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Ainda Sobre Cinema Baiano no Panorama

Cinema Baiano no Panorama

Já falei que este Panorama foi um dos mais férteis para o cinema baiano. Foram dez longas-metragens (dois na nacional e oito na competitiva baiana) e vinte curtas-metragens (dois na nacional e dezoito na competitiva baiana). A variedade também foi grande, alguns me emocionaram, outros me surpreenderam, outros ainda deixaram a sensação de que poderiam ser melhores. E teve também aqueles que incomodaram por motivos diversos para o bem e para o mal. Normal. É disso que se faz a diversidade. É na quantidade que conseguimos destacar a qualidade.

Na noite de premiação, o júri oficial da Competitiva Baiana leu uma carta análise alertando para alguns problemas vistos. Segundo o trio formado por Andrea Capella, Salomão Santana e Gabriel Sanna o conjunto de filmes demonstrou problemas como apuro técnico e narrativo, assim como uma insistência em falar apenas de si mesmos. Salvador e o bairro do Rio Vermelho com sua reforma foram presenças constantes nos filmes. De maneira mais grave, o júri alertou ainda para a necessidade de preocupação e respeito à diversidade e às minorias.

Reflexões que merecem atenção. O júri se excedeu? Talvez, principalmente ao generalizar, mas são levantamentos importantes diante de algumas polêmicas nas obras vistas. Não deixa de ser bom ver o cinema baiano em pauta, onde antes havia silêncio. E ver os próprios cineastas buscando dialogar com críticos e público de uma maneira mais aberta. Para fechar a cobertura sobre a mostra baiana, trago aqui algumas palavras sobre três longas.


Gente Bonita (BA, 74, 2016)

de Leon Sampaio

Segundo filme de Leon Sampaio no mesmo festival. Após o curta-metragem minimalista Interdito na competitiva nacional, ele apresenta na competitiva baiana esse longa-metragem que mais parece um estudo da natureza humana em pleno Carnaval. Seguindo a mesma lógica do documentário de Marcelo Pedroso, o cineasta não invade a festa, nem mesmo o camarote. São as próprias personagens que documentam seus momentos na folia. E isso é que torna tudo ainda mais irônico. A noção de que o que estão mostrando depõe a seu favor, quando não é bem assim.

Gente Bonita - filme brasileiroDiferente de Pacific, no entanto, onde Pedroso colheu as gravações pessoais de uma tripulação de um navio de luxo para montar o seu filme, Leon Sampaio encomendou as gravações. Entregando câmeras a nove pessoas que iriam curtir camarotes luxuosos na festa soteropolitana para depois ver no que dava. E com isso podemos ver de tudo. Um casal aparentemente feliz e sem noção, onde ele grita que vai para "putaria", sendo que está com a esposa do lado, enquanto ela ressalta que "muitas querem, só uma tem". Um grupo de rapazes, aí sim, em busca de zoação que beijam, são beijados e levam foras durante o percurso. Uma garota que parece mais observar a folia de dentro. Um galanteador mal sucedido. Uma mulher parece já começar bêbada. E um observador distante.

"Tudo nosso, nada deles", a frase de Igor Kannário dá o tom da obra. O processo de elitização do Carnaval de Salvador, onde os ricos curtem camarotes luxuosos onde a passagem dos trios é um detalhe. E os pobres servem de maneiras diversas ou são espremidos entre cordas no pouco de rua que resta. Uma cena onde jovens cantam alegremente "Eu só quero é ser feliz. Andar tranqüilamente. Na favela onde eu nasci", é um dos pontos altos da falta de noção daquelas pessoas que simplesmente não conseguem identificar o que acontece ao seu redor. Vemos demonstração de racismo, machismo, excessos e opressão que parecem ser a tônica da festa do Rei Momo.

Talvez por isso, a cena final seja tão marcante. Quando o nosso personagem observador sai bêbado pelas ruas pedindo para "rasgar" Salvador e uma mulher, negra, do povo discute com ele a atitude extrema, fecha-se o círculo com a frase, agora autêntica: "Tudo nosso, nada deles". Ainda que se torne repetitivo e cansativo no caminho, criando barrigas e a sensação de que a obra poderia ser mais curta, Gente Bonita é uma obra irônica e reflexiva que vale a investida.



A Professora de Música (BA, 52, 2016)

de Edson Bastos e Henrique Filho

A primeira coisa que pode-se estranhar em A Professora de Música é o formato. Um longa-metragem de cinquenta e dois minutos não é bem o padrão, mas a obra ganhou um edital de telefilme, o que explica e não desmerece por isso. Pelo contrário, é uma história bonita, emocionante e gostosa de acompanhar. Um filme que fala de sonhos, representatividade e posicionamento pela arte.

Ainda que seja uma homenagem a uma pessoa real, como indica os créditos, o filme parece falar muito da própria dupla de realizadores Edson Bastos e Henrique Filho que são de Ipiaú, cidade do interior da Bahia, e sabem bem das dificuldades de fazer arte fora da capital. A estrutura do roteiro é simples, mas bem estruturada, com um conflito principal e algumas peripécias que unem drama com humor em boas doses.

A Professora de Música - filme brasileiroNa cidade de Ipiaú, a professora Aída e sua ajudante Meu Bem, organizam um recital de música com os alunos do curso, mas este é ameaçado pela falta de som, já que o evento não conseguiu o apoio de empresários locais nem da prefeitura. E boa parte da narrativa gira em torno dessa busca por uma solução que faça o recital acontecer. Porém, por mais que pareça uma estrutura clássica onde esse conflito seja o que importa, o filme nos deixa um terceiro ato incomumente longo, para valorizar aquilo que é o mais importante. As apresentações, todas com músicas feitas para as personagens, que ajudam na narrativa e na resolução dos conflitos pessoais de cada um.

Porque o que encanta mesmo no filme são as crianças. Ainda que se valham de estereótipos conhecidos, Edson Bastos e Henrique Filho trabalham muito bem a diversidade e a aceitação, principalmente com uma garotinha negra que é o tempo todo ridicularizada pela riquinha da cidade, que acha que já ganhou o recital. Há mensagens fortes ali, em uma linguagem simples e pura da infância. E o ritmo também é gostoso de acompanhar com uma mistura divertida e envolvente.



Perdido em Júpiter (BA, 74, 2016)

de Deo

O mais inusitado dos filmes da competitiva. Talvez por isso tenha levado o prêmio de Melhor Filme pelo júri oficial e júri jovem. Aliás a justificativa do júri jovem cita a ironia poética obra. Muitos dizem que a internet pode acabar com o cinema. Deo trouxe a internet para o cinema. Em diversos sentidos.

Co-criador da +1 Filmes, o cineasta começou com esquetes na internet e sempre teve uma forma de produção própria que gera controvérsias. Perdido em Júpiter também tem sua dose controversa, afinal abre uma brecha na lei dos direitos autorais. E se, em alguma instância, isso possa parecer ilegal, tem também uma crítica forte a hipocrisia de vermos filmes inteiros em canais do Youtube, sem nenhum problema. Esta tudo aí, é só assistir.

Perdido em Júpiter - filme brasileiroE o que Deo faz é nos conduzir nessa pesquisa sobre uma personagem também polêmica e controversa, o cantor Júpiter Maçã. Ou Júpiter Apple, se preferir. Através de vídeos disponibilizados na internet, ele vai costurando sua obra que poderia ser apenas um pouco melhor planejada. Ou seja, falta um roteiro melhor trabalhado para que a narrativa flua de uma maneira mais envolvente. Pois o que acontece é que, no meio do filme, o cansaço bate e a sensação de repetição nos angustia. Não por acaso muita gente saiu da sala no dia da exibição.

Ainda assim, a montagem é dinâmica e consegue nos apresentar Júpiter Maçã de uma maneira única, com seus resíduos digitais. O auge é a entrevista dele no programa de Skylab, talvez a mais insana de todas, o que não é pouco. Porque ao utilizar trechos de shows e entrevistas, Deo acaba nos apresentando exatamente a personagem Júpiter Maçã, nos dando pouco acesso a Flávio Basso, o nome verdadeiro do músico. Mas mesmo um documentário tradicional poderia não conseguir trazer isso. E não precisa ter esse propósito.

Perdido em Júpiter nos ganha por nos surpreender. Nos surpreender pelo formato. Pelo estilo de Deo, sempre com comédias fáceis e que nos traz aqui um documentário underground. Pelo artista sulista pouco conhecido aqui no Nordeste e conseguir dialogar com o público. E por ser espontâneo. Talvez seja isso que tenha conquistado o júri. Principalmente por ir de encontro às críticas que eles fizeram a mostra em geral.

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