Falecido em 03 de junho de 2016, Muhammad Ali não foi apenas um dos maiores fenômenos do boxe mundial, foi um atleta exemplar e um ser humano admirável. Nascido como Cassius Clay, ele lutou dentro e fora dos ringues por respeito e por aquilo que acreditava. Tanto que se recusou a ir à Guerra do Vietnã, o que lhe custou o título mundial e um tempo proibido de exercer o esporte. Em homenagem ao atleta, trago aqui dois documentários recentes sobre ele que, de alguma maneira se complementam.
Eu Sou Ali
Construído a partir dos áudios que Muhammad Ali fazia com seus filhos, o documentário é uma grande homenagem ao homem que foi e não necessariamente o atleta. Tanto que temos poucas imagens de lutas, ainda que as principais estejam ali.
O roteiro foca em lembranças dos filhos, da ex-mulher, do empresário, dos amigos, costurando uma narrativa não-linear que tem muitas idas e vindas na vida e carreira do atleta. Isso traz coisas boas, mas também algumas repetições que tornam o filme cansativo em muitos momentos. Percebe-se também um excesso de zelo por sua imagem e tentativa de mitificá-lo muitas vezes.
Foca-se muito no caráter de Muhammad Ali, seu cuidado com a família, um pai amoroso que sempre fez questão de unir todos os filhos, mesmo de casamentos diferentes e até fora deles. É um discurso constante dos filhos, a ideia de família, de união.
Há também um grande destaque para sua luta racial. A importância da mudança de seu nome de Cassius Clay, que considerava nome de escravo, para Muhammad Ali, nome que considerava digno de seus ancestrais. Sua conversão ao islamismo e sua recusa a ir à Guerra do Vietnã que lhe custou o título mundial e anos banido do boxe.
O filme não aprofunda, no entanto, na própria visão do atleta. Temos muitos discursos prontos antes de lutas, provocações, mas o filme não é capaz de desvendar o verdadeiro Ali como promete o título da obra. A doença do atleta também não é tocada, citada apenas no depoimento da ex-esposa. Há uma preservação de sua imagem que ainda estava vivo durante a produção da obra, mas não é incomodado pela equipe.
Como biografia, então, o filme acaba falhando. Mas, traz bons momentos e imagens históricas, principalmente composta em fotos de momentos-chaves de sua carreira, além de podermos conhecer um pouco mais sobre esse homem que foi mais que um grande atleta, como diz um dos depoimentos, foi um grande ser humano.
Eu Sou Ali (I Am Ali, 2014 / EUA)
Direção: Clare Lewins
Roteiro: Clare Lewins
Duração: 111 min
Encarando Ali
Ao contrário de Eu Sou Ali, aqui o foco são as lutas, ou melhor os grandes adversários que passaram pela carreira de Muhammad Ali e sua postura no ringue. Mas, o interessante é que, ao construir o roteiro em cima dessas lutas através dos depoimentos desses adversários acabamos sabendo muito mais sobre o ser humano do que sobre o lutador.
Flutuar como uma borboleta, picar como uma abelha. Esse era uma espécie de lema de Muhammad Ali, o peso pesado mais rápido que já existiu. Leve, ele dançava no ringue e atordoava seus adversários. Isso fica claro em ambos os filmes. Foi um fenômeno, um atleta ímpar.
Mas, ao ouvir os depoimentos dos adversários, sejam mais jovens ou mais experientes, vemos a admiração para além do atleta. Vemos a personificação de um mito. Todos são unânimes em afirmar a honra que foi enfrentá-lo no ringue e o como isso marcou suas carreiras. Muitos devem tudo a essa projeção, inclusive. Este talvez seja o ponto alto do filme, demonstrar que perdendo ou ganhando, o esporte atingia outro nível com ele em cena.
O filme traz ainda alguns acontecimentos pessoais e visão de mundo do atleta, principalmente a recusa a ir ao Vietnã e sua luta racial. Mas, o foco é mesmo no que ele conseguiu dentro do ringue, inclusive enquanto respeito e reconhecimento para a raça negra. Mais do que Eu Sou Ali, os depoimentos tocam ainda na questão da doença, com muitas lamentações pelo estado em que ele se encontra e vai além do próprio Parkinson.
Um documentário poético sobre um atleta excepcional que modificou a forma do mundo encarar o boxe.
Encarando Ali (Facing Ali , 2009 / EUA)
Direção: Pete McCormack
Roteiro: Pete McCormack
Duração: 101 min.