
Toda a publicidade de Moana girou em torno do fato de termos aqui uma "princesa" sem príncipe. Não que isso seja novidade, principalmente depois de Valente e Frozen. Mas o que chama a atenção em Moana é toda construção do feminino da trama e suas simbologias, inclusive com a deusa Te Fiti que tem seu coração roubado e era quem "criava" tudo no mundo.
Moana não é uma princesa como ela mesma replica. É a filha do chefe de uma ilha na Polinésia e sua sucessora natural. Isso já é uma mudança. Ela é a sucessora natural e esperada, não precisa casar com ninguém para isso. Só que sua avó lhe conta lendas que falam sobre o roubo do coração da deusa Te Fiti pelo semi-deus Maui que criou um desequilíbrio e uma nuvem sombria. A jovem quer partir oceano acima, para resolver esse problema, mas seu pai acredita que tudo isso é bobagem e que só a ilha basta a seu povo.
A construção de Moana como uma garota destemida e fascinada pelo oceano desde pequena é extremamente feminista. Ela pega um barco e vai atrás de seu destino e mesmo quando encontra Maui não deixa que ele tome conta da situação. Sim, ele a ensina, mas ela está no comando. E mesmo ele sendo egoísta e grosseiro muitas vezes, reconhece a força da garota. Há várias cenas simbólicas disso. Ambos trocam papéis e salvam-se mutuamente durante a jornada. E sua resolução vai além do esperado, fazendo a trama crescer ainda mais em mudanças de paradigmas.

Um problema talvez seja a ligação de Moana com o Oceano, o elemento parece se tornar um coringa e uma "muleta" do roteiro. Em alguns momentos, a jovem tem que agir por si mesma, em outras ele a ajuda, nos dando a sensação de que toda a aventura poderia ter sido resolvida mais rapidamente. Não fica muito claro o porquê das ajudas tão pontuais. Mas, claro, que a jornada de aprendizado dela era necessária. Assim como o crescimento da relação de cumplicidade com Maui. Porém, não deixa de incomodar que toda vez que parece que não vai ter jeito, o oceano chega e dá uma mãozinha.

Agora o que encanta mesmo em Moana é sua mitologia e a maneira como tudo se resolve. O mar de aventuras que está no desnecessário sub-título brasileiro não traduz a verdadeira pérola escondida no roteiro. As camadas são bem mais profundas. Trazem quebras de maniqueísmo, feminismo, força da natureza, espiritualidade, tudo de uma maneira tão rica e harmônica que encanta. Uma animação que merece ser vista por todos.
P.S. (1) Tem uma cena pós-créditos, engraçadinha, ainda que não faça grande diferença para sua experiência.
P.S. (2) O curta-metragem que antecede o filme é Trabalho Interno (Não confundir com o documentário). Uma jornada singela que utiliza os órgãos do corpo humano para discutir o que vale a pena nesse mundo. Que adianta cuidar da saúde, andar na linha, sem se arriscar, se podemos passar a vida em um trabalho repetitivo e exaustivo?
Moana: Um Mar de Aventuras (Moana, 2017 / EUA)
Direção: Ron Clements, John Musker, Don Hall, Chris Williams
Roteiro: Jared Bush
Duração: 107 min.