
A capacidade de superar grandes traumas é algo complexo na psicologia humana. Alguns conseguem seguir em frente de maneira aparentemente mais fácil, seja se apegando a alguma fé ou mesmo tratamento psicoterapêutico. Outros ficam presos ao passado e tentam fugir dele de todas as maneiras, mas parece sempre algo inútil já que o problema é interno e não externo.
Lee Chandler, personagem de Casey Affleck e protagonista de Manchester à beira mar, está na segunda opção. Seu passado o assombra de uma maneira tão intensa que ele é quase um homem zumbi vivendo sua rotina estressante de zelador de quatro prédios onde faz de tudo um pouco. Seus momentos de lazer são para beber cerveja no bar ou assistir jogos na televisão, mas qualquer coisa é motivo para que ele estoure facilmente. Tudo piora quando Lee recebe a notícia de que seu irmão Joe faleceu e agora ele terá que cuidar de seu sobrinho Patrick retornando à cidade de onde fugiu.

Retornar a Manchester é reabrir feridas. Cada espaço que ele chega, algo vai sendo recordado. E vamos tendo a dimensão da complexidade daquela personagem que parecia apenas mais um problemático de pavio curto. É interessante ir juntando as pistas também dos comentários na cidade como os jovens no hóquei que falam "esse é a lenda"? Ou uma cena quase solta de uma mulher que diz para o funcionário que não quer mais Lee ali.

Tudo é muito bem dosado emocionalmente e estamos colados a Lee, acompanhando seu crescimento e sua angústia. E nisso é preciso destacar o mérito de Casey Affleck que consegue nos passar tudo isso quase sem nenhuma fala. Seu olhar, sua expressão facial e corporal, pequenos gestos dizem tudo. E quando ele grita a verdade para Patrick, nos sentimos gritando junto como se disséssemos, "pô, garoto, como você ainda não percebeu"? Vale destacar que Lucas Hedges também defende bem "o garoto". E que Michelle Williams, apesar de quase não aparecer, consegue nos emocionar em duas cenas extremamente fortes, sem cair no "dramalhão".
Manchester à beira mar é isso, emoção bem dosada. Não daquelas que quer nos emocionar a qualquer custo, mas que, naturalmente, nos faz sentir o impacto da dor da incapacidade de conseguir superar uma experiência ruim.
Manchester à beira-mar (Manchester by the Sea, 2017 / EUA)
Direção: Kenneth Lonergan
Roteiro: Kenneth Lonergan
Com: Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler, Lucas Hedges, Tom Kemp, Ben O'Brien
Duração: 137 min.