Death Note
Um mangá considerado por muitos dos melhores do gênero, um anime de sucesso, um filme japonês live action não tão feliz. Death Note é uma marca forte com fãs espalhados pelo mundo, é natural que ao mexer no cânone surjam reclamações. Principalmente por adaptar a história para Seattle com protagonistas não asiáticos.
O filme traz muitas diferenças da obra original, é verdade. Desde acontecimentos, passando pela personalidade de personagens e algumas regras do universo ficcional. É uma adaptação, porém ao manter o nome da obra e de suas personagens fica mesmo uma sensação amarga e as comparações se tornam inevitáveis. Façamos, no entanto, um exercício de afastamento da obra, para observar o que Adam Wingard e os roteiristas do filme querem nos contar aqui.
O estudante Light Turner encontra um estranho caderno com o nome Death Note na capa e um estranho ser que aparece nas sombras lhe explica que aquilo tem o poder de matar. Basta escrever o nome da pessoa pensando em seu rosto. É possível escolher o como ela vai morrer, mas se não descrever, isso fica por conta do acaso.
O filme é bem produzido, os efeitos especiais das cenas das mortes impressionam e Adam Wingard consegue otimizar algumas delas com sugestões que impactam mais que o explícito da primeira, por exemplo. O shinigami Ryuk também é amedrontador, não apenas pela boa interpretação facial e vocal de Willem Dafoe como pela composição física e o efeito dos olhos brilhantes quase sempre à sombra. O trabalho corporal de Jason Liles também é bom. Pena que apareça pouco em cena e seja subaproveitado no roteiro, resumindo-se a um monstro que deixa o livro para o garoto e surge para vibrar com alguma reviravolta.
A construção de Light Turner também é confusa. Um bom aluno, com bom comportamento, filho de um policial, que não pensa duas vezes em usar a arma que tem nas mãos, ainda que com a justificativa de justiça. O elemento da vingança pela morte da mãe é bom, mas Light acaba sendo um joguete nas mãos da namorada Mia Sutton que parece uma psicopata em diversos aspectos, matando sem o menor escrúpulo e remorso, não apenas criminosos. A maneira como o rapaz conta a ela sobre um segredo tão perigoso é outro ponto pouco inverossímil.
Completando as incongruências do roteiro, temos o investigador L, um jovem gênio capaz de deduzir mistérios impensados. Criado para isso em uma escola especial. L supõe rapidamente quem seria o responsável pelos estranhos crimes, porém sua personalidade é desconstruída a partir daí, estando sempre um ponto atrás de "Kira", o codinome para Light na mídia. Mais do que isso, em determinado momento, o rapaz se torna um impulsivo, não parece mais raciocinar, agindo de maneira imprudente muitas vezes.
Em determinado momento, os planos de Light se tornam sem sentido completo e o roteiro vai se enrolando em um conjunto de situações pouco críveis. Até mesmo a direção parece perder a mão como uma cena em câmera lenta em uma roda gigante que parece prolongar um sofrimento absurdo com um desfecho quase digno de um Deus Ex-Machina.
Death Note de Adam Wingard, torna-se, então, um thiller pouco verossímil, ainda que utilize de um elemento mágico importante. É uma obra vazia, sem muitas reflexões sobre o próprio ato de matar e suas escolhas. Perde em relação aos demais produtos oriundos do mangá principalmente nesse aspecto reflexivo, assim como na própria estrutura do roteiro, que nos trazia um jogo de xadrez entre duas mentes privilegiadas. Uma pena. Tinha potencial para muito mais.
Death Note (Death Note, 2017 / EUA)
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Charley Parlapanides, Vlas Parlapanides, Jeremy Slater
Com: Nat Wolff, Lakeith Stanfield, Margaret Qualley
Duração: 101 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Death Note
2017-09-04T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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