O título resume o argumento da obra. No sertão, reza a lenda de que uma santa milagreira pode fazer chover, só precisa que essa santa esteja no lugar certo. Um homem, então, doutrinou um grupo de crianças órfãs para procurar a santa e o local certo. Quando as crianças já são homens e mulheres feitos, formando uma gangue de motoqueiros, a santa e o local parecem ter sido finalmente localizados. Mas, nada será tão fácil, já que no sertão tudo tem dono. E mesmo aquele que diz saber decifrar enigmas pode estar mentindo.
O argumento é interessante. Na verdade, o filme fala de fé e doutrinação. Duas coisas tão próximas e ao mesmo tempo diferentes. Apesar da brincadeira com o Mad Max, as referências de Homero Olivetto são bem brasileiras. Não dá para observar o Pai Nosso sem lembrar de Antônio Conselheiro, Padre Cícero, ou mesmo o Sebastião de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Fé cega nunca deu bom resultado e nesse ponto a premissa e as reviravoltas na trama tinham grande potencial.
O problema é que a história se perde, parece não ter fôlego diante de um roteiro confuso, com personagens rasos e um desenvolvimento equivocado. Há problemas desde o início com a inserção de Laura e sua amiga na estrada só para criar um conflito extra com direito a triângulo amoroso e prenda para Galego Lorde. Mas, nem isso chega a ser bem desenvolvido. A prenda para o Galego é frágil, tão frágil quando a maneira como o triângulo vai se desenvolvendo.
A própria construção da fé cega e a postura da senhora Deinha vivida por Zezita Matos se perde completamente em determinado momento. Aliás, o ponto em que o roteiro desanda de vez tem a ver com o destino dessa personagem. Mas, não dá para entender mesmo é a personagem de Júlio Andrade. A começar por seu nome, Galego Lorde. Toda aquela composição de tribo, a magia que ele parece ter, perde sentido em clipes pulsantes que transformam sua rotina em uma rave psicodélica. O excesso de clipes na estrada, inclusive, é outro problema do roteiro que torna a trama ainda mais vazia.
Os estereótipos estão ali. O coronel mal que manda "balões" para São João. O oráculo milagreiro. O Santo doutrinador. O herói com cara de bad boy. O atrapalhado que quer dar a volta por cima. A donzela em perigo. Mas, eles não parecem criar um empatia necessária para que compremos sua luta e sua história. Tudo soa estranho e não deveria já que a ideia é criar uma mitologia. Apesar disso, as atuações não são ruins. Cauã Reymond consegue dosar seu Ara. Assim como Humberto Martins tenta ir além do óbvio com o coronel Tenório. Júlio Andrade e Jesuíta Barbosa também trazem a intensidade que vem demonstrando em outros papéis.
Chama a atenção de maneira positiva na trama a parte técnica da imagem. Tanto a fotografia, quanto a direção de arte, ou mesmo o desenho geral da direção são bem construídos e nos dão bons momentos em tela. Os efeitos especiais é que poderiam ser melhores, assim como a orquestração das cenas de ação, principalmente na parte final, onde muita coisa soa estranha. Porém, mesmo aqui, acredito que o maior problema seja mesmo de roteiro.
No final das contas, Reza a Lenda decepciona, mas não é uma tentativa inválida como outras obras de ação brasileira a exemplo de Federal ou Segurança Nacional. Há aqui um filme com problemas em sua execução, mas que traz boas tentativas e mesmo um argumento que poderia dar muito certo. Uma pena que perde seu fôlego de maneira tão rápida. Ainda assim, tem méritos e merece um incentivo. Tomara que Homero Olivetto continue por esse caminho, ousando novos rumos e nos surpreendendo com boas ideias bem executadas no futuro.
Reza a Lenda (Reza a Lenda, 2016 / Brasil)
Direção: Homero Olivetto
Roteiro: Homero Olivetto, Patrícia Andrade, Newton Cannito
Com: Cauã Reymond, Humberto Martins, Sophie Charlotte, Júlio Andrade, Jesuíta Barbosa, Sílvia Buarque
Duração: 87 min.