
Após o sucesso e Oscar de Uma Mulher Fantástica, Sebastián Lelio lança o seu primeiro longa-metragem em língua inglesa confirmando marcas autorais muito próprias. Desobediência é uma obra sensível sobre a busca pela liberdade de ser quem é, independente das regras sociais em que se vive.
Ronit, interpretada por Rachel Weisz, é uma mulher independente, fotógrafa de sucesso nos Estados Unidos, aparentemente bem resolvida. Com a notícia da morte de seu pai, um rabino de uma comunidade judaica ortodoxa no norte da Inglaterra, ela precisa encarar o seu passado e tudo que isso representa, inclusive os motivos que a fizeram sair de lá e nunca mais ter contato com a família.

Em uma obra onde os acontecimentos passados são fundamentais para a compreensão da curva dramática que se desenvolve durante a projeção, não utilizar muletas como flashbacks ou recursos como a função do novato é sempre uma estratégia arriscada, mas, quando bem sucedida, traz a satisfação de ir descobrindo essa história e personagens de uma maneira fluida e criativa, exigindo também atenção do espectador desde o princípio.
O trio principal é cativante e o elenco ajuda na construção da intimidade perdida, do desconforto da situação e da contenção do desejo. Alessandro Nivola consegue construir muito bem esse jovem rabino que tenta seguir com a tradição de sua comunidade, são nuanças, pequenos gestos que vão denunciando o que passa internamente com sua personagem, como o passo atrás quando Ronit vai abraçá-lo no primeiro reencontro, ou o desconforto da conversa na cozinha.

Muito dessa emoção transmitida e das informações que são passadas nas entrelinhas está também nas escolhas de direção. Na delicadeza com que a câmera de Lelio encontra as personagens e flagra as situações familiares e sociais daquela comunidade que parece viver em um mundo à parte. Uma decupagem clássica, é verdade, mas que casa com a própria atmosfera local que parece ter parado no tempo. A fotografia sempre escura, os ambientes fechados, que passam uma certa claustrofobia, as roupas fechadas, as perucas das mulheres, as vestimentas dos homens, tudo colabora para o tom proposto. Só vemos respiro quando as personagens vão para uma outra parte de Londres e podemos ver o brilho do sol e até sentir a brisa de espaço aberto.
Ainda assim, há algumas escolhas finais que parecem desdizer muito do que foi construído por toda a projeção, o que não inviabiliza a boa experiência. Questões que podem ser debatidas e melhor compreendidas com uma discussão minuciosa sobre os acontecimentos da trama, mas que não cabem em uma primeira análise sem spoilers.
De qualquer maneira, Desobediência é um belo filme que envolve e nos encanta em seus diversos aspectos técnicos e estéticos.
P.S. O trailer revela muito da trama, podendo enfraquecer muito do efeito do roteiro.
Desobediência (Disobedience, 2018 / Reino Unido)
Direção: Sebastián Lelio
Roteiro: Sebastián Lelio, Rebecca Lenkiewicz
Com: Rachel Weisz, Rachel McAdams, Alessandro Nivola
Duração: 114 min.