Bright
Quando se fala em Orcs, Elfos, Fadas e outros seres mágicos, o senso comum logo se transporta para Terra Média ou algum universo alternativo, de preferência com cenários épicos e próximos da Idade Média como no próprio Senhor do Anéis. Parece meio estranho pensar em um Orc vivendo na periferia de Nova York, em guetos e sofrendo preconceitos diversos como a população não caucasiana e pobre dos Estados Unidos. Essa talvez seja a camada mais instigante do filme Bright, nova aposta da Netflix, que em sua superfície não é nada mais do que um filme de ação com traços de comédia como muitos que vemos por aí.
O gênero é bastante popular, uma dupla de policiais com relação conturbada que se envolve em um caso difícil e tem que se superar para conseguir resolver todos os problemas e cumprir a missão. Entre muita correria, tiros e cenas de lutas, algumas atrapalhadas servem de alívio cômico e fazem a narrativa andar. A diferença aqui é que Will Smith é Daryl Ward um policial que tem como parceiro o Orc Nick Jakoby interpretado por Joel Edgerton e este sofre preconceito de todos os lados, inclusive do próprio companheiro de trabalho.
O ponto de partida é a desconfiança do batalhão por causa do preconceito. Eles acreditam que Nick tenha deixado um fugitivo escapar por causa da "fidelidade de raça". Entre desconfianças e novas perseguições, ele e Daryl acabam cruzando o caminho de Tikka, uma elfa vivida por Lucy Fry que carrega uma varinha de propriedade de uma poderosa e maléfica bright que quer trazer de volta o senhor das trevas e destruir o mundo conhecido.
O roteiro se constitui então de perseguições, trocas de tiros e brigas diversas. Uma grande corrida pelo ouro, onde todos querem a posse da varinha com sonhos tolos de poder, já que apenas uma bright pode controlá-la, outra pessoa que a toque, vira cinzas. Sem muitas pausas para explicações, o mundo vai sendo apresentado nas pichações da abertura e na ação, à medida em que o problema surge. Isso pode criar algum desconforto naquele espectador que gosta de tudo bem explicado e lógico. E alguma resolução pode soar como deus ex-machina, já que as regras não ficaram claras antes.
Ainda assim, a aventura funciona para aqueles que embarcarem nela. O universo ficcional não é confuso, o roteiro apenas não se utiliza do recurso do novato, logo temos que ir pescando tudo que aconteceu e como aquela sociedade se divide, principalmente em relação às raças que ali transitam. Mas isso acaba não sendo um problema, principalmente porque tudo pode ser reconstruído através de metáforas com o nosso próprio mundo, em camadas que tornam o filme extremamente rico. Só o fato de Will Smith ser o protagonista que tem como parceiro um Orc que sofre preconceito por sua raça já nos faz pensar.
Podemos, no entanto, ampliar muito da mitologia apresentada com questões religiosas que vivenciamos, principalmente, em relação ao Apocalipse, o anti-cristo e o retorno de Jesus. Que trazem também o arquétipo do herói, o mito do salvador e escolhido. Todos esses elementos vão sendo trabalhados nos dois personagens, um Orc e um homem negro. Assim como toda a questão da segregação racial e as disputas de classes, vide que os elfos são uma espécie de povo privilegiado.
Tanto Will Smith e Joel Edgerton conseguem construir bem essas camadas de seus personagens, deixando toda a ação mais rica e envolvente. Lucy Fry também está bem como a elfa fugitiva e, apesar da pouca participação, Noomi Rapace também cumpre o seu papel como a grande vilã da obra. Entre correria e tiros, o filme ainda tem um tom irmãos Coen com a dupla de elfos da polícia federal da magia que vão pontuando os momentos irônicos do filme com seus diálogos.
Lembrando "clássicos" do gênero como Máquina Mortífera e Bad Boys, Bright demonstra ser um filme competente em seu propósito, trazendo camadas em sua trama que podem enriquecer o tema e a discussão de questões caras ao nosso mundo de hoje, mas que também funciona como um divertimento rápido sem maiores compromissos.
Filme Visto no painel da Netflix na Comic Con 2017.
Disponível para o público em 22 de dezembro de 2017.
Bright (Bright, 2017 / EUA)
Direção: David Ayer
Roteiro: Max Landis
Com: Will Smith, Joel Edgerton, Noomi Rapace, Lucy Fry
Duração: 117 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Bright
2017-12-15T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
acao|comedia|critica|David Ayer|Joel Edgerton|Lucy Fry|Noomi Rapace|Will Smith|
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