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Neve Negra
Neve Negra
Cinema Argentino e Ricardo Darín parece que se tornaram quase sinônimos aqui no Brasil. Sempre gera curiosidade e normalmente vem com qualidade. Filmes que investem em dramas psicológicos e conseguem dialogar com todos. Neve Negra não foge à regra. Dirigido por Martin Hodara, que foi assistente de direção de Nove Rainhas, traz boas escolhas, uma trama que instiga e ótimas atuações. Ainda que incorra alguns problemas.
A trama se passa na Patagônia, onde vive o recluso Salvador, interpretado por Darín. Após a morte de seu pai, ele é visitado pelo irmão Marcos e sua esposa Laura, na tentativa de convencê-lo a vender sua parte nas terras para uma empresa canadense. A família conta ainda com a irmã dos dois, Sabrina, que está internada em uma clínica e não tem muita participação nos atos. Mas o que todos tentam esquecer mesmo é uma tragédia no passado que vitimou o irmão mais novo Juan e faz com que todos sofram, de alguma maneira, as consequências disso.
Uma das coisas mais interessantes do roteiro, escrito pelo próprio Martin Hodara com Leonel d'Agostino, é trabalhar em paralelo as tramas de passado e presente de uma maneira orgânica. Porque além de ser construído de maneira natural, a economia narrativa ajuda a construir a curiosidade em torno do que aconteceu e o porquê daquela inimizade entre irmãos. A direção e a montagem ajudam nessas passagens ao torná-las fluídas, principalmente por acontecerem no mesmo cenário. Muitas vezes, é como se a personagem olhasse para um local e pudesse ver o que aconteceu no passado, construindo uma tensão que nos deixa mais imersos na trama.
Quase todo ambientado nas terras geladas da família, o filme possui um ritmo bastante arrastado, mas a estrutura da narrativa ajuda a manter o interesse. E as interpretações acabam tornando tudo mais intenso. Os atores conseguem passar uma verdade impressionante, mesmo os jovens do passado. Muita coisa é dita com o olhar, em pequenos gestos, na dor, na introspecção. É possível sentir a dureza desse mundo gelado e tão masculino. Não por acaso, a mãe é apenas uma imagem cortada em uma foto, a irmã enlouqueceu e a esposa nos guiará nessa sensação de perigo constante.
Seja por repertório de suspenses ou mesmo por algumas pistas que vão sendo dadas, há muita coisa do mistério que é facilmente deduzível. Primeiro, acreditamos que seja algo, depois percebemos que seja o contrário. Porém, os roteiristas reservam ainda uma surpresa que acaba se tornando exagerada quase quebrando a verossimilhança das personagens construídas. Há um limite entre trabalhar segredos familiares e necessidade de chocar o espectador. Não que seja algo impossível de existir. É que, refletindo sobre a construção de um determinado membro da família, parece tudo incongruente demais. Para ser capaz daquilo, ele precisaria ter sérios distúrbios que não são demonstrados mesmo depois.
Ainda assim, o desfecho consegue nos arrematar, construindo uma cena final impactante e que nos faz pensar bastante. Isso talvez seja o ponto principal do filme que levou tantos argentinos para os cinemas. Essa reflexão sobre o que você faria no lugar de determinada pessoa. Um certo olhar no final fica em nossa memória, nos faz rever todo o filme em nossa mente e ajuda a refletir sobre situações extremas.
Neve Negra não é dos melhores filmes argentinos que já chegaram por aqui. Mas traz qualidades que essa escola cinematográfica ajudou a construir, nos apresentando um filme instigante, bom boas atuações e escolhas de direção. Além de nos impactar e deixar pensando nele por algum tempo. Daqueles que merecem ser vistos e discutidos.
Neve Negra (Nieve negra, 2017 / Argentina)
Direção: Martin Hodara
Roteiro: Leonel D'Agostino, Martin Hodara
Com: Laia Costa, Ricardo Darín, Leonardo Sbaraglia, Dolores Fonzi, Federico Luppi, Andrés Herrera
Duração: 90 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Neve Negra
2017-06-05T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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