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Silêncio
Silêncio
Martin Scorsese pode não estar em sua melhor forma, mas sempre nos dará filmes intensos. Ele sabe, como poucos, construir sua narrativa através das imagens, sabe o que quer de seus atores e sabe nos envolver na sua temática sem tentar ofender nossas crenças ou mesmo inteligência.
Em Silêncio, filme baseado no livro de Shûsaku Endô, é visível sua preocupação em não ofender os japoneses. Há um equilíbrio na discussão da fé, ou da incongruência dela, para ambos os lados, ainda que a crueldade contra os cristãos seja visível. E há cenas extremamente fortes nesse sentido, como a das cruzes no mar, ou a do poço. Porém, há um certo questionamento, ainda que irônico, de que os próprios cristãos causaram isso a si, já que bastava um gesto simbólico como pisar na imagem de Jesus ou cuspir na cruz para se livrar disso.
Talvez, a maior briga de Scorsese aqui seja com o próprio Deus. É dele o silêncio indicado no título. Esse ser onisciente e onipresente que deixa seus filhos sofrerem tanto por não aceitarem abdicar de sua fé. É sobre as orações não ouvidas, a injustiça presenciada que nos remete às brigas religiosas desde que o mundo é mundo. E os cristãos do século XVII no Japão acabam sofrendo perseguições parecidas aos primeiros cristãos em Roma até o século V. A diferença é que, lá, eles ainda estavam muito próximos da presença do Cristo e a ideia de que “o meu reino não é desse mundo”, enquanto que os jesuítas que chegam ao Japão para orientar aquelas “ovelhas” vem de uma realidade onde a Igreja Católica trazia séculos de perseguição da Santa Inquisição.
Isso explica o orgulho dos padres jesuítas que é a todo momento apontado pelos inquisidores japoneses durante a projeção. Os padres Rodrigues e Garupe chegam ao país para descobrir o paradeiro de seu mestre Padre Ferreira, que uma carta dizia ter abdicado de sua fé e viver hoje como japonês budista. Ambos não acreditavam que aquele que os ensinou nos caminhos da fé seria capaz disso e querem limpar sua honra ou salvar sua Alma. Mas encontram comunidades de cristãos sedentos por uma palavra de um sacerdote e a possibilidade de assistir missas, comungar e se confessar.
Essa missão dupla da busca pessoa pelo padre Ferreira e a missão de catequizar e ajudar àquela população em sua nova fé, que era comum aos jesuítas na época, se torna a grande ironia da obra, pois coloca os dois padres também na situação de questionar sua própria fé, correndo o risco de cair nas mãos dos inquisidores e tendo que escolher o caminho fácil, ou o difícil diante de tantas atrocidades, que causavam dor e sofrimento em todos. O medo, que parece tão antagônico à fé, parecia começar a dominar suas almas.
Silêncio não é um filme fácil. E sua longa duração acaba tornando-o ainda mais difícil. Talvez pudesse ser um pouco mais enxuto, porém parece também que Scorsese que se aproximar ao máximo da linguagem cinematográfica conservada no próprio Japão. Com planos longos e privilegiando a mise-en-scène. O que dá esse ritmo mais lento, dilatando o tempo em cena, marcado por grandes silêncios e pausas dramáticas.
Isso acaba fortalecendo também as interpretações. Andrew Garfield está completamente entregue ao seu padre Rodrigues, com uma carga muito maior que o seu Desmond T. Doss de Até o Último Homem, que lhe rendeu a indicação ao Oscar, talvez fosse mais justo concorrer por esse papel aqui. Aliás, todo o filme merecia uma atenção maior da academia do que apenas uma indicação em Melhor Fotografia. Adam Driver e Liam Nelson também tem momentos extremamente intensos, conseguindo passar a emoção, muitas vezes apenas no olhar. Sem falar em todo o elenco japonês, no destaque para Issey Ogata que faz o cínico inquisidor.
Silêncio pode não ser o melhor filme de Scorsese, mas isso se torna cada vez mais difícil em um cineasta que carrega tantos clássicos nas costas. É, então, um bom filme, competente naquilo que se propõe, nos fazendo refletir junto com ele sobre temas tão caros à nossa história. Cansativo, porém também gratificante.
Silêncio (Silence, 2017 / EUA)
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Jay Cocks, Martin Scorsese
Com: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson, Issei Ogata
Duração: 160 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Silêncio
2017-03-18T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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