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O Filme da Minha Vida
O Filme da Minha Vida
É difícil começar a falar sobre O Filme da Minha Vida. Porque o título já traz uma certa pompa que nos leva a imaginar, será esse o filme da vida de Selton Mello? Baseado no livro “Um Pai de Cinema” de Antonio Skármeta (O Carteiro e o Poeta), a obra traz muito lirismo. E também nostalgia e melancolia, como os dois trabalhos anteriores do diretor. Sendo uma bela experiência fílmica.
Selton Mello utiliza a poesia para construir a métrica de seu roteiro, que não tem exatamente uma trama delineada. Há um estopim: a partida do pai para França no dia em que o filho retorna ao lar. Mas esse não é o conflito principal da obra, que traz um pedaço da vida de Tony, um jovem que retorna a sua cidade natal após estudar na capital para trabalhar como professor da escola local. Ele sente saudades do pai, sim. E tenta entender o mistério em torno de sua partida. Mas ele também tenta se adaptar a nova função. Além iniciar um relacionamento com a jovem Luna.
Ambientada na cidade de Remanso, na Serra Gaúcha, no ano de 1963, o filme traz uma atmosfera dos chamados "anos dourados", já que a cidade interiorana não parece ainda viver na década de 60. As roupas, os costumes, a mentalidade da população e até as lambretas na praça remetem à década anterior. E, como tal, traz em si uma sociedade muitas vezes machista, vide as personagens femininas serem tão pouco desenvolvidas e muitas vezes funcionarem apenas como objeto de desejo. Seja para iniciação sexual, com as prostitutas, como Camélia, ou para despertar sonhos e desejos, como a bela Petra. Ou ainda, a moça para casar, que é a Luna.
Tudo é construído pela ótica de Tony, esse jovem que está nesse processo de amadurecimento. Ele é o narrador da obra, com momentos de voz over, o que nos ajuda a dar sua visão de mundo. Temos também seus flashbacks, com lembranças da infância ao lado do pai. Em diversos momentos, vemos com os seus olhos e a maioria dos acontecimentos só nos são revelados quando ele os descobre. Então, a própria estrutura do roteiro segue os seus desejos. O desejo de estar com uma mulher pela primeira vez, ainda que não admita ser virgem. O desejo de ter um romance, ainda que não demonstre uma paixão arrebatadora por Luna. O desejo de reunir novamente seus pais, ainda que não reflita sobre os acontecimentos que levaram à separação.
Selton Mello não busca problematizar questões de gênero e relacionamento, ele quer fazer poesia. E todo poeta é um pouco ególatra. O que não deixa de ser belo. E isso, O Filme da Minha Vida é. Extremamente belo em cada plano, em cada detalhe da mise-en-scène, em cada efeito criado em sua fotografia. Até mesmo a utilização do cigarro que inunda a tela, devido a quantidade de fumantes, é bela. Está sempre ajudando a criar um clima onírico, com a luz entrecortando a penumbra deixada pelo excesso de fumaça. Tudo parece pensado milimetricamente para ser um deleite estético. Nisso, temos que destacar o mérito também do diretor de fotografia Walter Carvalho.
A trilha sonora é outro elemento que chama a atenção, com clássicos do passado inundando o nossos ouvidos como Hier enconre de Charles Aznavour, I Put a Spell On You de Nina Simone ou Coração de Papel de Sérgio Reis. Isso ajuda a construir a atmosfera de nostalgia que o filme evoca. E acaba se tornando uma das marcas de Selton Mello, que, em O Palhaço, já havia resgatado músicas do cancioneiro popular. Resgate que ele também gosta de fazer com alguns atores ícones. Em Feliz Natal foi Darlene Glória, em O Palhaço, Moacir Franco e aqui ele traz Rolando Boldrin como um maquinista de trem, em uma metáfora que só enriquece a homenagem.
Há ainda uma metalinguagem ao iniciar a narração de Tony com a explicação de seu pai para o cinema que dizia gostar de ver o início e o fim dos filmes. O início para conhecer a história e o final, porque sempre é bonito. Em contrapartida irônica, Paco, personagem interpretado pelo próprio Selton, diz que cinema é perda de tempo: “é um troço escuro que você fica lá dentro vendo a vida dos outros em vez de cuidar da sua e perde duas horas da vida”.
Apesar de não contar a história de sua vida, Selton Mello faz uma espécie de sua versão de Amarcord com pitadas de Cinema Paradiso, pelo menos o clima desses clássicos está presente na obra. Mas parece que falta algo para de fato alcançar as emoções que eles atingem. Um filme extremamente belo, com técnica impecável e boas atuações, porém parece faltar algo para, de fato, tocar as nossas almas. Ainda que, indiscutivelmente, não tenhamos perdido duas horas de nossas vidas como imaginou Paco.
O Filme da Minha Vida (O filme da minha vida, 2017 / Brasil)
Direção: Selton Mello
Roteiro: Selton Mello, Marcelo Vindicato
Com: Johnny Massaro, Bruna Linzmeyer, Bia Arantes, Vincent Cassel, Rolando Boldrin, Selton Mello
Duração: 113 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
O Filme da Minha Vida
2017-08-04T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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