Cova Rasa
Revendo Cova Rasa após um tempo, temos a sensação de que este foi um rascunho de Danny Boyle para o seu filme seguinte. Em Trainspotting, ele aprofunda muito do que foi construído aqui, inclusive melhorando a virada final.
A trama se passa quase toda em um apartamento, onde vivem três amigos, Juliet Miller, Alex Law e David Stephens. Em sua busca por um novo companheiro de quarto, eles acabam acolhendo o desconhecido Hugo, que é encontrado morto por overdose e ao seu lado uma mala cheia de dinheiro. Na incerteza do que fazer, a vida os três muda completamente, inclusive a relação entre eles.
O clima inicial pode ser comparado também a Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci. Três jovens descolados, divertidos, belos, que vivem sem regras em um mundo próprio. Parece difícil transpor aquela barreira e todos os entrevistados acabam, de certa forma, ridicularizados. É interessante que Hugo, o escolhido, acabe sendo entrevistado apenas por Juliet e aceito pelos demais por sua postura reservada.
Do choque da morte à tentação do dinheiro, os personagens se reconstroem em pactos e decisões difíceis que nos levam também a pensar em nossos próprios valores e atitudes. Afinal, o que faríamos naquela situação? Vale a pena arriscar um dinheiro que não é nosso? E a amizade, pode sobreviver a tantos traumas que as decisões em prol do escuso que nos obrigam a fazer?
Não perguntas que Danny Boyle não quer exatamente responder com seu filme, mas apenas construir a experiência lúdica de uma situação extrema. A transformação dos personagens, de um em específico vai nos dando subsídios para pensar a própria natureza humana e as possibilidades de um ser reprimido em se rebelar diante de situações extremas. O limite da morte, os limites da consciência. O desejo pelo poder que o dinheiro traz.
A montagem frenética, com diversas cenas conceituais que se tornaram uma característica do diretor ajudam a construir um efeito quase onírico em diversas cenas. Desde as tentativas no lago, passando pela tarde de brincadeiras, até o esconderijo forjado. A cena da bonequinha engatinhando, por exemplo, nos dá uma sensação incrivelmente assustadora e acaba fazendo eco com o bebê de Trainspotting, da mesma forma que o personagem de Ewan McGregor nos traz um déjà vu às avessas.
Por falar, em Ewan McGregor, os três atores conseguem construir uma densidade incrível para a trama e a transformação dos personagens. A cumplicidade inicial, a disputa que vai surgindo na espécie de triângulo amoroso velado. A forma com a paranoia toma conta de um deles após o trauma do lago. Tudo é crível e envolvente. Ainda que a virada final não seja tão bem resolvida.
De qualquer maneira, Cova Rasa é uma experiência intensa. Cheia de problemas éticos, mas muito bem construído, com uma direção de arte cuidadosa em uma estética congruente. Mas, vista hoje, após conhecer a obra de Danny Boyle, parece mesmo um filme ensaio que ainda seria aprofundado em outras oportunidades.
Cova Rasa (Shallow Grave, 1994 / EUA)
Direção: Danny Boyle
Roteiro: John Hodge
Com: Kerry Fox, Christopher Eccleston, Ewan McGregor
Duração: 92 min.
A trama se passa quase toda em um apartamento, onde vivem três amigos, Juliet Miller, Alex Law e David Stephens. Em sua busca por um novo companheiro de quarto, eles acabam acolhendo o desconhecido Hugo, que é encontrado morto por overdose e ao seu lado uma mala cheia de dinheiro. Na incerteza do que fazer, a vida os três muda completamente, inclusive a relação entre eles.
O clima inicial pode ser comparado também a Os Sonhadores de Bernardo Bertolucci. Três jovens descolados, divertidos, belos, que vivem sem regras em um mundo próprio. Parece difícil transpor aquela barreira e todos os entrevistados acabam, de certa forma, ridicularizados. É interessante que Hugo, o escolhido, acabe sendo entrevistado apenas por Juliet e aceito pelos demais por sua postura reservada.
Do choque da morte à tentação do dinheiro, os personagens se reconstroem em pactos e decisões difíceis que nos levam também a pensar em nossos próprios valores e atitudes. Afinal, o que faríamos naquela situação? Vale a pena arriscar um dinheiro que não é nosso? E a amizade, pode sobreviver a tantos traumas que as decisões em prol do escuso que nos obrigam a fazer?
Não perguntas que Danny Boyle não quer exatamente responder com seu filme, mas apenas construir a experiência lúdica de uma situação extrema. A transformação dos personagens, de um em específico vai nos dando subsídios para pensar a própria natureza humana e as possibilidades de um ser reprimido em se rebelar diante de situações extremas. O limite da morte, os limites da consciência. O desejo pelo poder que o dinheiro traz.
A montagem frenética, com diversas cenas conceituais que se tornaram uma característica do diretor ajudam a construir um efeito quase onírico em diversas cenas. Desde as tentativas no lago, passando pela tarde de brincadeiras, até o esconderijo forjado. A cena da bonequinha engatinhando, por exemplo, nos dá uma sensação incrivelmente assustadora e acaba fazendo eco com o bebê de Trainspotting, da mesma forma que o personagem de Ewan McGregor nos traz um déjà vu às avessas.
Por falar, em Ewan McGregor, os três atores conseguem construir uma densidade incrível para a trama e a transformação dos personagens. A cumplicidade inicial, a disputa que vai surgindo na espécie de triângulo amoroso velado. A forma com a paranoia toma conta de um deles após o trauma do lago. Tudo é crível e envolvente. Ainda que a virada final não seja tão bem resolvida.
De qualquer maneira, Cova Rasa é uma experiência intensa. Cheia de problemas éticos, mas muito bem construído, com uma direção de arte cuidadosa em uma estética congruente. Mas, vista hoje, após conhecer a obra de Danny Boyle, parece mesmo um filme ensaio que ainda seria aprofundado em outras oportunidades.
Cova Rasa (Shallow Grave, 1994 / EUA)
Direção: Danny Boyle
Roteiro: John Hodge
Com: Kerry Fox, Christopher Eccleston, Ewan McGregor
Duração: 92 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Cova Rasa
2014-11-17T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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