
Não deixa de ser curioso que o
filme Getúlio tenha estreado no dia 01 de maio, Dia do Trabalho. O "pai dos pobres" foi, de fato, o
político que mais direitos deu ao
trabalhador brasileiro, ainda que também os tenha tirado nos longos anos de ditadura que chefiou.
Getúlio foi fascista e populista, mas pouco disso é mostrado no
filme de
João Jardim, que enaltece sua figura nos últimos dias de sua vida.
A trama começa com o episódio do atentado à vida do político
Carlos Lacerda que vitimou o major
Rubens Vaz. Toda a pressão
política em torno do nome de
Getúlio Vargas e sua guarda pessoal leva a uma crise sem precedentes na história da recente república brasileira. O clima fica quase insustentável, denúncias sucessivas de corrupção, clima de tensão e exigências de renúncia tornam a vida no
Palácio do Catete bastante difícil. Principalmente para o
presidente.

E é na figura desse homem que
João Jardim concentra sua câmera. Até demais, vide os excessivos
closes no personagem que tornam a direção inconsistente e quase risível. Ao focar na visão do
presidente e de sua leal filha
Alzira Vargas,
Getúlio, o
filme, nos dá quase um tratado de redenção do
presidente. Uma vítima inocente de uma situação política complexa, onde interesses diversos estavam em jogo, e nenhum deles preocupado com o país.
É verdade que frases são ditas assumindo as culpas pretéritas de
Getúlio, como "rasguei duas constituições" ou "não me arrependo de ter sido um ditador". Mas, a forma como ele se apresenta nesses dezenove últimos dias de vida parecem redimi-lo de qualquer coisa. Isso é perigoso. Vendem um mártir como os livros de História já venderam sem ponderar todos os lados.
Lacerda se torna um oportunista sem escrúpulos no
filme. E toda história tem os seus dois lados.

A interpretação e carisma de
Tony Ramos também ajudam na composição heróica de
Getúlio. A forma como o ator se entrega a esse homem atormentado é admirável. Há cenas belas de dor e compaixão, até mesmo de preocupação com o rumo dos acontecimentos. A cena em que ele fica sabendo da citação do nome do filho
Lutero Vargas no esquema, por exemplo, é uma das mais fortes do
filme. E é curioso também a forma como
João Jardim utiliza muitos espelhos em cena, sempre nos mostrando o
Getúlio e seu reflexo, em um jogo interessante de o que é real ou não naquilo tudo.

Ainda assim, a exaltação de sua figura permanece. E há uma insistência incompreensível de marcar tudo de uma maneira histórica. Começando pelo resumo ditado pelo próprio
Getúlio, uma solução inteligente, já que a voz de
Tony Ramos e a imagem desfocada nos traz algo mais agradável do que uma apresentação mais formal. Da forma que se apresenta, é uma aula de História, mas tem um viés dramático, como se começássemos a entrar na alma daquele ser. Mas, o que chama a atenção mesmo são as legendas a cada aparição de um novo personagem histórico, dando nome e cargo de cada um deles.
O
filme Getúlio defende uma tese, apesar de ser um ditador e seu
Estado Novo ter vitimado milhares de pessoas,
Getúlio era um homem bom, preocupado com o seu país e com o seu povo. E até mesmo a sua morte nos foi propícia, retardando um golpe militar que só aconteceria dez anos depois. Essa defesa tão ferrenha acaba desvirtuando o
filme de nos apresentar todos os lados da história, o que pode ser perigoso. Ainda assim, tem seus méritos, principalmente na reconstituição de época e na interpretação de
Tony Ramos e
Drica Moraes.
P.S. Em determinado momento da trama, uma cena nos fará inconscientemente lembrar de uma certa propaganda de carne. Até que ponto isso foi piada interna...
Getúlio (Getúlio, Brasil / 2014)
Direção: João Jardim
Roteiro: João Jardim e George Moura
Com: Tony Ramos, Alexandre Borges, Drica Moraes, Leonardo Medeiros
Duração: 100 min.