui muito do faroeste também, né? Aqueles filmes, eu gostava muito.
Halder Gomes: Engraçado essas coisas das referências. Deixa eu contar uma história aqui. Tem várias coisas que está no filme que são casos. Por exemplo, aquela hora que o cara joga o negócio lá no outro, a coisa do 3D, aquilo é inspirado na cena de quando a gente entrou na faculdade, a galera toda se conhecendo ainda, formando turma e tinha um cara enorme, fisiculturista, todo sério. Aí, uma vez entrou em cartaz um filme pornô 3D, lá no Cine Diogo que era um cinema grande central, lá no Ceará. Aí todo mundo matou aula pra ver esse filme, o cinema lotou. Os cabra tudo de óculos, era engraçado. E o grandão sentado, na frente. Aí, a primeira cena, macho, era o cabra de costas, aí quando ele se vira, vem com aquele negócio que parece um facão assim (risos). Todo mundo se abaixou, ficou só o grandão, aí todo mundo brincou, “ê, foi na cabeça”, essas coisas. Então, a cena é inspirada nisso.