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Precisamos Falar Sobre o Kevin
Precisamos Falar Sobre o Kevin
Precisamos Falar Sobre o Kevin. Este grito de alerta enquanto título já delineia bem a principal questão do filme de Lynne Ramsay, baseado no livro de Lionel Shriver. Afinal, qual a responsabilidade dos pais nos atos de seus filhos?
Kevin nunca foi um garoto normal. E sua relação com sua mãe sempre foi de amor e ódio. Eva simplesmente não tinha tato com o garoto, não conseguia manter uma relação saudável, nem mesmo se esforçava para isso. Era como se seu espírito livre tivesse sido aprisionado com a maternidade. Muitas vezes, ela pareceu descontar suas frustrações no garoto e por isso se culpa pelo resultado das escolhas dele ao crescer. O filme ainda ajuda chamando-a de Eva, a eterna culpada pelo pecado original.
Mas, o filme também demonstra que Kevin é um psicopata. Segundo a psicanálise, a responsabilidade das atitudes de uma pessoa são 50% da criação, 50% do caráter dela. Se você acreditar em vida passada, essa estatística fica ainda mais complexa. Então, uma das coisas que mais perturba ao assistir ao filme de Lynne Ramsay é a via crucis que Eva passa a penar após os acontecimentos misteriosos e violentos envolvendo Kevin. Principalmente, porque Kevin também tem um pai. Um homem amoroso e incapaz de ver a verdade a sua frente, que mima o filho e o presenteia, vejam só, com arcos e flechas desde muito pequeno.
Enquanto Franklin não enxerga o próprio filho e erra por incompreensão. Eva vê tudo e erra por omissão. Duas atitudes que muitos pais cometem achando que podem esconder os problemas para proteger os filhos e que tudo vai ficar bem. Só que normalmente, nada fica. Principalmente, se o garoto for mesmo um psicopata. Kevin nem sequer sente dor quando quebra o braço e lida com suas emoções de uma maneira assustadoramente fria. Não é difícil prever que algo errado vá acontecer.
E Lynne Ramsay não se esconde disso, esconde apenas os detalhes da tragédia, que vão sendo reveladas aos poucos em um roteiro extremamente hábil em prender a nossa atenção por ser construído em três tempos distintos. O mais antigo, Eva era uma mulher livre na Espanha. O passado mais recente, quando ela vivia com sua família em uma bela casa nos Estados Unidos. E o que podemos chamar de presente, quando, nessa mesma cidade, ela vive sozinha, em uma casa humilde e sendo rechaçada pela vizinhança.
Além da atriz Tilda Swinton, que vive Eva nos três tempos, temos em comum em todas as épocas a constante presença da cor vermelha. O sangue, mas também o símbolo do pecado. A primeira cena de Eva é na festa do tomate (Tomatina), onde ela se diverte completamente lambuzada com a fruta. Vemos vermelho em suas roupas, na tinta que jogam em sua casa e carro, nos detalhes dos móveis da casa, na própria tonalidade da fotografia do filme.
A construção do suspense em torno do que aconteceu com Kevin para tornar a vida de Eva aquilo que se tornou é muito bem feita. As pistas vão sendo construídas aos poucos, sem pressa, sem didatismo. Vamos conhecendo a história aos poucos e lidando com nossa angústia e frustração a cada cena. O duelo entre mãe e filho vai ficando cada vez mais cruel e é difícil entender o porquê dela não ter pedido ajuda. Tilda Swinton consegue construir a personagem com uma intensidade incrível, o que deixa tudo ainda mais instigante.
Precisamos Falar Sobre o Kevin é um filme cruel, denso e envolvente. Nos angustiamos com a simples possibilidade daquela história. Sofremos com a pequena Celia, segunda filha do casal, desde que a vemos com o tapa olho. Queremos abrir os olhos de Franklin. Mas, principalmente, queremos entender por que Eva carrega sozinha toda a culpa dos erros de tantos. Um filme realmente perturbador, não só pelas cenas, mas por tudo que nos faz pensar.
Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011 / EUA)
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Stewart Kinnear
Com: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller
Duração: 112 min.
Kevin nunca foi um garoto normal. E sua relação com sua mãe sempre foi de amor e ódio. Eva simplesmente não tinha tato com o garoto, não conseguia manter uma relação saudável, nem mesmo se esforçava para isso. Era como se seu espírito livre tivesse sido aprisionado com a maternidade. Muitas vezes, ela pareceu descontar suas frustrações no garoto e por isso se culpa pelo resultado das escolhas dele ao crescer. O filme ainda ajuda chamando-a de Eva, a eterna culpada pelo pecado original.
Mas, o filme também demonstra que Kevin é um psicopata. Segundo a psicanálise, a responsabilidade das atitudes de uma pessoa são 50% da criação, 50% do caráter dela. Se você acreditar em vida passada, essa estatística fica ainda mais complexa. Então, uma das coisas que mais perturba ao assistir ao filme de Lynne Ramsay é a via crucis que Eva passa a penar após os acontecimentos misteriosos e violentos envolvendo Kevin. Principalmente, porque Kevin também tem um pai. Um homem amoroso e incapaz de ver a verdade a sua frente, que mima o filho e o presenteia, vejam só, com arcos e flechas desde muito pequeno.
Enquanto Franklin não enxerga o próprio filho e erra por incompreensão. Eva vê tudo e erra por omissão. Duas atitudes que muitos pais cometem achando que podem esconder os problemas para proteger os filhos e que tudo vai ficar bem. Só que normalmente, nada fica. Principalmente, se o garoto for mesmo um psicopata. Kevin nem sequer sente dor quando quebra o braço e lida com suas emoções de uma maneira assustadoramente fria. Não é difícil prever que algo errado vá acontecer.
E Lynne Ramsay não se esconde disso, esconde apenas os detalhes da tragédia, que vão sendo reveladas aos poucos em um roteiro extremamente hábil em prender a nossa atenção por ser construído em três tempos distintos. O mais antigo, Eva era uma mulher livre na Espanha. O passado mais recente, quando ela vivia com sua família em uma bela casa nos Estados Unidos. E o que podemos chamar de presente, quando, nessa mesma cidade, ela vive sozinha, em uma casa humilde e sendo rechaçada pela vizinhança.
Além da atriz Tilda Swinton, que vive Eva nos três tempos, temos em comum em todas as épocas a constante presença da cor vermelha. O sangue, mas também o símbolo do pecado. A primeira cena de Eva é na festa do tomate (Tomatina), onde ela se diverte completamente lambuzada com a fruta. Vemos vermelho em suas roupas, na tinta que jogam em sua casa e carro, nos detalhes dos móveis da casa, na própria tonalidade da fotografia do filme.
A construção do suspense em torno do que aconteceu com Kevin para tornar a vida de Eva aquilo que se tornou é muito bem feita. As pistas vão sendo construídas aos poucos, sem pressa, sem didatismo. Vamos conhecendo a história aos poucos e lidando com nossa angústia e frustração a cada cena. O duelo entre mãe e filho vai ficando cada vez mais cruel e é difícil entender o porquê dela não ter pedido ajuda. Tilda Swinton consegue construir a personagem com uma intensidade incrível, o que deixa tudo ainda mais instigante.
Precisamos Falar Sobre o Kevin é um filme cruel, denso e envolvente. Nos angustiamos com a simples possibilidade daquela história. Sofremos com a pequena Celia, segunda filha do casal, desde que a vemos com o tapa olho. Queremos abrir os olhos de Franklin. Mas, principalmente, queremos entender por que Eva carrega sozinha toda a culpa dos erros de tantos. Um filme realmente perturbador, não só pelas cenas, mas por tudo que nos faz pensar.
Precisamos Falar Sobre o Kevin (We Need to Talk About Kevin, 2011 / EUA)
Direção: Lynne Ramsay
Roteiro: Lynne Ramsay, Rory Stewart Kinnear
Com: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller
Duração: 112 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Precisamos Falar Sobre o Kevin
2015-03-23T08:30:00-03:00
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