Loving
"Deus separou os homens em raças e os colocou em continentes diferentes pra que não se misturassem", essa foi a justificativa de um juiz no Estado da Virgínia para prender e perseguir o casal interracial Richard e Mildred Loving. Algo absurdo, mas que, infelizmente, era muito comum nos Estados Unidos até pouco tempo.
Através do exemplo do casal real, Jeff Nichols nos faz refletir sobre a própria condição humana. Afinal, em que nos fere um casal se unir e querer constituir família? Que importa se ele é branco e ela negra? No que isso interfere na paz de um condado como alega o policial? E se brancos levaram os negros como escravos no passado para outro continente, pode ele ser acusado de algum crime ao querer conviver naquele local?
Apesar de ambos serem presos, o filme mostra bem a diferença de tratamento a ele, que é homem branco, e a ela, que é mulher negra. A balança nunca se equilibra, ainda que Richard sofra condenado como um traidor. São nesses pequenos gestos que o filme consegue levantar bandeiras sem precisar ser explícito.
Pois o roteiro escrito pelo próprio Jeff Nichols nos apresenta um história de amor e a luta de um casal para ser reconhecido como família e viver no estado de origem, criando seus filhos no campo, como foram criados e tendo a tranquilidade de dormir sem medo. Quando o advogado pergunta a Richard o que é que ele quer que diga ao juiz, o rapaz responde: diga que amo muita esposa. Simples assim.
Há uma determinação ao mesmo tempo em que uma quase apatia dos dois em relação à lei proibitiva e a vontade de ambos que nos deixa sempre em suspensão. E Ruth Negga consegue passar essa emoção ambígua de maneira extremamente hábil, não por acaso foi indicada ao Oscar pelo papel. Eles não se revoltam, não lutam de maneira explícita, não fazem grandes discursos. Simplesmente burlam o sistema de maneira escondida.
O filme possui o ritmo do casal. Sem pressa, vai nos mostrando fatos e nos deixando sobressaltados com a possibilidade deles serem pegos. A cena da primeira prisão é extremamente forte. A invasão ao quarto à noite, a chegada à delegacia, a maneira como ele é logo solto e ela fica. A partir daí, vivemos tensos com a possibilidade de novos acontecimentos, e isso acaba sendo mais agressivo do que se eles fossem presos ou torturados a todo momento. O medo impera e nada pior do que viver com medo. Ainda mais viver com medo sem ter feito nada de errado.
Loving ainda traz a ironia no sobrenome do casal que só quer amar e viver em paz. Um filme forte, principalmente por retratar uma história real e nos fazer refletir sobre os diversos outros casais que passaram e ainda passam por algo parecido. Uma obra que merece ser vista.
Loving (Loving, 2017 / EUA)
Direção: Jeff Nichols
Roteiro: Jeff Nichols
Com: Ruth Negga, Joel Edgerton, Will Dalton
Duração: 125 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Loving
2017-04-01T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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