
A peça do escritor paraibano é um retrato do povo nordestino. Com sua sagacidade, Suassuna faz uma crítica à hipocrisia, defende o cangaço e lida com a fé de uma maneira divertida e irônica. O cinema brasileiro já tinha lhe prestado uma homenagem digna com Os Trapalhões no Auto da Compadecida, mas aqui, a obra ganhou seu caráter definitivo.

Na peça, Suassuna usa a figura do palhaço como apresentador, pontuando a cada ato o destino dos personagens e conversando com o público. Na versão de Guel Arraes, esse recurso foi suprimido, o que é justificado pela adaptação. Na versão dos Trapalhões, ele funciona pela própria proposta do grupo, mas na linguagem deste filme acabaria sendo um elemento estranho.

A produção contou com um elenco de destaque a começar pelo próprio João Grilo que na interpretação de Matheus Nachtergaele ganhou uma vida ainda mais fascinante. O Chicó de Selton Mello também marcou seu espaço. Assim como o casal Diogo Vilela e Denise Fraga, oscilando harmonicamente entre drama e comédia. O padre interpretado por Rogério Cardoso, o Bispo Lima Duarte, o Jesus Maurício Gonçalves e a Nossa Senhora Fernanda Montenegro também merecem destaque, assim como Luís Melo como o diabo. Destaco ainda, além da interpretação, a maquiagem de Marco Nanini como o cangaceiro Severino, sua primeira aparição fingindo mendigo está irreconhecível.

O terceiro ato, onde ocorre o julgamento, sempre foi a minha parte preferida. Na versão dos Trapalhões, ficou um pouco caricata, até pelos recursos da época. Aqui, Guel Arraes conseguiu equilibrar a fantasia com as possibilidades de efeitos e realidade, nos dando tensão, medo e emoções diversas a cada ponto debatido. O único senão seria o efeito do rosto de Luís Melo tornando-se a besta em alguns momentos.
De qualquer maneira, o filme acaba sendo uma homenagem à obra original e também uma construção própria bem feita e envolvente. Daqueles que temos orgulho de figurar na filmografia de nosso país. Qualidade, apelo popular e algo a mais que discute nossa própria cultura e nosso povo.
O Auto da Compadecida (O Auto da Compadecida, 2000 / Brasil)
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão
Com: Matheus Nachtergaele, Selton Mello, Rogério Cardoso, Denise Fraga, Diogo Vilela, Luís Melo, Lima Duarte, Fernanda Montenegro, Marco Nanini.
Duração: 104 min.