Há um preconceito em relação ao cinema nacional e ao período da pornochanchada, mas o gênero tipicamente brasileiro não é apenas pornografia como muitos pensam. Na verdade, nem pode ser caracterizado como filme pornô já que não tinha sexo explícito. A ideia das obras tinha um tom mais de malícia e erotização, aliadas a um texto irônico. Claro, a mulher era o alvo principal, porém, os filmes acabavam trazendo nas entrelinhas algo mais político do que parecia à primeira vista.
É com isso que Fernanda Pessoa constrói o seu documentário "Histórias que o nosso cinema (não) contava". Utilizando de uma técnica parecida com a de Eryk Rocha em Cinema Novo, a diretora nos traz recortes de diversos filmes da época para contar a sua história. A diferença para o filme do filho de Glauber é que aqui não existem depoimentos com os realizadores, nem mesmo da época. São os filmes, e apenas eles que falam conosco.
Parece uma estrutura insana, mas é impressionante como isso funciona. Através de trechos, obras como As Aventuras Amorosas de um Padeiro (1975), Bonitas e Gostosas (1978), 1001 posições do amor (1978), A Super Fêmea (1973) ou Amante muito louca (1973) dialogam em uma montagem inteligente, ressignificando as cenas e construindo uma reflexão sobre temas da época como a ditadura militar, a "era de Aquarius", o milagre econômico ou a luta armada.
Porém, principalmente, o filme de Fernanda Pessoa fala sobre a situação da mulher. De alvo de piadas e erotização fácil a protagonista do cenário político. Não por acaso é um filme de uma diretora. Através das imagens de mulheres sensuais em simulações de sexo ou simplesmente nuas, a obra vai discutindo o papel da mulher na sociedade. A questão da sua objetificação e seu posterior empoderamento com a emancipação feminina.
Fernanda é hábil em não interferir com elementos externos ao filme, pois sua construção acaba nos mostrando que esses filmes, muitas vezes ridicularizados, fazem parte da nossa história de uma maneira muito mais intrínseca do que poderíamos supor. O cinema é um reflexo do seu tempo, independente do tema. Ali ficam registrados pensamentos, costumes, gostos, gírias, temas recorrentes de uma época, que dão estudos sociológicos incríveis.
Trazer a Pornochanchada para o foco é também uma forma de trazer a nossa história cinematográfica ao foco. Principalmente por ser este um gênero brasileiro. Vindo da junção do termo pornô com outro gênero genuinamente local, as Chanchadas. E é interessante que mesmo com essa apimentação temática com o excesso de erotismo, a pornochanchada acabe revelando um lado também ingênuo já vistos nas Chanchadas da Atlântida. Uma linguagem essencialmente popular e próxima da cultura brasileira.
História que o nosso cinema (não) contava nos mostra exatamente isso. O quanto os nossos filmes contam da nossa própria história, do nosso povo, de nosso hábitos. Tudo está ali, tematizado de alguma maneira. E a forma como Fernanda Pessoa traz à luz isso é admirável. Um filme que nos faz pensar em diversos aspectos.
Histórias que o nosso cinema (não) contava (2017 / Brasil)
Direção: Fernanda Pessoa
Roteiro: Fernanda Pessoa
Duração: 80 min.