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Marcello Novaes
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Casa Grande
Casa Grande
No início dos créditos finais de Casa Grande, vemos uma dedicatória "para meus pais, minha irmã e meu irmão". A ironia quase cruel acaba dando a pista do principal ponto do filme de Fellipe Barbosa. Ele não quer simplesmente criticar, mas discutir e refletir sobre um problema que viu de perto. A perda de poder aquisitivo da classe média alta do país.
O filme acompanha a trajetória de Jean, um garoto que está saindo da escola e vai prestar vestibular. Seu pai está desempregado e o nível de vida da família começa a sofrer consequências, tanto que precisam cortar despesas e demitir empregados. Paralelo a isso, ele está ansioso para engatar um namoro mais duradouro e ter relações sexuais com a companheira. Mas, a garota que conhece é outra classe social, criando alguns atritos com sua família.
Fellipe Barbosa e Karen Sztajnberg não chegam a construir um roteiro com uma narrativa clássica, mas há pontos facilmente identificáveis da trama de Jean e sua família. E tudo isso se constrói em um antagonismo bastante claro entre pai e filho. Hugo, o pai vivido por Marcelo Novaes, não consegue admitir a perda do poder aquisitivo, imbuído em seu orgulho. Já o filho não consegue entender o pai, se revoltando com o silêncio e as mentiras que vão sendo contadas.
A questão da escolha de futuro é um ponto de conflito bem desenvolvido na trama. Jean quer fazer comunicação, ser produtor musical. Seu pai quer que ele seja economista igual a ele, pois tem futuro certo. O que é uma grande ironia, já que ele está na difícil situação financeira atual. Em meio a tudo isso, fica a mãe, que dava aulas de francês e passa a vender produtos de beleza para sustentar a casa. Uma mulher submissa diante das atitudes do marido, ainda que capaz de impor seus limites.
A relação de amizade e limites também é construída entre patrões e empregados. Jean e o motorista Severino, por exemplo, parecem mais cúmplices do que o próprio pai do garoto. É o motorista quem o leva para o bordel onde perde sua virgindade, por exemplo. E com quem ele conversa sobre como pegar mulheres na noite. A forma superprotetora do pai, controlando horários e exigindo disciplina, acaba afastando o garoto, não deixando que se tornem amigos.
Jean também tem na arrumadeira Rita sua confidente. É para o quarto dela que ele foge diversas noites, para conversar sobre sentimentos e desejos, criando inclusive intimidades, mas sem que cheguem a uma relação sexual. É interessante perceber como a direção nos mostra um Jean muito mais a vontade no quarto da empregada do que com sua namorada, por exemplo. Há uma construção de intimidade na postura dos dois, nos gestos, na forma de conversar, que não vemos com a garota.
Aliás, a personagem de Luiza surge mais para criar conflitos que para apaziguar a vida do garoto. Com ela, preconceitos são discutidos, além da própria situação das cotas em universidades públicas. A tentativa de inserir a discussão no texto, no entanto, acaba soando artificial e exagerada em seu clímax. Há uma preparação inicial com discussões à mesa de jantar da família e na sala de aula. Porém, tudo ganha outra proporção em determinado momento que acaba tornando todas as atitudes um tom acima do natural que vinha sendo conduzido o filme.
De qualquer maneira, é interessante como a câmera de Fellipe Barbosa adentra aquele mundo. Olhando de fora, mas com uma intimidade quase instantânea. Apesar de um olhar mais próximo de Jean, temos escolhas de planos e ângulos que muitas vezes nos mostram o ponto de vista dos pais, ou mesmo da irmã, quase ignorada por todos. Na cena do vaso, por exemplo, é com ela que nos identificamos, principalmente pelas pistas anteriores.
Casa Grande é um filme com grande cunho político, discutindo relações não apenas com o dinheiro, mas com o trato humano em geral. Uma forma curiosa de demonstrar uma classe que sempre foi vista como opressora, também oprimida pelos problemas do país e também particulares. Nos dando um interessante drama.
Casa Grande (Casa Grande, 2015 / Brasil)
Direção: Fellipe Barbosa
Roteiro: Fellipe Barbosa, Karen Sztajnberg
Com: Thales Cavalcanti, Marcello Novaes, Suzana Pires, Clarissa Pinheiro, Lucélia Santos
Duração: 115 min.
O filme acompanha a trajetória de Jean, um garoto que está saindo da escola e vai prestar vestibular. Seu pai está desempregado e o nível de vida da família começa a sofrer consequências, tanto que precisam cortar despesas e demitir empregados. Paralelo a isso, ele está ansioso para engatar um namoro mais duradouro e ter relações sexuais com a companheira. Mas, a garota que conhece é outra classe social, criando alguns atritos com sua família.
Fellipe Barbosa e Karen Sztajnberg não chegam a construir um roteiro com uma narrativa clássica, mas há pontos facilmente identificáveis da trama de Jean e sua família. E tudo isso se constrói em um antagonismo bastante claro entre pai e filho. Hugo, o pai vivido por Marcelo Novaes, não consegue admitir a perda do poder aquisitivo, imbuído em seu orgulho. Já o filho não consegue entender o pai, se revoltando com o silêncio e as mentiras que vão sendo contadas.
A questão da escolha de futuro é um ponto de conflito bem desenvolvido na trama. Jean quer fazer comunicação, ser produtor musical. Seu pai quer que ele seja economista igual a ele, pois tem futuro certo. O que é uma grande ironia, já que ele está na difícil situação financeira atual. Em meio a tudo isso, fica a mãe, que dava aulas de francês e passa a vender produtos de beleza para sustentar a casa. Uma mulher submissa diante das atitudes do marido, ainda que capaz de impor seus limites.
A relação de amizade e limites também é construída entre patrões e empregados. Jean e o motorista Severino, por exemplo, parecem mais cúmplices do que o próprio pai do garoto. É o motorista quem o leva para o bordel onde perde sua virgindade, por exemplo. E com quem ele conversa sobre como pegar mulheres na noite. A forma superprotetora do pai, controlando horários e exigindo disciplina, acaba afastando o garoto, não deixando que se tornem amigos.
Jean também tem na arrumadeira Rita sua confidente. É para o quarto dela que ele foge diversas noites, para conversar sobre sentimentos e desejos, criando inclusive intimidades, mas sem que cheguem a uma relação sexual. É interessante perceber como a direção nos mostra um Jean muito mais a vontade no quarto da empregada do que com sua namorada, por exemplo. Há uma construção de intimidade na postura dos dois, nos gestos, na forma de conversar, que não vemos com a garota.
Aliás, a personagem de Luiza surge mais para criar conflitos que para apaziguar a vida do garoto. Com ela, preconceitos são discutidos, além da própria situação das cotas em universidades públicas. A tentativa de inserir a discussão no texto, no entanto, acaba soando artificial e exagerada em seu clímax. Há uma preparação inicial com discussões à mesa de jantar da família e na sala de aula. Porém, tudo ganha outra proporção em determinado momento que acaba tornando todas as atitudes um tom acima do natural que vinha sendo conduzido o filme.
De qualquer maneira, é interessante como a câmera de Fellipe Barbosa adentra aquele mundo. Olhando de fora, mas com uma intimidade quase instantânea. Apesar de um olhar mais próximo de Jean, temos escolhas de planos e ângulos que muitas vezes nos mostram o ponto de vista dos pais, ou mesmo da irmã, quase ignorada por todos. Na cena do vaso, por exemplo, é com ela que nos identificamos, principalmente pelas pistas anteriores.
Casa Grande é um filme com grande cunho político, discutindo relações não apenas com o dinheiro, mas com o trato humano em geral. Uma forma curiosa de demonstrar uma classe que sempre foi vista como opressora, também oprimida pelos problemas do país e também particulares. Nos dando um interessante drama.
Casa Grande (Casa Grande, 2015 / Brasil)
Direção: Fellipe Barbosa
Roteiro: Fellipe Barbosa, Karen Sztajnberg
Com: Thales Cavalcanti, Marcello Novaes, Suzana Pires, Clarissa Pinheiro, Lucélia Santos
Duração: 115 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Casa Grande
2015-04-20T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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