Henfil
Para as novas gerações, o nome Henfil não quer dizer muita coisa, talvez uma referência na música O Bêbado e o Equilibrista, imortalizada na voz de Elis Regina. Ou até o irmão do sociólogo Betinho. O documentário sobre o cartunista acaba sendo um curso sobre sua vida e sua obra. Literalmente, já que o formato encontrado pela cineasta Angela Zoé foi de acompanhar um grupo de estudantes em processo de pesquisa para um curta sobre o artistas.
E uma solução perfeita, pois foge da estrutura tradicional trazendo os depoentes para a “sala de aula”. Ao explicar aos alunos, eles também ensinam ao espectador de uma maneira didática, simples, mas sem se tornar em nenhum momento cansativa. Até porque a montagem final sonegue ser bastante enxuta diante do material bruto que a diretora tinha em mãos.
Podemos de dizer que a alma de Henfil está impregnada na tela. Isso é o que mais encanta e nos envolve durante a projeção. Não apenas pelas imagens caseiras em superoito que costuram a narrativa, mas pelo clima observado no processo de aprendizado e produção dos jovens ilustradores.
O documentário acaba sendo muito mais do que um resgate histórico de acontecimentos e temperamentos desse artista anárquico. É uma aula sobre cartoon. Cada traço ensaiado, cada descoberta, as discussões sobre o estilo. A ideia de que quanto mais sujo, rascunhado e com menos traço, mais a “cara dele”.
A montagem é feliz ao fazer Henfil dialogar com as novas gerações. As imagens dele, as brincadeiras que faz, os pensamentos que expõe vão sendo organizados de acordo com o que os jovens vão aprendendo com os dois professores e os depoimentos dos outros artistas. Mesmo inserções de programas de televisão acabam funcionando harmonicamente com o conjunto da obra, nos dando essa dimensão do artista.
E uma escolha de direção focar nessa persona pública, não aprofundando tanto o seu lado pessoal. Ainda que seu filho seja um dos depoentes, suas falas se resumem ao artista Henfil e não ao pai e sua função dentro de casa. Como ele era enquanto filho, irmão, pai ou marido, das diversas mulheres que passaram em sua vida não é a questão de… Mesmo a hemofilia só é abordada enquanto possível explicação para a urgência do seu traço.
Isso pode causar estranhamento em plateias acostumadas como cinebiografias. Ou mesmo trazer a impressão de que o filme não questiona a figura do seu homenageado. Mas a escolha demonstra-se bastante madura e consciente diante do movimento feito pelos jovens aprendizes que culmina na animação por eles realizadas.
Para aqueles que já conhecem e leram algo do Henfil, ver a Graúna, os fradinhos Baixinho e Cumprido, o bode Orelana e o cangaceiro Zeferino sendo estudados, com seu processo criativo explicado em detalhes e ainda vê-los ganhando vida em tela é um prazer a mais. Principalmente se você for estudante ou profissional da área. Isso é o mais interessante no documentário, dialogar em camadas diferentes com cada público.
Em tempos de crise, onde somos, cada vez mais, "cucarachas", com esse complexo de inferioridade diante do mundo e onde o pensamento crítico parece cerceado. Resgatar Henfil com seu humor anárquico é mais do que bem-vindo. Ainda mais em um formato tão criativo como o espírito do artista.
Filme visto no 22º Cine Pe.
Henfil (Henfil, 2018 / Brasil)
Direção: Angela Zoé
Roteiro: Angela Zoé
Duração: 75 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Henfil
2018-06-05T13:30:00-03:00
Amanda Aouad
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