A estrutura do evento consistem em mesas de discussão, mostra internacional, competitiva de curtas e mostras especiais paralelas. Como homenageado desta edição, o cineasta Federico Fellini tem suas principais obras exibidas diariamente na Sala Walter da Silveira.
Nestes primeiros dias, podemos perceber que o Festival não perdeu a sua essência de discutir e apresentar obras diversas que discutem e enriquecem a linguagem cinematográfica. Além de trazer pesquisadores e cineastas de todas as partes do mundo, o que só amplia a importância do evento.
Fellini em pauta
A abertura foi com a mesa "Delírio Fellini" mediada pelo professor Mahomed Bamba com a presença de Lech Majewski, Giacomo Manzoli e Mariarosaria Fabris. Os pesquisadores buscaram passar o que há de especial na obra do cineasta italiano, dialogando principalmente com sua construção onírica da realidade, inspirada na obra de Carl Gustav Jung.Como definiu Mariarosaria Fabris, Fellini foi o cineasta que melhor utilizou o cinema como "terceiro olho", transfigurando o universo através da luz. Sua obsessão pela arte cinematográfica, o fazia mergulhar nas obras como quem mergulha no inconsciente, trazendo à tona questões extremamente profundas sobre o ser humano. Por mais que falasse de suas próprias referências, ele se tornava, então, universal.
O pesquisador Giacomo Manzoli definiu o cineasta como "um gênio que amava se fingir de palhaço". É inegável que o circo foi sempre uma de suas fontes de inspiração. Um espaço libertador onde tudo é permitido. Já o pesquisador Lech Majewski reforçou a importância de Jung na obra do cineasta. Fellini utilizava muitos símbolos em seus filmes, como a água ou a dança, sempre com significados diversos. Além, claro, da recorrente metalinguagem que teve seu ápice no filme 8 1/2.
O bardo inglês
Também homenageado nessa IX edição do Festival, o inglês William Shakespeare teve uma mesa especial na quarta-feira, onde discutiu-se a adaptação de seus textos para o cinema. Mediada por Décio Torres, com a presença de Ross Williams, Shane Breaux, Mark Burnett e Marcel Vieira, a mesa buscou passar as diversas referências do dramaturgo para a nossa cinematografia.O pesquisador Marcel Vieira trouxe um pouco de sua pesquisa sobre como Shakespeare chegou ao Brasil, começando pelas peças encenadas que datam desde o ator João Caetano no início do século XIX, passando pelas paródias das Chanchadas da Atlântida até as experiências mais recentes. O grande ponto do texto do dramaturgo inglês ser tão forte até hoje é o fato de sua linguagem ser universal, tratando de temas como amor, jogo de poder e ciúmes, ele fala com todos.
Já o pesquisador irlandês Mark Burnett trouxe um pouco de sua pesquisa sobre as adaptações de Shakespeare no cinema da América Latina. O que criou um paralelo interessante com a pesquisa do mediador Décio Torres que também apresentou o seu trabalho sobre as adaptações do dramaturgo na Irlanda. Burnett nos trouxe obras como Huapango dirigido por Ivan Lipkies que adapta a realidade de Otelo para o México, enquanto que Torres nos trouxe o exemplo de Mickey B que leva Macbeth para uma penitenciária na Irlanda.
Ross Williams e Shane Breaux apresentaram o The Sonnet Project, um site multiplataformas com experiências diversas a partir da obra de William Shakespeare. São filmes de diversas partes do mundo, aplicativo com textos do dramaturgo. Como disse Williams, "a tecnologia proporciona a possibilidade de seu trabalho chegar ao mundo inteiro de maneira muito mais simples, coisa que antes era inimaginável". Vale uma conferida no projeto.
Segredos do Cinema hermano
E o terceiro homenageado dessa edição foi o cinema argentino contemporâneo. Apontado como referência para o que pode ser feito de bom do lado de cá, a realidade vista no palco do TCA foi um pouco diferente da imagem construída de cinema vitorioso, vide os dois Oscars que já ostenta.A cineasta Sabrina Farji falou que muito dessa construção de "cinema argentino" é puro marketing. Até porque existem diversos cinemas argentinos. Mas, apontou que muito do chamado "boom" do cinema deles foi devido às políticas públicas. Ainda segundo a cineasta, fazer cinema, para ela, parte sempre de uma inquietação pessoal que se torna uma questão social e ela transforma em imagem.
Mediando a mesa, Marcela Antelo provocou os convidados perguntando se muito do desenvolvimento do fazer cinema não vem como consequência do pensar cinema. A partir de um pensamento crítico, da crítica especializada, de escolas de cinema. A cineasta Marcela Guerty demonstrou-se ressentida com a crítica, dizendo que o "crítico" normalmente não compreende o esforço que é fazer cinema e pode destruir todo um trabalho apenas com opiniões negativas vagas. Sabrina Farji argumentou que isso é porque existem muitos "opinólogos" em vez de críticos. E Juan Pablo Domenech acrescentou que é preciso que a crítica vá além do filme, acrescente uma discussão a partir dele. E isso sim, ajuda o cinema.
Marcela Guerty disse ainda que falta na Argentina um apoio maior ao roteirista, há pouco reconhecimento para a profissão, mesmo na televisão. Pensar o roteiro é algo importantíssimo para a construção cinematográfica, no que foi apoiada por Juan Pablo Domenech que disse ainda que além de investir no roteiro é preciso investir em publicidade, pensando em como atrair o público para aquela obra.
No final, percebemos que a realidade do cinema na Argentina não se difere muito da no Brasil. Dependendo de políticas públicas, disputando poucos espaços de exibição com as grandes majors norte-americanas e sofrendo com críticas de sua imprensa. Porque eles fazem tanto sucesso por aqui? Ainda é um mistério que merece maiores reflexões.
O CineFuturo continua hoje e vai até domingo, trazendo ainda discussão sobre o cinema ativista, políticas públicas e exibição de muitas obras. Se você está em Salvador, perde não!