Home
cinema baiano
cinema brasileiro
entrevista
materias
Sylvia Abreu
Sylvia Abreu e a dificuldade de se fazer cinema independente
Sylvia Abreu e a dificuldade de se fazer cinema independente
Pronto desde 2009, o filme Pau Brasil do cineasta baiano Fernando Belens esperava uma oportunidade de distribuição. Naquele ano, após um difícil processo de produção, o filme teve sua avant première no Seminário de Cinema da Bahia (hoje, Cine Futuro), com a sala do Teatro Castro Alves lotada. Passou pelo Festival do Paraná do mesmo ano, onde levou prêmios de melhor ator para Bertrand Duarte, melhor atriz coadjuvante para a dupla Milena Flick e Fernanda Belling e melhor direção de arte para Moacyr Gramacho. O filme ainda foi um dos selecionados da Mostra de SP, mas não conseguiu atrair o interesse das distribuidoras para o lançamento comercial.
"Não é um filme de grande apelo popular, não é uma comédia, não tem atores globais, além de ser um filme difícil mesmo, denso. Então, as distribuidoras não tinham interesse, nem nós tínhamos verba para uma distribuição mínima", explica a produtora executiva Sylvia Abreu. Cinco anos depois e mais um edital vencido, Pau Brasil finalmente estreia com um planejamento modesto. São quatro cópias distribuídas entre Salvador e São Paulo, com perspectiva de chegar em breve ao Rio de Janeiro.
Essa é a realidade os filmes independentes. Não apenas na Bahia, ou mesmo no Brasil, como reforça a própria Sylvia Abreu, mas do cinema mundial. "O Georg Maas, diretor do filme Duas Vidas, indicado ao Oscar, disse que para ele conseguir fazer um filme são dez anos. Isso na Alemanha, então, não é uma realidade só no Brasil", diz a produtora.
Com sete longa-metragens no currículo, Sylvia Abreu se diz, muitas vezes pessimista em relação ao mercado cinematográfico alternativo. Segundo a produtora, parece que as pessoas não tem mais o prazer de ir ao cinema simplesmente para ver um filme, seja ele qual for. É aquela velha máxima do entretenimento, do cinema pipoca de shoppings, onde as comédias vencem a briga, sem dar espaço para outros gêneros. O Brasil tem em média 2 mil salas de cinema, e a grande maioria está ocupada com blockbusters. A boa notícia é que antes eram apenas os americanos, e hoje, o Brasil já tem sua própria leva de arrasa quarteirões, composta pelas comédias.
"Felizmente, essas comédias estão mudando a visão do público em relação ao filme brasileiro, quebrando o preconceito. Mas o que atrai é apenas isso. Comédias com um padrão que a televisão ensinou o público a ver. Aí, o filme que não está nesse padrão causa um certo estranhamento. Só que o pior é que, na maioria das vezes, ele não tem nem a oportunidade de ser mostrado ao público, para ver se gosta ou não. Um filme com quatro cópias não tem como chegar a todos e fica pouco tempo na sala. Então, a maioria das pessoas não vai saber sequer que existe um filme chamado Pau Brasil que está nos cinemas", lamenta Sylvia.
Uma das possíveis soluções apontadas pela produtora para mudar essa realidade é a educação. Um projeto de cinema na escola poderia ser uma forma de acostumar o público a ver filmes. Uma videoteca, um programa de incentivo para que os professores passem filmes nas salas, discuta com os alunos. Como já fazem com livros. Afinal, isso também é um aprendizado e também é cultura. Se a pessoa não se acostuma a ver todo tipo de filme, fica mesmo difícil escolhê-los na hora do lazer.
Pau Brasil é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Dinorath do Valle, que ganhou o Prêmio Casa de las Américas de 1984. O livro, inclusive, está esgotado e mesmo com o lançamento do filme, não houve interesse em uma reedição da obra por parte de nenhuma editora. O que demonstra a extrema dificuldade e quase invisibilidade da produção baiana, que a despeito de sua qualidade técnica e artística, não parece despertar o interesse do público.
Na trama, vemos duas famílias distintas em uma cidadezinha no interior da Bahia, que parece perdida no tempo e espaço. De um lado, a família de Nives (Bertrand Duarte), que possui uma postura liberal atípica diante da sociedade conservadora, do outro, a família de Nelson (Oswaldo Mil) que parece defender a bandeira dos bons costumes, apesar de ser apenas uma fachada. Há um retrato cruel sobre a pobreza, a intolerância, a hipocrisia e a falta de perspectivas na vida.
"É um filme que abre espaço para a gente pensar", afirma Sylvia Abreu. "Eu particularmente gosto de filmes que me fazem pensar. Então, esse conceito de filme de entretenimento, acho relativo, porque para mim isso é entretenimento. É a coisa que mais gosto de fazer, me entretém, me dá prazer. Mas, criaram essa ideia de que entretenimento é o que nos faz rir. Então, as pessoas acham que filme de entretenimento é aquele em que você ri um bocado. Eu não gosto de dividir os filmes nessas categorias. Acho que as pessoas devem ir para ver uma coisa diferente, para pensar, para conhecer outros mundos, outras ideias. Acho que cinema sempre vale a pena", completa.
Concordamos muito com Sylvia, "cinema sempre vale a pena". E é só vendo muitos filmes que vamos conseguir aprender, experimentar e vibrar com essa arte. E é preciso que haja espaço para todos eles, seja na salas de cinema, seja nos meios de comunicação e em discussões na internet. Atualmente, produzindo o filme Travessia que tem nomes conhecidos como Caio Castro e Chico Diaz no elenco, a produtora percebe a diferença do tratamento da imprensa em geral. "Outro problema que temos com os filmes baianos, é que a gente não consegue espaço na mídia para divulgá-lo. A gente não vê jornalistas nos procurando para falar com os atores, para saber do filme. Estou vendo isso agora com Pau Brasil, que o espaço de mídia é pequeno. No entanto, em relação à Travessia, que ainda nem aconteceu, a gente tem tido um grande assédio por conta do ator Caio Castro", explica.
E mesmo diante desse cenário complexo, ela não desiste e acredita que ainda é possível investir e produzir cinema. Mas lembra que é uma arte cara, que precisa de incentivo e de viabilidades para se tornar um negócio rentável. "Eu acho que as pessoas devem fazer filmes com o que tem, com o que conseguem. Devem sempre fazer. Mas, acho que existe uma linha de pessoas que criticam porque se gasta muito dinheiro para fazer um filme. Eu acho que cinema é uma atividade cara, é necessário ter dinheiro. Pau Brasil foi um filme feito com pouquíssimo dinheiro, mas o mínimo necessário para ter a qualidade técnica que ele tem. Uma fotografia linda, um som perfeito. E o que gastamos em toda a produção e finalização não é um terço do que os americanos gastam só com propaganda", desabafa.
Pau Brasil foi montado e finalizado na Alemanha, na produtora 40º Filmproduktion do brasileiro Andre Bendocchi Alves, que se encantou com o filme e resolveu tornar-se co-produtor. E é possível ver esse cuidado na obra, seja em imagem ou som. Há qualidade também nos atores e no textos, ainda que seja, de fato, de difícil acesso às grandes massas, por ter uma estrutura diferente do cinema clássico, assim como ter a figura do arauto grego, criando digressões filosóficas. Ainda assim, é possível a qualquer um compreender a história e o objetivo do filme. Só falta mesmo chegar ao público, ainda que em trabalho de formiga, no boca-a-boca e em textos como esse. Falta muito ao cinema independente, mas já conseguimos ver uma luz no fim do túnel. Vamos torcer para que outros surjam a cada dia.
"Não é um filme de grande apelo popular, não é uma comédia, não tem atores globais, além de ser um filme difícil mesmo, denso. Então, as distribuidoras não tinham interesse, nem nós tínhamos verba para uma distribuição mínima", explica a produtora executiva Sylvia Abreu. Cinco anos depois e mais um edital vencido, Pau Brasil finalmente estreia com um planejamento modesto. São quatro cópias distribuídas entre Salvador e São Paulo, com perspectiva de chegar em breve ao Rio de Janeiro.
Essa é a realidade os filmes independentes. Não apenas na Bahia, ou mesmo no Brasil, como reforça a própria Sylvia Abreu, mas do cinema mundial. "O Georg Maas, diretor do filme Duas Vidas, indicado ao Oscar, disse que para ele conseguir fazer um filme são dez anos. Isso na Alemanha, então, não é uma realidade só no Brasil", diz a produtora.
Com sete longa-metragens no currículo, Sylvia Abreu se diz, muitas vezes pessimista em relação ao mercado cinematográfico alternativo. Segundo a produtora, parece que as pessoas não tem mais o prazer de ir ao cinema simplesmente para ver um filme, seja ele qual for. É aquela velha máxima do entretenimento, do cinema pipoca de shoppings, onde as comédias vencem a briga, sem dar espaço para outros gêneros. O Brasil tem em média 2 mil salas de cinema, e a grande maioria está ocupada com blockbusters. A boa notícia é que antes eram apenas os americanos, e hoje, o Brasil já tem sua própria leva de arrasa quarteirões, composta pelas comédias.
"Felizmente, essas comédias estão mudando a visão do público em relação ao filme brasileiro, quebrando o preconceito. Mas o que atrai é apenas isso. Comédias com um padrão que a televisão ensinou o público a ver. Aí, o filme que não está nesse padrão causa um certo estranhamento. Só que o pior é que, na maioria das vezes, ele não tem nem a oportunidade de ser mostrado ao público, para ver se gosta ou não. Um filme com quatro cópias não tem como chegar a todos e fica pouco tempo na sala. Então, a maioria das pessoas não vai saber sequer que existe um filme chamado Pau Brasil que está nos cinemas", lamenta Sylvia.
Uma das possíveis soluções apontadas pela produtora para mudar essa realidade é a educação. Um projeto de cinema na escola poderia ser uma forma de acostumar o público a ver filmes. Uma videoteca, um programa de incentivo para que os professores passem filmes nas salas, discuta com os alunos. Como já fazem com livros. Afinal, isso também é um aprendizado e também é cultura. Se a pessoa não se acostuma a ver todo tipo de filme, fica mesmo difícil escolhê-los na hora do lazer.
Pau Brasil é uma adaptação do livro de mesmo nome escrito por Dinorath do Valle, que ganhou o Prêmio Casa de las Américas de 1984. O livro, inclusive, está esgotado e mesmo com o lançamento do filme, não houve interesse em uma reedição da obra por parte de nenhuma editora. O que demonstra a extrema dificuldade e quase invisibilidade da produção baiana, que a despeito de sua qualidade técnica e artística, não parece despertar o interesse do público.
Na trama, vemos duas famílias distintas em uma cidadezinha no interior da Bahia, que parece perdida no tempo e espaço. De um lado, a família de Nives (Bertrand Duarte), que possui uma postura liberal atípica diante da sociedade conservadora, do outro, a família de Nelson (Oswaldo Mil) que parece defender a bandeira dos bons costumes, apesar de ser apenas uma fachada. Há um retrato cruel sobre a pobreza, a intolerância, a hipocrisia e a falta de perspectivas na vida.
"É um filme que abre espaço para a gente pensar", afirma Sylvia Abreu. "Eu particularmente gosto de filmes que me fazem pensar. Então, esse conceito de filme de entretenimento, acho relativo, porque para mim isso é entretenimento. É a coisa que mais gosto de fazer, me entretém, me dá prazer. Mas, criaram essa ideia de que entretenimento é o que nos faz rir. Então, as pessoas acham que filme de entretenimento é aquele em que você ri um bocado. Eu não gosto de dividir os filmes nessas categorias. Acho que as pessoas devem ir para ver uma coisa diferente, para pensar, para conhecer outros mundos, outras ideias. Acho que cinema sempre vale a pena", completa.
Concordamos muito com Sylvia, "cinema sempre vale a pena". E é só vendo muitos filmes que vamos conseguir aprender, experimentar e vibrar com essa arte. E é preciso que haja espaço para todos eles, seja na salas de cinema, seja nos meios de comunicação e em discussões na internet. Atualmente, produzindo o filme Travessia que tem nomes conhecidos como Caio Castro e Chico Diaz no elenco, a produtora percebe a diferença do tratamento da imprensa em geral. "Outro problema que temos com os filmes baianos, é que a gente não consegue espaço na mídia para divulgá-lo. A gente não vê jornalistas nos procurando para falar com os atores, para saber do filme. Estou vendo isso agora com Pau Brasil, que o espaço de mídia é pequeno. No entanto, em relação à Travessia, que ainda nem aconteceu, a gente tem tido um grande assédio por conta do ator Caio Castro", explica.
E mesmo diante desse cenário complexo, ela não desiste e acredita que ainda é possível investir e produzir cinema. Mas lembra que é uma arte cara, que precisa de incentivo e de viabilidades para se tornar um negócio rentável. "Eu acho que as pessoas devem fazer filmes com o que tem, com o que conseguem. Devem sempre fazer. Mas, acho que existe uma linha de pessoas que criticam porque se gasta muito dinheiro para fazer um filme. Eu acho que cinema é uma atividade cara, é necessário ter dinheiro. Pau Brasil foi um filme feito com pouquíssimo dinheiro, mas o mínimo necessário para ter a qualidade técnica que ele tem. Uma fotografia linda, um som perfeito. E o que gastamos em toda a produção e finalização não é um terço do que os americanos gastam só com propaganda", desabafa.
Pau Brasil foi montado e finalizado na Alemanha, na produtora 40º Filmproduktion do brasileiro Andre Bendocchi Alves, que se encantou com o filme e resolveu tornar-se co-produtor. E é possível ver esse cuidado na obra, seja em imagem ou som. Há qualidade também nos atores e no textos, ainda que seja, de fato, de difícil acesso às grandes massas, por ter uma estrutura diferente do cinema clássico, assim como ter a figura do arauto grego, criando digressões filosóficas. Ainda assim, é possível a qualquer um compreender a história e o objetivo do filme. Só falta mesmo chegar ao público, ainda que em trabalho de formiga, no boca-a-boca e em textos como esse. Falta muito ao cinema independente, mas já conseguimos ver uma luz no fim do túnel. Vamos torcer para que outros surjam a cada dia.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Sylvia Abreu e a dificuldade de se fazer cinema independente
2014-04-29T08:00:00-03:00
Amanda Aouad
cinema baiano|cinema brasileiro|entrevista|materias|Sylvia Abreu|
Assinar:
Postar comentários (Atom)
cadastre-se
Inscreva seu email aqui e acompanhe
os filmes do cinema com a gente:
os filmes do cinema com a gente:
No Cinema podcast
anteriores deste site
mais populares do site
-
O Soterópolis programa cultural da TVE Bahia, fez uma matéria muito interessante sobre blogs baianos. Esta que vos fala deu uma pequena con...
-
O CinePipocaCult adverte: se você sofre de claustrofobia, síndrome do pânico ou problemas cardíacos é melhor evitar esse filme. Brincadeiras...
-
Eletrizante é a melhor palavra para definir esse filme de Tony Scott . Que o diretor sabe fazer filmes de ação não é novidade, mas uma tra...
-
Cinema Sherlock Homes O filme de destaque atualmente é esta releitura do clássico do mistério pelas mãos de Guy Ritchie. O ex de Madonna p...
-
Fui ao cinema sem grandes pretensões. Não esperava um novo Matrix, nem mesmo um grande filme de ação. Difícil definir Gamer, que recebeu du...
-
Clint Eastwood me conquistou aos poucos. Ele sabe como construir um filme que emociona e, agora, parece ter escolhido Matt Damon como seu ...
-
Com previsão de lançamento para maio desse ano, Estranhos , primeiro longa do diretor Paulo Alcântara terá pré-estreia (apenas convidados) ...
-
Creed II é uma montanha-russa de emoções intensas que continua o legado da franquia Rocky sem jamais se desviar da essência de um bom dram...
-
Spike Lee é um diretor cuja filmografia sempre esteve fortemente enraizada em questões de identidade racial e justiça social e sua cinebiog...