Grandes Cenas: Pixote
Para se tornar uma grande cena do cinema, existem diversos critérios possíveis. O mais óbvio é o apuro técnico, mas também pode ser algo marcante dentro da narrativa como o "Luke, eu sou seu pai", uma catarse muito forte que emocione a todos ou algo divertido. No caso da cena de hoje o impacto é emocional, claro, mas também pelo simbolismo que a cena carrega da própria essência de Pixote. Além da delicadeza de construção e entrega de Marília Pêra a uma performance tão difícil como essa. Contém Spoilers.
O filme de Hector Babenco mostra a sina de meninos de rua na década de 80, que não se diferencia muito de agora. Seus pequenos delitos, o sofrimento na FEBEM e a tentativa de encontrar seu lugar no mundo. Pixote é um desses garotos, quase uma criança, que vivencia o horror do reformatório e consegue fugir com alguns deles. Mas, a realidade das ruas também não é muito diferente, com pessoas que os engana e dificuldades de aceitação.
A cena escolhida é uma das últimas da obra, quando Pixote tem seu destino selado. Um dos golpes que ele, Dito e a prostituta Sueli (Marília Pêra) não dá muito certo. O garoto tem que matar o cliente americano que seria a vítima do golpe e acaba, por engano, matando seu amigo Dito também. Entre o sofrimento e o desespero, ele tenta encontrar em Sueli o aconchego do colo materno, mas ela, definitivamente, não é sua mãe.
O simbolismo do gesto é extremamente forte. Na verdade, essa é a busca eterna de Pixote e muitos meninos de rua, a segurança do colo materno, o amor, o acolhimento, a segurança que isso traz para o bebê que chega a esse mundo. A proteção dos braços, o alimento do seio, o calor de seu corpo. Coisas que Pixote não teve.
A cena começa com os dois na cama. Sueli deitada mais ao fundo, Pixote sentado mais a frente vendo televisão. A baixa profundidade de campo deixa Sueli desfocada, é no olhar perdido de Pixote que nos concentramos. Nesse menino que tenta fugir de sua dor olhando a tela onde passa o Cassino do Chacrinha. Tanto que Hector Babenco corta para a tela e ficamos vendo as Chacretes dançando.
Temos, então, um plano médio de Sueli, ela continua lamentando a morte de Dito. E retornamos ao plano inicial, com os dois enquadrados. Sueli se aproxima de Pixote e pede que ele vá com ela para Minas Gerais, que não vá embora porque ela não sabe viver sozinha. O contraste da fala e tensão da cena com a música frenética da televisão deixa tudo ainda mais angustiante. Pixote não fala nada e olha novamente para a televisão e, com o olhar dele, mais uma vez vemos as Chacretes.
Nessa tensão, voltamos a ver Sueli e Pixote, só que dessa vez em um plano próximo. E é assim que o garoto não resiste e acaba vomitando. Sueli o consola, limpa seu vômito e o abraça. Corta para um plano inteiro na lateral da câmera e vemos Sueli colocar Pixote no colo, como uma mãe acalenta um bebê. A câmera parada, a voz de Chacrinha na televisão.
A iluminação é baixa, e os demais objetos do quarto estão mais nítidos que os dois deitados no centro da cama quase em penumbra. E é assim que Pixote busca o seio de Sueli. A prostituta segura o bico do seio como uma mãe com os dois dedos apertando para sair o leite e Pixote começa a mamar, enquanto ela o nina. "Mama, meu filhinho, mamãe está aqui com você".
Mas, o inusitado da cena começa a angustiar a mulher, que vai ficando incomodada, pedindo para que o garoto a largue. A câmera de Hector Babenco vai se aproximando aos poucos da cena, deixando tudo ainda mais sufocante. Até que ela estoura, empurrando o garoto, "tira essa boca suja de cima de mim". Pixote rola na cama e a câmera o acompanha, enquanto Sueli grita que não é mãe dele e o manda sumir dali.
Devagar, Pixote se levanta, tudo com a câmera parada, apenas contemplando a cena. Os dois se olham e ela diz "vai". Enquanto isso na televisão, ouvimos o coro "olé, olá, o Chacrinha está botando pra quebrar", em mais um ponto de ironia. Pixote calça o tênis que é mostrado em plano detalhe. Levanta, encara Sueli, o vemos em close e depois em plano médio pegando sua arma, seu casaco, tudo com muita calma e sai. Só, então, entra uma trilha melancólica que acompanha seus passos finais, não apenas saindo do quarto de Sueli, mas na cena final, no trilho do trem.
O filme de Hector Babenco mostra a sina de meninos de rua na década de 80, que não se diferencia muito de agora. Seus pequenos delitos, o sofrimento na FEBEM e a tentativa de encontrar seu lugar no mundo. Pixote é um desses garotos, quase uma criança, que vivencia o horror do reformatório e consegue fugir com alguns deles. Mas, a realidade das ruas também não é muito diferente, com pessoas que os engana e dificuldades de aceitação.
A cena escolhida é uma das últimas da obra, quando Pixote tem seu destino selado. Um dos golpes que ele, Dito e a prostituta Sueli (Marília Pêra) não dá muito certo. O garoto tem que matar o cliente americano que seria a vítima do golpe e acaba, por engano, matando seu amigo Dito também. Entre o sofrimento e o desespero, ele tenta encontrar em Sueli o aconchego do colo materno, mas ela, definitivamente, não é sua mãe.
O simbolismo do gesto é extremamente forte. Na verdade, essa é a busca eterna de Pixote e muitos meninos de rua, a segurança do colo materno, o amor, o acolhimento, a segurança que isso traz para o bebê que chega a esse mundo. A proteção dos braços, o alimento do seio, o calor de seu corpo. Coisas que Pixote não teve.
A cena começa com os dois na cama. Sueli deitada mais ao fundo, Pixote sentado mais a frente vendo televisão. A baixa profundidade de campo deixa Sueli desfocada, é no olhar perdido de Pixote que nos concentramos. Nesse menino que tenta fugir de sua dor olhando a tela onde passa o Cassino do Chacrinha. Tanto que Hector Babenco corta para a tela e ficamos vendo as Chacretes dançando.
Temos, então, um plano médio de Sueli, ela continua lamentando a morte de Dito. E retornamos ao plano inicial, com os dois enquadrados. Sueli se aproxima de Pixote e pede que ele vá com ela para Minas Gerais, que não vá embora porque ela não sabe viver sozinha. O contraste da fala e tensão da cena com a música frenética da televisão deixa tudo ainda mais angustiante. Pixote não fala nada e olha novamente para a televisão e, com o olhar dele, mais uma vez vemos as Chacretes.
Nessa tensão, voltamos a ver Sueli e Pixote, só que dessa vez em um plano próximo. E é assim que o garoto não resiste e acaba vomitando. Sueli o consola, limpa seu vômito e o abraça. Corta para um plano inteiro na lateral da câmera e vemos Sueli colocar Pixote no colo, como uma mãe acalenta um bebê. A câmera parada, a voz de Chacrinha na televisão.
A iluminação é baixa, e os demais objetos do quarto estão mais nítidos que os dois deitados no centro da cama quase em penumbra. E é assim que Pixote busca o seio de Sueli. A prostituta segura o bico do seio como uma mãe com os dois dedos apertando para sair o leite e Pixote começa a mamar, enquanto ela o nina. "Mama, meu filhinho, mamãe está aqui com você".
Mas, o inusitado da cena começa a angustiar a mulher, que vai ficando incomodada, pedindo para que o garoto a largue. A câmera de Hector Babenco vai se aproximando aos poucos da cena, deixando tudo ainda mais sufocante. Até que ela estoura, empurrando o garoto, "tira essa boca suja de cima de mim". Pixote rola na cama e a câmera o acompanha, enquanto Sueli grita que não é mãe dele e o manda sumir dali.
Devagar, Pixote se levanta, tudo com a câmera parada, apenas contemplando a cena. Os dois se olham e ela diz "vai". Enquanto isso na televisão, ouvimos o coro "olé, olá, o Chacrinha está botando pra quebrar", em mais um ponto de ironia. Pixote calça o tênis que é mostrado em plano detalhe. Levanta, encara Sueli, o vemos em close e depois em plano médio pegando sua arma, seu casaco, tudo com muita calma e sai. Só, então, entra uma trilha melancólica que acompanha seus passos finais, não apenas saindo do quarto de Sueli, mas na cena final, no trilho do trem.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Grandes Cenas: Pixote
2015-06-29T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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