
Fora da Competitiva, nem por isso menos importante, o Panorama Internacional Coisa de Cinema traz uma Mostra chamada Panorama Brasil e este ano teve uma sessão especialmente forte na sexta-feira. O curta-metragem O Mais Barulhento Silêncio de Marccela Moreno e o longa-metragem Precisamos Falar do Assédio de Paula Sacchetta. Ambos sobre o estupro de maneiras diferentes.
O filme de Paula Sacchetta é uma sucessão de depoimentos, um mais forte do que o outro com mulheres diversas. Algumas assumindo sua própria identidade, outras anônimas utilizando máscaras. Uma, inclusive, tem sua voz modificada. A estrutura era sempre a mesma. A mulher entrava em uma van, a porta se fechava e o depoimento iniciava. Com isso, temos uma fotografia escura e claustrofóbica que ajuda no efeito de angústia que as palavras já nos causam.

Já o curta de Marccela Moreno, traz um apuro maior na linguagem. Os planos são trabalhados, os depoimentos são feitos por atrizes, os textos são mais poéticos. Ainda assim, o tema continua forte e o efeito de impacto é grande. Temos algumas performances bastante significativas como elas atravessando tábuas em uma espécie de obra, ou sendo espremidas por uma escada ou sufocadas com grades. Boa parte dos depoimentos são com uma câmera plongée com a garota deitada nua coberta apenas por um cobertor, olhando para a câmera. Ou seja, é como se ali, o espectador se colocasse no lugar do agressor.
Três atrizes falam na terceira pessoa, apenas uma na primeira pessoa. No debate após a sessão, Marccela explicou que isso aconteceu porque uma delas acabou escolhendo contar uma história dela mesma. E que isso acabou sendo uma simbologia da estatística de que uma entre quatro mulheres será estuprada até o final da vida. Talvez isso pudesse estar mais claro no filme, já que é uma simbologia forte, encontrar uma forma de explicar sem ser didática. Até porque o filme já começa com uma quantidade muito grande de letterings, isso poderia ser mais objetivo. Mas o ritmo dos depoimentos e das imagens de performance funcionam bem.

É importante ressaltar que os quatro depoimentos são de estupros que muitos não consideram como um estupro. Aquela famosa "barra forçada", aproveitamento de uma mulher bêbada ou dormindo. A própria diretora disse que na faculdade onde o filme foi feito, muitos julgaram como "exagero". Esta, talvez, seja a maior contribuição dos dois filmes. Alertar que estupro não acontece só no beco escuro com um desconhecido. As estatísticas mostram que a maioria dos estupradores eram próximos da vítima.

Durante o Panorama teve também dois encontros importantes. Um na sexta-feira, com as realizadoras baianas. E outro no domingo com as críticas baianas. Ambos visando o fortalecimento e cadastramento de mulheres no audiovisual em busca de espaço nessas profissões que ainda são tão masculinas e consequentemente, boa parte do tempo, machistas. Opressão essa que nos acostuma ao lugar de vítima e faz com que situações retratadas nos dois filmes se naturalizem, por mais absurdo que pareça. Lutemos por um mundo melhor e mais igualitário todos os dias.