Triunfo
Triunfo é um filme diferente, que busca trazer a linguagem do rap para a alma do documentário. Toda a trama é narrada por músicas em formato de rap e por um locutor de uma rádio fictícia, interpretado por Thaíde (Altair Gonçalves). Isso traz dinâmica ao filme e o deixa com estilo próprio. Para brincar ainda mais com o formato, há encenações com diversas pessoas diferentes ouvindo esta rádio, nas ruas, em casa, nos bares. Mostrando também uma variedade de aparelhos, quase como se retornássemos à Era do Rádio.
E tudo isso é a cara de Nelson Triunfo, música, povo e as ruas. Não há melhor maneira mesmo de contar a sua história. Um pernambucano da cidade de Triunfo, que foi para o Sudeste em busca de sua arte. Dançando, primeiro em bailes, depois nas ruas, com sua cabeleira black power, Triunfo marcou uma época, puxou um movimento e influenciou artistas diversos, a ponto de ser escolhido para integrar a comissão de recepção de James Brown em sua vinda ao Brasil.
Chamado de O Homem Árvore por Tony Tornado, ele espalhou o movimento black pelo país, divulgando a soul music, através de grupos como o Black Soul Brothers e o Furacão 2000. Dançando na esquina da 24 de maio, ele criou tradição em São Paulo e foi parar até na abertura da telenovela Partido Alto, da Rede Globo. Mas, mais do que isso, ele abriu portas para novos artistas e inspirou-os em seu caminho. Pelo menos é isso que o filme procura demonstrar, seja nos depoimentos rememorando os momentos passados ou mesmo os artistas atuais.
O documentário vai costurando essa história, com poucas imagens de arquivo, talvez por não tê-las, mas que acabou criando um estilo, através desse programa de rádio que funciona bem. Através da narração, dos depoimentos, da música e das poucas imagens, somos transportados no tempo e vamos acompanhando tudo isso de uma maneira bastante intensa.
Talvez, o filme só falhe na parte que fala do momento atual de Triunfo, após o movimento ganhar corpo em São Bento e não depender mais tanto de sua imagem, ele vai para a periferia, levar o Hip Hop para as escolas, como uma forma pedagógica, visando tirar os meninos dos caminhos errados. Só que em vez de mostrar esse trabalho, esses meninos, ou alguma consequência disso, nos mostram uma entrevista do artista no Jô Soares, como se precisasse dessa legitimação. Nada contra o programa em si, mas, isso traz uma quebra no que estava sendo construído até então.
De qualquer maneira, Triunfo é um filme criativo, envolvente e que brinca com o formato de uma maneira muito própria e coerente com o tema. Merece, de fato, o destaque que conseguiu no Festival e vamos torcer por uma boa carreira em Barcelona.
Triunfo (2014 / Brasil)
Direção: Cauê Angeli e Hernani Ramos
Duração: 84 min.
A Farra do Circo
Já A Farra do Circo é o extremo oposto. Costurado exclusivamente por imagens de arquivo, o filme resgata a história do Circo Voador no Rio de Janeiro, buscando o seu clima e os artistas que passaram por lá. A única interferência atual encontra-se nas legendas que por vezes nos guia, apresentando artistas ou épocas.
A história é contada através de depoimentos e entrevistas da época, produzidos pelos próprios artistas ou por televisões que vão nos mostrando desde a formação inicial, as dificuldades financeiras, a nova sede, a viagem para o México, os bons e os maus momentos.
Curioso que não há uma cronologia tão rígida, até porque um grupo que sempre foi tão livre, não deveria mesmo ter uma narrativa "careta". É quase uma questão cíclica, tanto que eles começam e terminam com a participação do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, encabeçado por Regina Casé e Luiz Fernando Guimarães, mas que teve artistas como Patrícia Pilar, Patrícia Travassos, Evandro Mesquita, entre outros.
A mescla de imagens vai nos dando uma noção da importância cultural do circo para aquela época, seja nas plateias lotadas ou nos palcos onde vemos artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Barão Vermelho (ainda com Cazuza), Paralamas do Sucesso. Há também apresentações da orquestra Tabajara e uma apresentação de Dercy Gonçalves. Em determinado momento, as câmeras flagram Abelardo Barbosa, o Chacrinha na plateia e ele fala da importância do espaço para a cultura brasileira.
A Farra do Circo é um nome mais do que propício para o documentário, pois é isso mesmo que aqueles anos nos parecem ter sido. Uma grande farra. Vide a caravana que vai ao México para acompanhar a Copa do Mundo de 1986. Foram com um projeto e perderam o patrocínio no meio, pela desorganização, segundo o marketing da Coca-Cola, e pela falsa promessa de que levariam "grandes artistas brasileiros", segundo o Governo do México. E é divertido ver que eles até concordam com os argumentos e não se importam muito com isso.
Dinheiro não era o grande objetivo do grupo. Era uma filosofia libertária de simplesmente ser, além do estabelecido. Eles se divertiam e divertiam as pessoas, abrindo espaço para artistas diversos e os aproximando do seu público. E o documentário cumpre muito bem a função de tentar traduzir tudo isso em imagens.
A Farra do Circo (2014 / Brasil)
Direção: Roberto Berliner e Pedro Bronz
Duração: 93 min.