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Ladrões de Cinema
Ladrões de Cinema
Talvez Ladrões de Cinema seja o filme brasileiro mais simbólico da nossa produção cinematográfica em sua metalinguagem. Com a simplicidade da favela e o olhar crítico de seu realizador assistimos à filmagem do Brasil , essa mistura estranha que ainda dá muito samba.
Carnaval do Rio de Janeiro, uma equipe norte-americana vem ao país para filmar os índios durante a festa. Índios alegóricos, é claro, para gringo ver, talvez. O fato é que um grupo do morro de Pavãozinho rouba o equipamento de filmagem da equipe e resolve fazer um filme. Após muita discussão sobre o tema, escolhem a história de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes e vão pesquisar com os antigos sambistas para conhecer melhor a história.
História com letra maiúscula que aprendemos nos livros escolares, ou não, parece não ser o interesse de Fernando Coni Campos, o Champs, aqui. Ele mesmo dizia que quem se preocupava com fatos era o historiador, o poeta se preocupava com o mito. Então, não chega a ser uma surpresa que o tema escolhido para representar o morro e a história brasileira tenha sido o mito de Tiradentes. Homem do povo que morreu pela liberdade, sem renegar os seus ideais. Enquanto que seus companheiros de movimento, todos ricos, acabaram apenas exilados.
Há controvérsias que ele tenha sido um herói nacional, mas em Ladrões de Cinema isso não chega a ser uma questão importante. Champs nos mostra uma relação alegórica daquelas pessoas que ali vivem, marginalizadas pela sociedade, com poucas opções de voz em um país que ainda vivia sob o regime da ditadura militar. Não por acaso o ator que faz Tiradentes no filme, em determinado momento pergunta para câmera : "esse filme é mesmo sobre Tiradentes?" Não, não era, era sobre eles através do mito de Tiradentes.
Estávamos no final do governo de Geisel, começava-se a vislumbrar um acordo de reabertura e anistia, mas a liberdade ainda era um sonho distante. O momento simbólico é interessante, mais ainda ao pensarmos na simbologia com a produção cinematográfica. Afinal, eles roubaram um equipamento norte-americano. Com um detalhe, sem filme, quem cede o filme para a produção é um francês que vive ali perto. Ou seja, nosso cinema é roubado dos norte-americanos e emprestado do francês. Ou de maneira mais poética, a estrutura é norte-americana, mas a alma é francesa.
Há muito do neo-realismo italiano também aqui, é claro. A começar pelo título "Ladrões de Cinema" que ecoa o clássico "Ladrões de Bicicleta". Há ainda a câmera na mão, e apesar de um elenco principal estelar, há muito da própria favela do Pavãozinho no filme. A pobreza, o realismo, o povo em tela está bem representado, mesmo quando encenam as situações do século XVIII.
Não poderia deixar de citar a simbologia da personagem de Grande Otelo, vagando pelo morro com um calhamaço de papel debaixo do braço, sendo ignorado pelos cineastas do morro. Ali, segundo ele, está o roteiro de "O Homem do Surdo", sua obra-prima. Há ali uma simbologia dupla do roteirista. Primeiro aquele que não encontra espaço para ser lido e produzido, já que os cineastas estão mais preocupados em filmar suas próprias ideias. Segundo, aquele roteirista que acha que tudo que ele escreve é genial, não compreendendo o sistema.
E o mais impressionante é que até hoje, o cenário continua esse. Seja para os roteiristas, ou para os produtores que continua dependendo de investimentos de fora e não conseguem implantar uma indústria. Não por acaso o final irônico que Champs nos reserva, seja pela forma como acontece o desenrolar das revelações ou pela resolução final.
É uma pena que nunca tenham feito um DVD dessa obra. Ladrões de Cinema é daqueles filmes que ficam no limbo da história. Extremamente simbólico, merecia ser visto e discutido por mais brasileiros. Fico feliz de ter tido a oportunidade de falar sobre ele no Curta-Circuito de 2015.
Ladrões de Cinema (Ladrões de Cinema, 1977 / Brasil)
Direção: Fernando Coni Campos
Roteiro: Fernando Coni Campos
Com: Lutéro Luiz, Grande Otelo, Milton Gonçalves, Antonio Pitanga, Tamara Taxman, Ana Maria Nascimento e Silva, Roberto Ananias, Rodolfo Arena, Jean-Claude Bernardet, Ruth de Souza, Léa Garcia, Wilson Grey, Luiza Barreto Leite
Duração: 128 min.
Carnaval do Rio de Janeiro, uma equipe norte-americana vem ao país para filmar os índios durante a festa. Índios alegóricos, é claro, para gringo ver, talvez. O fato é que um grupo do morro de Pavãozinho rouba o equipamento de filmagem da equipe e resolve fazer um filme. Após muita discussão sobre o tema, escolhem a história de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes e vão pesquisar com os antigos sambistas para conhecer melhor a história.
História com letra maiúscula que aprendemos nos livros escolares, ou não, parece não ser o interesse de Fernando Coni Campos, o Champs, aqui. Ele mesmo dizia que quem se preocupava com fatos era o historiador, o poeta se preocupava com o mito. Então, não chega a ser uma surpresa que o tema escolhido para representar o morro e a história brasileira tenha sido o mito de Tiradentes. Homem do povo que morreu pela liberdade, sem renegar os seus ideais. Enquanto que seus companheiros de movimento, todos ricos, acabaram apenas exilados.
Há controvérsias que ele tenha sido um herói nacional, mas em Ladrões de Cinema isso não chega a ser uma questão importante. Champs nos mostra uma relação alegórica daquelas pessoas que ali vivem, marginalizadas pela sociedade, com poucas opções de voz em um país que ainda vivia sob o regime da ditadura militar. Não por acaso o ator que faz Tiradentes no filme, em determinado momento pergunta para câmera : "esse filme é mesmo sobre Tiradentes?" Não, não era, era sobre eles através do mito de Tiradentes.
Estávamos no final do governo de Geisel, começava-se a vislumbrar um acordo de reabertura e anistia, mas a liberdade ainda era um sonho distante. O momento simbólico é interessante, mais ainda ao pensarmos na simbologia com a produção cinematográfica. Afinal, eles roubaram um equipamento norte-americano. Com um detalhe, sem filme, quem cede o filme para a produção é um francês que vive ali perto. Ou seja, nosso cinema é roubado dos norte-americanos e emprestado do francês. Ou de maneira mais poética, a estrutura é norte-americana, mas a alma é francesa.
Há muito do neo-realismo italiano também aqui, é claro. A começar pelo título "Ladrões de Cinema" que ecoa o clássico "Ladrões de Bicicleta". Há ainda a câmera na mão, e apesar de um elenco principal estelar, há muito da própria favela do Pavãozinho no filme. A pobreza, o realismo, o povo em tela está bem representado, mesmo quando encenam as situações do século XVIII.
Não poderia deixar de citar a simbologia da personagem de Grande Otelo, vagando pelo morro com um calhamaço de papel debaixo do braço, sendo ignorado pelos cineastas do morro. Ali, segundo ele, está o roteiro de "O Homem do Surdo", sua obra-prima. Há ali uma simbologia dupla do roteirista. Primeiro aquele que não encontra espaço para ser lido e produzido, já que os cineastas estão mais preocupados em filmar suas próprias ideias. Segundo, aquele roteirista que acha que tudo que ele escreve é genial, não compreendendo o sistema.
E o mais impressionante é que até hoje, o cenário continua esse. Seja para os roteiristas, ou para os produtores que continua dependendo de investimentos de fora e não conseguem implantar uma indústria. Não por acaso o final irônico que Champs nos reserva, seja pela forma como acontece o desenrolar das revelações ou pela resolução final.
É uma pena que nunca tenham feito um DVD dessa obra. Ladrões de Cinema é daqueles filmes que ficam no limbo da história. Extremamente simbólico, merecia ser visto e discutido por mais brasileiros. Fico feliz de ter tido a oportunidade de falar sobre ele no Curta-Circuito de 2015.
Ladrões de Cinema (Ladrões de Cinema, 1977 / Brasil)
Direção: Fernando Coni Campos
Roteiro: Fernando Coni Campos
Com: Lutéro Luiz, Grande Otelo, Milton Gonçalves, Antonio Pitanga, Tamara Taxman, Ana Maria Nascimento e Silva, Roberto Ananias, Rodolfo Arena, Jean-Claude Bernardet, Ruth de Souza, Léa Garcia, Wilson Grey, Luiza Barreto Leite
Duração: 128 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ladrões de Cinema
2015-08-31T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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