Em Pedaços
Dividido em três partes, Em Pedaços nos traz sensações diversas e deixa um gosto amargo no final. Havia possibilidades de desfechos diversos, mas Fatih Akin parece escolher o fácil maniqueísmo para construir uma denúncia superficial sobre o crescimento do neonazismo na Europa.
Interpretada por Diane Kruger, Katja Sekerci vê sua vida devastada após a morte de seu marido e filho. Ele era ex-presidiário, mas estava refazendo sua vida, longe das drogas, porém, era turco e Katja tem a certeza de que viu uma alemã no local do crime. Entre justiça e vingança, o filme vai construindo seus caminhos.
O maior mérito da obra é Diane Kruger. A atriz se entrega ao sofrimento de Katja de uma maneira tão visceral que é possível sentir sua dor em cada gesto. Em diversos momentos, ficamos com um nó na garganta desde as catarses mais óbvias, quando percebe o que aconteceu na rua ou no tribunal quando descrevem a situação dos corpos, mas também em pequenos olhares como quando a amiga a visita com o neném recém-nascido.
Ter uma vida devastada simplesmente pelo ódio cego de alguém que não aceita a existência do outro é algo difícil de superar. Ainda mais se tem uma criança no meio. Um ser incapaz ainda de responder por atos e que não viveu o suficiente para ter responsabilidades. Nesse ponto, o roteiro é bastante feliz em construir o estado de dor da protagonista. Assim como as cenas são bem conduzidas, nos dando imagens fortes que representam a dor interna.
O ritmo do tribunal também é bem conduzido. Destaque para a cena em que ela vai depor e Fatih Akin coloca um plongée completo, deixando a personagem mais frágil e ainda nos dando uma sensação de jogo estratégico. A maneira como o advogado de acusação e o advogado de defesa duelam também cria um clima envolvente que nos deixa presos na tela em busca de um veredito.
Na parte final, no entanto, acaba se perdendo. Tudo se torna raso, quase tolo, perde-se uma oportunidade de discutir um pouco melhor um assunto tão preocupante como a ascensão neonazista. Fatih Akin torna tudo muito binário, maniqueísta e nem mesmo amplia a discussão diante do outro.
Em Pedaços acaba sendo um título extremamente forte. Há pedaços de vidas em tela, pedaços de pensamento, pedaços de tentativas de justiça. O próprio roteiro está em pedaços. Mas não há como não pensar também na repartição literal dos corpos com a explosão. Nesse ponto, o título original, Aus dem Nichts, que significaria "do nada", é melhor, pois foi assim que a vida de Katja mudou de repente, por um motivo absurdo. De qualquer maneira, é um filme forte, com ótimos momentos.
Em Pedaços (Aus dem Nichts, 2018 / Alemanha)
Direção: Fatih Akin
Roteiro: Fatih Akin, Hark Bohm
Com: Diane Kruger, Denis Moschitto, Numan Acar
Duração: 106 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Em Pedaços
2018-03-21T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
cinema europeu|critica|Denis Moschitto|Diane Kruger|drama|Fatih Akin|Numan Acar|
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