Uma coisa que logo chama a atenção no documentário é que Serra Pelada não é um fato do nosso passado histórico, mas que ainda está vivo no coração da Amazônia, nos sonhos dos garimpeiros que ainda ali estão e que juram que o lago que se tornou a antiga montanha guarda um tesouro nunca visto. Em vez de se concentrar apenas na década de 80, o filme traça um histórico daquela época até os dias de hoje, em determinado momento, inclusive com uma construção didática ano a ano.
O material garimpado por Victor Lopes é bastante rico. Além das imagens e depoimentos captados por ele nesses dez anos, há muita foto de arquivo, reportagens da época e até um filme narrado por Orson Welles que o filme faz questão de pontuar com uma legenda. Curiosamente, há também uma reportagem feita por Marcelo Tas que o filme pontua ser as imagens captadas por ninguém menos que Fernando Meirelles. Tas passeia pela montanha, entrevistando garimpeiros de uma maneira divertida.
Porém, o foco do documentário é mesmo os garimpeiros de hoje. Suas visões e histórias desde aquela época até hoje. Os sonhos perdidos, as fortunas gastas sem noção ou controle. Em determinado momento, um garimpeiro fala do dinheiro que esbanjava com mulheres. "Eu cobria ela de dinheiro, o corpo inteiro. Hoje ela tá rica e eu estou pobre". Outro fala da dor de ainda estar ali, após vinte e cinco anos, quando o plano era ir apenas por seis meses. "Como voltar pra família com menos dinheiro do que saí?"
Outro caso interessante é da mulher que se vestiu de homem para trabalhar no garimpo. Era proibido mulheres em Serra Pelada, mas ela disse que tinha tido um sonho e foi em busca dele. Até hoje ela está por lá, junto ao seu marido, também garimpeiro, vivendo em uma casa onde acreditam ter ouro no quintal. É possível ver o esquema de garimpagem de ambos em busca do sonhado ouro.
O documentário nos traz ainda o Coronel, na época Major, Sebastião Curió. Figura fundamental na história de Serra Pelada. Designado pelo governo militar para cuidar da região, após a Guerra do Araguaia, Curió trouxe melhorias para a população, brigou pelos direitos dos garimpeiros, diminuiu a taxa obrigatória para 10%, mas também trouxe suas regras. Entre elas o de não permitir mulheres no local, nem bebidas alcoólicas, organizando os garimpeiros como soldados em combate, com direito a momento de hastear a bandeira e cantar o Hino Nacional. Posteriormente, se tornou o prefeito da cidade que ali se formou e que ganhou o seu nome, Curionópolis, mas alguns garimpeiros perceberam que nem tudo em suas ações eram benfeitorias.
É interessante ainda a forma como o documentário vai nos mostrando as modificações geográficas da região. A forma como uma montanha foi transposta nas costas de milhares de homens é impressionante. Assim como todas as mudanças da vegetação. A parte política e histórica também é conduzida de uma maneira interessante, desde o mandato de Collor dando a região para Vale, passando pela privatização da mesma no governo FHC, até a restituição da região para as mãos dos garimpeiros.
Serra Pelada, A Lenda da Montanha de Ouro nos traz principalmente isso. A certeza de que a lenda não é apenas uma lenda, mas um sonho vivo até hoje na vida de muitas pessoas que ainda vivem do garimpo e aguardam o momento em que conseguirão encontrar o ouro prometido. No mínimo, um documentário curioso sobre o que se passa em nosso próprio país.
Serra Pelada, A Lenda da Montanha de Ouro (idem, 2013 / Brasil
Direção: Victor Lopes
Roteiro: Maurício Lissovsky e Vitor Lopes.
Duração: 143 min.