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Homayoun Ershadi
Gosto de Cereja
Gosto de Cereja
Há filmes que nos convidam a uma imersão tão profunda e instigante que ficam conosco, vem e vão em busca de significados não apenas para a história contada, mas para a própria vida. Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1997, Gosto de Cereja é deles.
O iraniano Abbas Kiarostami nos coloca dentro do carro do Sr. Badii nos fazendo acompanhar sua angustiante busca por uma ajuda estranha. A partir disso, nos tornamos próximos dele e de seus passageiros, apesar de não sabermos nada sobre eles. Pelo menos, nada sobre o real motivo daquela busca, já que nada é explicitado, apesar de algumas pistas.
O comando é muito claro: "Você vai ao buraco às seis horas da manhã e chama o meu nome duas vezes. Se eu responder você me dá a mão para sair, se não, você joga vinte pás de terra em cima". Qual o real pedido por trás dessa proposta, talvez nem Freud explique. Afinal, o Sr. Baddi não quer apenas se matar, quer um cúmplice que esteja ao seu lado, que cuide dele ou de seu corpo após o processo.
Seu desejo de deixar essa vida é claro, o motivo obscuro, ainda que algumas pistas sejam dadas, como quando ele diz se sentir só e que tem horas que o homem cansa de tudo e não quer "esperar Deus". Mas, seu semblante sereno buscando o cúmplice nos dá indícios de que sua decisão talvez seja mais tranquila que o desespero de quem quer sumir.
A câmera de Abbas Kiarostami é bastante feliz ao nos envolver em seu processo de uma maneira bem tranquila, quase documental. O jogo inicial, onde não sabemos exatamente o que o sr. Badii procura, nos dá inclusive margem para diversas interpretações e preconceitos. Como o próprio rapaz que se irrita com as investidas como se quisesse insinuar um assédio sexual. Ou mesmo algum crime.
Porém, logo a proposta é feita verbalmente não deixando margens para dúvidas. A não ser a dúvida sobre o motivo pelo qual ele quer dar fim à sua vida. Um dos personagens chega a verbalizar isso "se eu soubesse o seu motivo, poderia tentar te ajudar". Mas, essa não é a intenção de Badii, muito menos de seu diretor, que não pretende discutir aqui se seu protagonista tem ou não razão.
Kiarostami discute, no entanto, o suicídio através dos diversos discursos dos passageiros do carro. Não resta dúvidas para eles que aquele é um ato errado. Pecado, crime, ou simplesmente um erro. Mas, há também uma defesa, por vezes velada, do direito de Badii em escolher seu caminho. Não por acaso ele é o condutor do veículo em uma estrada cheia de bifurcações.
É interessante também como o filme intercala momentos extremamente verborrágicos com os diálogos dentro do carro, com outros de pura contemplação, com Baddi andando pelos cenários. É como se ele quisesse que a gente fosse digerindo junto com o protagonista tudo aquilo que foi dito no discurso anterior. Isso torna tudo ainda mais orgânico, é como se, junto a ele, fossemos pesando as escolhas.
Gosto de Cereja se faz nessa construção subjetiva de uma busca por significado para a vida. Ou para ausência dela. Um cenário árido, com poucos espaços para sombras, mas repleto de possibilidades. A metalinguagem final, apenas, poderia ser melhor desenvolvida, mas não mancha a proposta. Muito menos invalida a experiência, que fica conosco por muito tempo.
Gosto de Cereja (Ta'm e guilass, 1997 / Iran / França)
Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Com: Homayoun Ershadi, Abdolrahman Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiari
Duração: 95 min.
O iraniano Abbas Kiarostami nos coloca dentro do carro do Sr. Badii nos fazendo acompanhar sua angustiante busca por uma ajuda estranha. A partir disso, nos tornamos próximos dele e de seus passageiros, apesar de não sabermos nada sobre eles. Pelo menos, nada sobre o real motivo daquela busca, já que nada é explicitado, apesar de algumas pistas.
O comando é muito claro: "Você vai ao buraco às seis horas da manhã e chama o meu nome duas vezes. Se eu responder você me dá a mão para sair, se não, você joga vinte pás de terra em cima". Qual o real pedido por trás dessa proposta, talvez nem Freud explique. Afinal, o Sr. Baddi não quer apenas se matar, quer um cúmplice que esteja ao seu lado, que cuide dele ou de seu corpo após o processo.
Seu desejo de deixar essa vida é claro, o motivo obscuro, ainda que algumas pistas sejam dadas, como quando ele diz se sentir só e que tem horas que o homem cansa de tudo e não quer "esperar Deus". Mas, seu semblante sereno buscando o cúmplice nos dá indícios de que sua decisão talvez seja mais tranquila que o desespero de quem quer sumir.
A câmera de Abbas Kiarostami é bastante feliz ao nos envolver em seu processo de uma maneira bem tranquila, quase documental. O jogo inicial, onde não sabemos exatamente o que o sr. Badii procura, nos dá inclusive margem para diversas interpretações e preconceitos. Como o próprio rapaz que se irrita com as investidas como se quisesse insinuar um assédio sexual. Ou mesmo algum crime.
Porém, logo a proposta é feita verbalmente não deixando margens para dúvidas. A não ser a dúvida sobre o motivo pelo qual ele quer dar fim à sua vida. Um dos personagens chega a verbalizar isso "se eu soubesse o seu motivo, poderia tentar te ajudar". Mas, essa não é a intenção de Badii, muito menos de seu diretor, que não pretende discutir aqui se seu protagonista tem ou não razão.
Kiarostami discute, no entanto, o suicídio através dos diversos discursos dos passageiros do carro. Não resta dúvidas para eles que aquele é um ato errado. Pecado, crime, ou simplesmente um erro. Mas, há também uma defesa, por vezes velada, do direito de Badii em escolher seu caminho. Não por acaso ele é o condutor do veículo em uma estrada cheia de bifurcações.
É interessante também como o filme intercala momentos extremamente verborrágicos com os diálogos dentro do carro, com outros de pura contemplação, com Baddi andando pelos cenários. É como se ele quisesse que a gente fosse digerindo junto com o protagonista tudo aquilo que foi dito no discurso anterior. Isso torna tudo ainda mais orgânico, é como se, junto a ele, fossemos pesando as escolhas.
Gosto de Cereja se faz nessa construção subjetiva de uma busca por significado para a vida. Ou para ausência dela. Um cenário árido, com poucos espaços para sombras, mas repleto de possibilidades. A metalinguagem final, apenas, poderia ser melhor desenvolvida, mas não mancha a proposta. Muito menos invalida a experiência, que fica conosco por muito tempo.
Gosto de Cereja (Ta'm e guilass, 1997 / Iran / França)
Direção: Abbas Kiarostami
Roteiro: Abbas Kiarostami
Com: Homayoun Ershadi, Abdolrahman Bagheri, Afshin Khorshid Bakhtiari
Duração: 95 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Gosto de Cereja
2014-11-09T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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