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Abaixo a Gravidade
Abaixo a Gravidade
Em 1989, quando o protagonista de Superoutro se joga do elevador Lacerda, grita a emblemática frase "Abaixo a Gravidade". Anos depois, em O Homem que Não Dormia, o mesmo ator, Bertrand Duarte, agora como um padre que busca sua verdade, voa com balões e ouvimos a mesma frase. Frase essa que parece perseguir o diretor Edgard Navarro a ponto de a colocar no título de sua nova obra, a última como cineasta, segundo ele, que agora se auto-intitula "cinemeiro".
Abaixo a Gravidade é uma metáfora, construída na obra como uma expectativa de um meteoro que se aproxima da Terra e faz referência à Melancolia de Lars von Trier. Mas pode ser traduzida como o sentimento do protagonista Bené, interpretado por Everaldo Pontes, que vê sua vida virada de cabeça para baixo com a chegada de uma garota grávida à sua casa na Chapada Diamantina e a notícia de uma doença.
Nesse contraste entre a vida e a morte, Bené se muda para a capital do estado, separa da garota, que na verdade o vê como uma figura paterna e não um amante, e perambula pela cidade, por vezes buscando ajuda médica, por outras, tentando encontrar novos sentidos para sua existência. E é aí que Bené acaba dividindo a atenção da narrativa com os mendigos vividos por Ramon Vane e Fábio Vidal. O primeiro, quebra as expectativas de Bené, o segundo tem como obsessão voar, mas ambos, em uma anarquia sincrônica, conseguem caminhar em harmonia na obra, ainda que a trama inicial parecesse mais frutífera.
O ponto fora da curva, por ironia, parece ser a personagem de Bertrand Duarte. O contraponto da camada rica da sociedade caminha em uma estrutura própria que quebra o ritmo da trama em suas inúmeras reflexões em um divã. É possível compreender a comparação de sua jornada com a de Bené, ambos com a mesma doença, mas parece pouco para justificar sua existência. Mesmo a brincadeira do "troco" já que agora ele é o homem dentro do carro que recebe o pacote com fezes no colo, como sua personagem fez anos antes em Superoutro parece uma piada interna frágil. A própria sugestão de construir um eco das mudanças que o tempo causa não é bem desenvolvida ("quem me deu uma ideia de uma nova consciência e juventude, está em casa guardado por Deus contanto o vil metal"). Sem desmerecer o grande ator, tudo que o envolve soa facilmente suprimível do filme.
O que pulsa mesmo no filme é a rua, ponto alto da obra de Navarro, com elementos diversos que nos trazem referências a diversas obras do cinema seja em cartazes explícitos ou em chuvas de pétalas de rosas ou ainda um helicóptero com a estátua de Rodin. O sincretismo religioso também está presente. Seja nas práticas budistas de Bené que se misturam com rituais de benzedeiros e exorcismo. Seja nas representações de orixás em outros momentos chave. Isso sem falar em piadas visuais como um muro que traz a mensagem de "Exu te ama".
Piadas visuais, por sinal, são elementos constantes na obra, inclusive com tom político, como outro muro pichado com "ACM nunca mais" ou o próprio nome do Aeroporto de Salvador modificado em computação gráfica na fachada para o antigo "2 de Julho" no lugar do atual "Deputado Luis Eduardo Magalhães". No aeroporto, inclusive, diversos cineastas baianos passeiam pelos corredores em figuração de luxo que acabam construindo outra simbologia de reunião de antigas e novas gerações que o filme conclama.
Entre o antigo e o novo, Edgard Navarro imprime a sua marca em tela. Busca o seu caminho de renovação constante, ainda que com velhos hábitos, lutando contra a gravidade ou contra o tempo que insiste em passar e nos arrastar para baixo literalmente ou metaforicamente. Tal como Bené, queremos ter a oportunidade de continuar a sonhar, tendo o direito de amar e buscar a felicidade. Entre erros e acertos, o "cinemeiro" continua transformando suas angústias em arte.
Filme visto no XIII Panorama Internacional Coisa de Cinema.
Abaixo a Gravidade (Abaixo a Gravidade, 2017 / Brasil)
Direção: Edgard Navarro
Roteiro: Edgard Navarro
Com: Everaldo Pontes, Ramon Vane, Fábio Vidal, Bertrand Duarte, Rita Carelli
Duração: 109 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Abaixo a Gravidade
2017-11-19T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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