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Grandes Cenas: Uma Linda Mulher
Grandes Cenas: Uma Linda Mulher
Trago hoje não exatamente uma cena, mas uma sequência. A sequência de transformação da personagem Vivian Ward, interpretada por Julia Roberts em Uma Linda Mulher. Porque assim como a sequência de passagem de tempo de Um lugar Chamado Notting Hill através das estações do ano enquanto o personagem de Hugh Grant caminha, ela tem uma economia narrativa muito boa, pautada pela música de Roy Orbison.
Uma Linda Mulher, o filme, nada mais é do que mais uma adaptação do conto de Cinderela. A mocinha pobre que encontra e se apaixona pelo príncipe encantado que lhe dá outra chance na vida. Em tempos de empoderamento feminino, não é uma boa premissa, mas há nele também toda a construção do ideal romântico.
A própria música de Roy Orbison traduz o sentimento do movimento do século XIX. O ideal feminino, a mulher inatingível, que está quase em um altar, admirada pelo homem que sonha com ela em seu amor platônico. A letra vai nos dando as pistas "linda mulher descendo a rua", "linda mulher, do tipo que gostaria de conhecer", "linda mulher eu não acredito em você, você não é real". E por aí vai.
Essa sequência em específico é quando Vivian ganha um banho de loja com roupas, cabelo e maquiagem que a transformam em uma "verdadeira" dama, digna de acompanhar Edward Lewis, o empresário vivido por Richard Gere, em reuniões sociais. A música começa e a sequência vai sendo montada em seu ritmo. Tendo inclusive Julia Roberts dançando em alguns momentos.
Temos dois planos gerais da loja, um dela ainda com as roupas dela, outro já com uma das roupas da loja, cercada por vendedoras. Depois, vem uma sequência de planos detalhes do seu busto, montado em diversas blusas diferentes. Há uma exploração sensual aí, tanto que o próximo plano é Julia Roberts segurando lingeries sensuais. E um plano detalhe dela colocando uma meia calça. Ou seja, o sonho sexual também está reforçado, não só a admiração platônica.
A música para um pouco para uma cena com som direto, onde Vivian elogia a gravata de um vendedor dizendo que Edward adoraria ela. O gerente manda o vendedor tirar a gravata e entregar a ela. Detalhe que este plano é construído com câmera alta, vendo os três de cima para baixo. É um momento de rebaixamento dela, que deixa de ser o foco de admiração, tanto que a música não está em primeiro plano, para lembrar a presença dele, ainda forte. Tudo só está acontecendo por causa de Edward.
Depois disso, há um corte para as ruas. Garry Marshall, o diretor, é bastante feliz ao trazer em primeiro plano uma sombrinha que descortina em tela para só, então, vermos Vivian Ward pronta. Elegante em uma roupa branca, com chapéu e muitas compras nos braços. Detalhe nos diversos olhares de homens pela rua que vão admirando a beleza e desfile da personagem.
Vem então, uma cena que é uma espécie de vingança. Vivian passa pela loja que não a quis receber no dia anterior. As vendedoras correm para atendê-la e ela se dirige a que a expulsou perguntando se lembra dela. Quando a moça não a reconhece e ela a lembra, diz ainda "você ganha por comissão, né? Que grande erro". Mostrando as compras feitas por ela. A câmera na mão acompanha Vivian em sua movimentação pela loja.
É interessante que essa cena traz um pouco da crítica ao julgamento pela aparência. A vendedora não quis atender Vivian antes por causa de sua aparência "desleixada", mas quando ela apareceu transformada, estavam todas dispostas a ajudá-la. Quantas vezes uma loja de griffe trata mal uma pessoa que está aparentemente mal vestida? Ao mesmo tempo, toda essa sequência é para transformar Vivian nessa mulher elegante, ou seja, no final, fica parecendo que a postura das vendedoras era o natural.
Por fim, Vivian entra no hotel com as compras e um funcionário ajudando a carregá-las. Ela passa pelo gerente do hotel que olha admirado e depois sorri. Ele também a ajudou nessa transformação, é como se olhasse com a sensação de dever cumprido. O travelling que começa mostrando ela entrando até encontrar ele, que para admirado, traz um efeito estético e também reforça a cumplicidade dos dois.
No final, ainda tem ela no quarto do hotel, entregando uma gorjeta ao funcionário (e não mais o chiclete do primeiro dia). Ou seja, uma perfeita dama, domada, quase adestrada pela etiqueta social. É verdade. Mas, também há o referencial romântico do tudo por amor e da possibilidade dos contos de fadas.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Grandes Cenas: Uma Linda Mulher
2016-07-25T08:30:00-03:00
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