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Sangue Azul
Sangue Azul
"A certeza plena é o maior ato de covardia. Só o medo e a dúvida me colocam em movimento", sentencia Kaleb, o comandante do circo Netuno que desembarca na ilha paradisíaca de Fernando de Noronha. Nele está Zolah, o homem-bala que retorna a sua terra natal onde moram sua mãe e sua irmã que não vê há muito tempo.
O filme começa em preto e branco, planos rápidos, angústia do mar, processo de viagem, montagem do circo e mesmo os bastidores do espetáculo em andamento funcionam como prólogo. É quando Zolah salta de seu canhão em direção à lona que a cor chega a tela, como se abrisse aquele mundo ali, no retorno do filho pródigo, com muitas expectativas, encantos, mas também todos os medos e riscos do passado.
O roteiro construído a seis mãos não quer ser didático e, com isso, o risco do incesto vai sendo sub-entendido pelo espectador, de uma maneira bastante estranha. É como se todos ali soubessem, como se estivesse na face de ambos o amor latente e a explosão inevitável. Mesmo as pessoas do circo, como a cubana Teorema, que ao ver os dois irmãos dançando fica com ciúmes.
Isso não deixa de ser estranho, mas é como se Zolah, em uma metáfora do homem-bala que é no circo, fosse uma ebulição sensual e sexual. Não por acaso, passa boa parte de projeção tendo relações sexuais diversas com mulheres também diversas. A facilidade com que leva nativas, circenses ou turistas para a cama é impressionante. E também impressiona o fato de, diante de tanto prazer, ele continuar insatisfeito porque aquela que realmente queria lhe é proibida.
É poético, então, que esse amor proibido seja simbolizado ainda por aquilo que existe de mais abundante na ilha: água. Raquel é uma mulher do mar, mergulha profissionalmente, levando turistas para passeios embaixo d´água. Ali é o seu mundo particular, silencioso e belo, onde ela se sente verdadeiramente à vontade. Já Zolah tem medo do mar, por causa de um trauma de infância, enjoa em barco e não tem coragem de mergulhar, simplesmente trava.
A instigante história dos irmãos é permeada pela própria comunidade da ilha e os integrantes do circo, que estão ali compondo o cenário sem muita função, apenas para construir o tom de crônica do dia a dia. Há, inclusive, uma caricatura em excesso seja do velho contador de histórias interpretado por Ruy Guerra, seja pelos personagens circenses como o "homem mais forte do mundo" ou o atirador de facas, que mesmo com as nuanças em sua personalidade, aparecem caricatos em sua composição.
Na construção daquele dia a dia na ilha e da gradual transformação dos integrantes do circo nela, temos ainda um recurso interessante para nos mostrar as atrações do espetáculo, como se uma noite completa estivesse fragmentada em várias, e, à cada visita, vamos assistindo uma das apresentações, sem repetição, construindo aos poucos o todo em nossa mente.
Sangue Azul é um filme onde tudo e nada acontece. E, como sentencia Kaleb, não nos deve dar a certeza de nada. Poderia se estruturar melhor em sua fábula e não se embevecer tanto com a magia das paisagens da ilha e a alegria do circo. De qualquer maneira, é um espetáculo visual e sensorial bastante instigante.
Sangue Azul (Sangue Azul, 2015 / Brasil)
Direção: Lírio Ferreira
Roteiro: Fellipe Barbosa, Lírio Ferreira, Sérgio Oliveira
Com: Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Corveloni, Matheus Nachtergaele, Laura Ramos, Milhem Cortaz
Duração: 120 min.
O filme começa em preto e branco, planos rápidos, angústia do mar, processo de viagem, montagem do circo e mesmo os bastidores do espetáculo em andamento funcionam como prólogo. É quando Zolah salta de seu canhão em direção à lona que a cor chega a tela, como se abrisse aquele mundo ali, no retorno do filho pródigo, com muitas expectativas, encantos, mas também todos os medos e riscos do passado.
O roteiro construído a seis mãos não quer ser didático e, com isso, o risco do incesto vai sendo sub-entendido pelo espectador, de uma maneira bastante estranha. É como se todos ali soubessem, como se estivesse na face de ambos o amor latente e a explosão inevitável. Mesmo as pessoas do circo, como a cubana Teorema, que ao ver os dois irmãos dançando fica com ciúmes.
Isso não deixa de ser estranho, mas é como se Zolah, em uma metáfora do homem-bala que é no circo, fosse uma ebulição sensual e sexual. Não por acaso, passa boa parte de projeção tendo relações sexuais diversas com mulheres também diversas. A facilidade com que leva nativas, circenses ou turistas para a cama é impressionante. E também impressiona o fato de, diante de tanto prazer, ele continuar insatisfeito porque aquela que realmente queria lhe é proibida.
É poético, então, que esse amor proibido seja simbolizado ainda por aquilo que existe de mais abundante na ilha: água. Raquel é uma mulher do mar, mergulha profissionalmente, levando turistas para passeios embaixo d´água. Ali é o seu mundo particular, silencioso e belo, onde ela se sente verdadeiramente à vontade. Já Zolah tem medo do mar, por causa de um trauma de infância, enjoa em barco e não tem coragem de mergulhar, simplesmente trava.
A instigante história dos irmãos é permeada pela própria comunidade da ilha e os integrantes do circo, que estão ali compondo o cenário sem muita função, apenas para construir o tom de crônica do dia a dia. Há, inclusive, uma caricatura em excesso seja do velho contador de histórias interpretado por Ruy Guerra, seja pelos personagens circenses como o "homem mais forte do mundo" ou o atirador de facas, que mesmo com as nuanças em sua personalidade, aparecem caricatos em sua composição.
Na construção daquele dia a dia na ilha e da gradual transformação dos integrantes do circo nela, temos ainda um recurso interessante para nos mostrar as atrações do espetáculo, como se uma noite completa estivesse fragmentada em várias, e, à cada visita, vamos assistindo uma das apresentações, sem repetição, construindo aos poucos o todo em nossa mente.
Sangue Azul é um filme onde tudo e nada acontece. E, como sentencia Kaleb, não nos deve dar a certeza de nada. Poderia se estruturar melhor em sua fábula e não se embevecer tanto com a magia das paisagens da ilha e a alegria do circo. De qualquer maneira, é um espetáculo visual e sensorial bastante instigante.
Sangue Azul (Sangue Azul, 2015 / Brasil)
Direção: Lírio Ferreira
Roteiro: Fellipe Barbosa, Lírio Ferreira, Sérgio Oliveira
Com: Daniel de Oliveira, Caroline Abras, Sandra Corveloni, Matheus Nachtergaele, Laura Ramos, Milhem Cortaz
Duração: 120 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Sangue Azul
2015-06-15T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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