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Até o Último Homem
Até o Último Homem
Na dramaturgia, tem uma teoria sobre as peças de tese, que foram muito criticadas por alguns nos anos 60 devido ao cunho político doutrinador de alguns autores. Em tempos que as paixões políticas parecem adormecidas, a religião ganha força e pode ser encaixada nessa teoria. Vide os filmes espíritas brasileiros ou os cristãos norte-americanos como o último Ben-Hur. Particularmente, não tenho nenhum problema com esses que podem ser chamados filmes de tese, desde que bem feitos. Ainda assim, algumas coisas incomodam em Até o Último Homem.
Independente das polêmicas e acusações ao seu comportamento pessoal, ou mesmo sua crença religiosa, não podemos negar, Mel Gibson é um diretor talentoso. Sua capacidade de construir cenas bem feitas e conduzir uma narrativa de maneira envolvente estão impressas na tela, e fica difícil encontrar defeitos técnicos. A temática dessa obra também parece cair como uma luva para suas convicções, afinal, Desmond Doss é um homem de fé que conseguiu feitos incríveis. E muito dessa doutrinação que poderíamos apontar na obra são intrínsecas à personagem. Porém, Gibson vai além.
Dizendo-se Cristão, o diretor parece não compreender completamente a mensagem do messias. Isso vem desde seu polêmico A Paixão de Cristo. Porque Gibson parece valorizar mais o seu fascínio pela violência que pela fé no nazareno. Ao mesmo tempo em que vemos Doss humilde e devoto ao amor ao próximo, o cineasta parece gostar de valorizar os horrores da guerra, construindo tomadas de pura violência e exposição realista de corpos se despedaçando e pedaços de carne para todos os lados. E sempre fica a pergunta: se Cristo disse "amai-vos uns aos outros, como eu vos amei", porque os japoneses não seriam dignos desse amor? Mas aí estaríamos entrando em uma questão maior da existência da própria guerra. E não podemos esquecer que se trata de uma história real.
É digno que um homem que mesmo sem portar uma arma ou dar um tiro tenha salvo mais de 70 soldados no campo de batalha. É justo contar a história de Desmond Doss e é importante que essa história siga os preceitos do retratado. Reforçando a fé em Deus e até mesmo na humanidade. Porém, essa segunda parte fica sempre questionável na obra já que estamos sempre vendo o quão cruel essa humanidade pode ser. Desde o pai alcoólatra, passando pelos colegas de exército que espancam Doss à noite, ou na situação da guerra em si. Fica extremamente forçado, então, algumas questões na parte final da obra, por mais que alguém grite que isso de fato aconteceu. Como dizia Aristóteles em sua narrativa: "é preferível as coisas críveis e inventadas que as coisas reais, mas incríveis".
A economia narrativa também pode ser uma questão que enfraquece a obra. Já sabemos que Doss para vai a guerra como deseja. Está no trailer e está na primeira cena do filme. Então, não faz sentido que a narrativa dedique tanto tempo ao suspense de se ele conseguirá seu intento ou será preso pela corte marcial. A preparação, com o desprezo e ódio daqueles que serão salvos por ele, é uma ironia bem construída. Porém, a parte do julgamento, não. Principalmente pelo tom de tensão e suspense que quer ser passado. E, ainda assim, a maior parte das mais de duas horas de projeção são dedicadas à guerra, reforçando a ideia de que Gibson parece mais interessado em chocar sua plateia com imagens de violência que biografar seu retratado e seu pensamento cristão.
Quem acaba sustentando o principal da obra, que é a fé e a determinação em seguir aquilo que se acredita, é Andrew Garfield. Sua interpretação dá o tom da personagem. Sempre de cabeça baixa, porém, nunca "baixando" de fato a cabeça para os outros. Ele consegue passar a ideia da humildade sem humilhação, mesmo quando apanha ou é alvo de piadas. Um homem simples, com uma aparência frágil, mas com uma força interior que nos faz crer que é mesmo sua fé que lhe dá a capacidade de levantar todas as manhãs. E assim, fica crível que, no momento chave, ele encontre tanta determinação para cumprir a sua missão.
Até o Último Homem não é um filme fácil. É extremamente bem dirigido, com qualidades técnicas inquestionáveis. Há ritmo nas cenas de batalha, há ângulos e escolhas de fotografia impressionantes. O elenco todo também está bem. E o fato de retratar uma história real faz a obra crescer em importância, principalmente durante os créditos, quando vemos os depoimentos reais. Porém, a necessidade de Mel Gibson de querer nos fazer sentir culpados por existir, colocando o sangue em nossas mãos, é sempre um incômodo indigesto. Ainda mais quando isso é para dizer que devemos seguir a palavra do Cristo.
Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016 / EUA)
Direção: Mel Gibson
Roteiro: Robert Schenkkan, Andrew Knight
Com: Andrew Garfield, Sam Worthington, Vince Vaughn, Luke Bracey, Hugo Weaving, Rachel Griffiths, Teresa Palmer
Duração: 139 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Até o Último Homem
2017-02-02T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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