Depois do desastroso filme de 2014, Annabelle 2: A Criação do Mal é a grande surpresa da franquia que se iniciou com Invocação do Mal. Daqueles raros exemplos em que a continuação é muito superior ao anterior, o filme consegue construir uma atmosfera de terror competente, ainda que traga consigo velhos clichês e incongruências do gênero.
A boneca amaldiçoada surgiu pela primeira vez nos cinemas no filme Invocação da Mal de 2013. Porém, sua história foi contada apenas no filme solo de 2014, que trouxe uma trama confusa e pouco eficiente. Agora, ficamos sabendo que aquele não era o início, vamos conhecer como a boneca foi feita e a verdadeira origem de sua maldição, que, apesar de necessitar do espectador uma certa dose de "suspensão de descrença", acaba sendo convincente e consegue fazer uma ligação perfeita com o filme anterior.
É preciso ir para o cinema imbuído de uma certa boa vontade, é verdade, porque uma pergunta colocaria abaixo toda a história da obra. Complicado explicar sem dar spoilers, mas que acaba girando em torno da pergunta que sempre se faz em filmes assim. Para que deixar uma boneca amaldiçoada dentro de sua casa, mesmo que escondida? Isso sem contar com as diversas vezes que as personagens flertam com o perigo, mas aí podemos acreditar que faça parte da estratégia do ser maligno de seduzir e atrair suas vítimas.Relevando isso, a trama busca coerência interna, trazendo algumas explicações satisfatórias que ligam as pontas. Um casal perde uma filha muito jovem e anos depois recebe um grupo de órfãs em sua casa. A partir daí coisas estranhas vão acontecer. No final, o que importa é isso. Uma casa mal assombrada, meninas assustadas e desamparadas sendo atormentadas por um demônio. Clichê, tolo até, mas que é eficiente em sua construção e atmosfera.
É interessante como David F. Sandberg utiliza os elementos e constrói paralelos com passado e presente, como uma certa brincadeira de bilhetes. A utilização de uma música romântica para causar terror também é bastante eficiente. A sensação de claustrofobia é bem trabalhada em uma casa que apesar de ampla está sempre na penumbra e com portas fechadas. Mesmo as cenas ao ar livre acabam trazendo esse sufocamento, vide uma cena em que a garota Janice é empurrada em sua cadeira de rodas em um plano fechado onde não é possível compreender totalmente o que está acontecendo. Ou a cena em que a garotinha Linda está no poço. Aliás, nessa cena, Linda tem a única fala que traduz o que os espectadores sempre pensam em filmes de terror: "who cares"? Annabelle 2 é capaz de despertar esses risos involuntários, seja em falas como essa citada ou seja no manuseio da amaldiçoada boneca com seu "olhar" direcionado a todo momento para nós. É um riso de nervoso muitas vezes, mas acaba quebrando o medo, até pela exposição do ridículo. Isso pode incomodar alguns, porém ajuda a construir toda essa atmosfera do bizarro. É preciso mesmo comprar a ideia do universo proposto. Tentar entender as atitudes das personagens pode não ser o melhor caminho.
Annabelle 2: A Criação do Mal não atinge a qualidade de Invocação do Mal ou mesmo Invocação do Mal 2, mas consegue se aproximar do nível da franquia, ao contrário do primeiro Annabelle que não conseguiu agradar. Um filme de terror com todos os clichês e incongruências que costumamos ver por aí, mas que consegue atingir os objetivos de sua proposta através de uma imersão em um universo tenso e instigante.
Annabelle 2: A Criação do Mal (Annabelle: Creation, 2017 / EUA)
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Gary Dauberman
Com: Anthony LaPaglia, Samara Lee, Miranda Otto, Stephanie Sigman, Lulu Wilson, Talitha Bateman
Duração: 109 min.
