Citizenfour
Vencedor do Oscar de melhor documentário em 2015, Citizenfour é, antes de tudo, um furo jornalístico. Talvez por isso, a Academia tenha lhe dado o seu prêmio máximo. Pela importância documental e pela capacidade de reunir tal história de uma maneira tão eficaz.
Edward Snowden balançou o mundo ao expor o sistema de espionagem na internet e redes de telefonia de órgãos do Governo Norte-Americano. O que era dito ser apenas um sistema anti-terrorismo se demonstrou um esquema de invasão de privacidade mundial. Primeiro dos cidadãos norte-americanos, depois percebendo-se ser de outros países, inclusive da imprensa e governantes diversos. O Brasil era indicado como um dos mais vigiados, o que gerou até um pedido de explicação da presidente Dilma para Obama.
Laura Poitras reconstrói essa realidade e nos dá entrevistas exclusivas com Edward Snowden, sem inovar muito na linguagem ou mesmo brincar com o que tem em mãos. Mas, não deixa de gerar impacto por aquilo que documenta. Além das entrevistas e observação dele no quarto de hotel em Hong Kong, temos imagens de registro desde 2011 dos Estados Unidos, além de cenas do tribunal analisando a NSA e conversas simuladas em prompt de comando que vai nos guiando na forma como Laura foi contactada por Edward para ser o veículo principal de sua denúncia.
Uma coisa que chama a atenção no documentário é o roteiro. Já tinha sido bem característico em outro vencedor do Oscar, Searching for Sugar Man, essa estrutura muito próxima da ficção, buscando os pontos de virada, um suspense crescente e um clímax forte. Uma estrutura padrão, mas que funciona bem na condução da emoção e envolvimento da plateia, que outros documentários, como O Sal da Terra, por exemplo, apesar de melhor, não segue. Isso também conta na hora de escolher o vencedor do prêmio da academia. E dá a sensação ao final da sessão de ter visto algo intenso.
Toda a primeira parte do filme, até a primeira entrevista no quarto do hotel, é construída pelo suspense de quem seria esse "cidadão quatro" que quer expor segredos do governo norte-americano? As mensagens criptografadas, as informações soltas, a própria antecipação de que a NSA vigia e-mails de cidadãos norte-americanos, mesmo que "sem querer", como acaba admitindo um agente. O clima de insegurança que o filme busca construir, no entanto, parece se desfazer ao vermos a primeira imagem de Edward no hotel.
Ainda que a construção tente nos dar um sentimento de urgência a todo momento, utilizando inclusive fatos como o alarme de incêndio do hotel que dispara ou o telefone que não para de tocar, tudo parece sob controle. A expressão tranquila de Edward nos dá a sensação de que está tudo planejado, inclusive os riscos possíveis e que as consequências não são tão grandes. Mesmo, quando fala que tem que cortar relações com sua família, ou quando sua identidade é revelada e há o risco de prisão, tudo é tratado de uma maneira tão calma, que nem parece verdade.
Agora, a questão mais urgente e assustadora do filme não é tão explorada enquanto poderia. Afinal, o que o filme nos mostra é que estamos todos sendo vigiados. E de maneira ostensiva. Como o próprio Edward alerta como é ficam os protestos, as revoluções, liberdade de pensamento diante de um cenário como esse. A cena em que o jornalista Glenn Greenwald visita a redação do Globo, por exemplo, é extremamente forte, mostrando o tráfego de dados que saíam do Brasil para os Estados Unidos, e tudo é levado de uma maneira quase leviana, como uma brincadeira. Não há impacto.
De qualquer maneira, o filme explica melhor e traz à tona o tema. E de uma maneira ou de outra, alerta e faz uma reflexão sobre o que significa todo esse controle mundial através de dados que deveriam estar protegidos na web. Citizenfour cumpre, então, o seu papel. E de maneira bem eficiente.
Filme visto na IX edição do CineFuturo/2015.
Citizenfour (2014 / Alemanha)
Direção: Laura Poitras
Roteiro: Laura Poitras
Duração: 114 min.
Edward Snowden balançou o mundo ao expor o sistema de espionagem na internet e redes de telefonia de órgãos do Governo Norte-Americano. O que era dito ser apenas um sistema anti-terrorismo se demonstrou um esquema de invasão de privacidade mundial. Primeiro dos cidadãos norte-americanos, depois percebendo-se ser de outros países, inclusive da imprensa e governantes diversos. O Brasil era indicado como um dos mais vigiados, o que gerou até um pedido de explicação da presidente Dilma para Obama.
Laura Poitras reconstrói essa realidade e nos dá entrevistas exclusivas com Edward Snowden, sem inovar muito na linguagem ou mesmo brincar com o que tem em mãos. Mas, não deixa de gerar impacto por aquilo que documenta. Além das entrevistas e observação dele no quarto de hotel em Hong Kong, temos imagens de registro desde 2011 dos Estados Unidos, além de cenas do tribunal analisando a NSA e conversas simuladas em prompt de comando que vai nos guiando na forma como Laura foi contactada por Edward para ser o veículo principal de sua denúncia.
Uma coisa que chama a atenção no documentário é o roteiro. Já tinha sido bem característico em outro vencedor do Oscar, Searching for Sugar Man, essa estrutura muito próxima da ficção, buscando os pontos de virada, um suspense crescente e um clímax forte. Uma estrutura padrão, mas que funciona bem na condução da emoção e envolvimento da plateia, que outros documentários, como O Sal da Terra, por exemplo, apesar de melhor, não segue. Isso também conta na hora de escolher o vencedor do prêmio da academia. E dá a sensação ao final da sessão de ter visto algo intenso.
Toda a primeira parte do filme, até a primeira entrevista no quarto do hotel, é construída pelo suspense de quem seria esse "cidadão quatro" que quer expor segredos do governo norte-americano? As mensagens criptografadas, as informações soltas, a própria antecipação de que a NSA vigia e-mails de cidadãos norte-americanos, mesmo que "sem querer", como acaba admitindo um agente. O clima de insegurança que o filme busca construir, no entanto, parece se desfazer ao vermos a primeira imagem de Edward no hotel.
Ainda que a construção tente nos dar um sentimento de urgência a todo momento, utilizando inclusive fatos como o alarme de incêndio do hotel que dispara ou o telefone que não para de tocar, tudo parece sob controle. A expressão tranquila de Edward nos dá a sensação de que está tudo planejado, inclusive os riscos possíveis e que as consequências não são tão grandes. Mesmo, quando fala que tem que cortar relações com sua família, ou quando sua identidade é revelada e há o risco de prisão, tudo é tratado de uma maneira tão calma, que nem parece verdade.
Agora, a questão mais urgente e assustadora do filme não é tão explorada enquanto poderia. Afinal, o que o filme nos mostra é que estamos todos sendo vigiados. E de maneira ostensiva. Como o próprio Edward alerta como é ficam os protestos, as revoluções, liberdade de pensamento diante de um cenário como esse. A cena em que o jornalista Glenn Greenwald visita a redação do Globo, por exemplo, é extremamente forte, mostrando o tráfego de dados que saíam do Brasil para os Estados Unidos, e tudo é levado de uma maneira quase leviana, como uma brincadeira. Não há impacto.
De qualquer maneira, o filme explica melhor e traz à tona o tema. E de uma maneira ou de outra, alerta e faz uma reflexão sobre o que significa todo esse controle mundial através de dados que deveriam estar protegidos na web. Citizenfour cumpre, então, o seu papel. E de maneira bem eficiente.
Filme visto na IX edição do CineFuturo/2015.
Citizenfour (2014 / Alemanha)
Direção: Laura Poitras
Roteiro: Laura Poitras
Duração: 114 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Citizenfour
2015-06-08T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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