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Nina - Heitor DhaliaQual a diferença entre o ordinário e o extraordinário? Partindo dos pensamentos do russo Dostoievski em seu famoso romance Crime e Castigo, Heitor Dhalia fez a sua estreia nos cinemas. Nina é uma espécie de desconstrução do personagem Raskolhnikov, que tem sua história contada de uma maneira mais poética e com elementos que flertam com o surreal, onde o público não sabe exatamente o que é alucinação ou realidade.

Nina é uma garota que vive de aluguel na casa de Dona Eulália, uma senhora desprezível que parece fazer questão de destratá-la. Sempre sem dinheiro, chega a passar fome, porque a senhora controla os alimentos que compra. Mas, curiosamente, está sempre em festas e consegue drogas para se entorpecer. Sua vida se divide entre essas baladas e seu quadro, onde tem o hobby de desenhar, desenhos estilizados, com muitos elementos simbólicos que se tornam, também, parte de suas ilusões de assassinatos.

Nina - Heitor DhaliaA fotografia e a direção de arte são destaques no filme. Sempre visualizando uma espécie de submundo, com ruas sujas, becos, ranhuras e um apartamento disforme que nos permite ótimas cenas como a que Nina abre a porta e vê uma multidão de senhores e senhoras a olhando de maneira inquisidora. Isso sem falar nos traços dos desenhos da personagem que se tornam parte da tela em clipes que simbolizam seus pensamentos e alucinações.

Outro destaque é a quantidade de participações especiais no filme. Nomes como Selton Mello, Lázaro Ramos, Wagner Moura, Milhem Cortaz, Matheus Nachtergaele, Ailton Graça e Guilherme Weber passam pela tela deixando parte de seus talentos em quase figurações. A participação de Renata Sorrah, por exemplo, é tão rápida, onde ela mal fala e não dá para ver completamente seu rosto, que um espectador menos atento nem perceberá. Ainda assim, tudo isso dá uma graça a mais à trama.

Nina - Heitor DhaliaPorém, é na interpretação de Guta Stresser, como a protagonista Nina, e de Myrian Muniz, que faz a dona Eulália, que o filme se sustenta. Guta consegue construir muito bem as nuanças de sua personagem que vive em uma corda bamba desequilibrada. Sua personalidade dúbia também é de difícil construção, onde é capaz de fazer o que faz com um cego, mas dar todo o seu dinheiro para salvar uma desconhecida de um taxista irado. E a atriz consegue nos convencer e nos envolver em sua aura, nos tornando cúmplices dela. Ao mesmo tempo em que passamos a odiar a dona Eulália, e até torcer pelo seu fim. No que a interpretação de Myrian Muniz é também fundamental, com caras e bocas assustadoras.

Com elementos que nos lembram as obras de David Lynch, apesar da referência do livro Crime e Castigo, o filme se torna uma construção psicológica simbólica com diversos momentos instigantes, onde tentamos entender o fio condutor, mas ao mesmo tempo, nos envolvemos na estética e no clima maior da trama. Um filme complexo e extremamente simples, ao mesmo tempo. Que busca exatamente fugir do ordinário dentro da cinematografia nacional, para construir algo extraordinário. Foi mesmo um pé direito para Heitor Dhalia, ainda que não seja sua obra-prima.



Nina (Nina, 2004 / Brasil)
Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia e Marçal Aquino
Com: Guta Stresser, Myrian Muniz
Duração: 90 min.

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