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Reflexões femininas no Cine Pe
Reflexões femininas no Cine Pe
Quem Matou Eloá?, Precisamos falar do assédio, O Mais Barulhento Silêncio. Muitos filmes começam a despontar falando sobre feminicídio e violências diversas contra a mulher. Marias, curta-metragem que passou no primeiro dia do Cine Pe traz um elemento a mais, a coragem da diretora Yasmim Dias de tocar em uma ferida tão pessoal que é a morte da própria mãe. Um filme homenagem ao mesmo tempo que um grito, um pedido de socorro. E talvez por isso, a obra tenha ficado tão irregular e perdido parte do seu propósito. A coragem de Yasmim em expor sua dor em busca de algo maior é louvável e traz valor à obra, ainda que também traga problemas.
No anseio de falar sobre tudo, Marias acaba pulverizando o impacto que seria a morte de uma mulher pelo próprio marido. O tema poderia ser melhor costurado, ainda que utilizando todas as formas de abordagem escolhidas pela diretora. O curta se estrutura no caso de cinco mulheres que sofreram violência. Uma das formas de abordagem traz depoimentos dessas mulheres, entre elas a própria Yasmim falando sobre o caso de sua mãe. Há também simulações com atrizes com marcas de violência e, por fim, a mais problemática das inserções, trechos do programa jornalistico sensacionalista Cidade Alerta que aparece em tela como se fosse legitimar o caso.
O roteiro, então, não consegue costurar bem tudo isso, não reflete em cima das imagens, nem mesmo cria o seu raciocínio diante das escolhas. Não questiona, principalmente, o papel da imprensa nisso, já que a própria diretora no debate falou que o programa distorceu o caso de sua mãe e que ela se incomoda como este vive da exploração do feminicídio, sem respeitar as vítimas. A sensação é que se perde uma oportunidade boa de expor a raiz do problema de uma sociedade machista que ainda vê a mulher como culpada pela própria violência. E essa questão ecoa em algumas obras exibidas no Cine Pe, por mais que tragam um discurso bem intencionado.
O caso mais problemático até o momento é o curta-metragem pernambucano Cara de Rato. O diretor Benedito Serafim subiu ao palco com um belo discurso de inclusão. Falou sobre o cinema independente e sobre ser uma arte da classe operária. O roteirista Samuel Santos falou sobre a inclusão racial, dizendo que seus roteiros não teriam atores negros só como serviçais e que o próximo projeto teria apenas negros na equipe. Pessoas parecendo estar antenadas com os discursos atuais da sociedade. Porém, sua obra traz um reflexo de uma sociedade ainda ancorada no machismo e ditadura da beleza.
A protagonista é uma garota que nasceu com um defeito no rosto que a faz ser chamada pejorativamente de "cara de rato". Há na voz over na trama com falas absurdas como, "Veridiana cresceu com um corpo escultural, mas faltava-lhe um rosto". Como se não bastasse, essa fala é ilustrada com um movimento de tilt da moça no chuveiro, nos fazendo compactuar com o olhar vouyer dessa objetificação do corpo da mulher negra que a mídia tanto explorou e a sociedade naturalizou desde os tempos do Brasil colônia com as escravas sendo abusadas pelos senhores de engenho.
E não apenas a protagonista é assim exposta. Há uma exposição gratuita do nu feminino no filme em diversos momentos. Como em uma cena em que algumas meninas conversam no banheiro feminino. E o mais estranho em relação ao discurso do grupo no palco é que a garota que passa mais tempo completamente nua é uma menina negra, já que as demais estão de calcinha e sutiã ou colocando essas vestimentas. Simplesmente não faz sentido, ainda que talvez haja ali uma busca por uma referência a Carrie, a estranha.
Para completar o arco dramático de Veridiana, a protagonista é uma sucessão de erros em relação aos cuidados com a imagem da mulher que a sociedade tanto pede nos dias de hoje. A ponto de culminar em uma violência sexual que motiva uma vingança insana. E o pior, o desfecho é ainda mais abusivo, já que a coloca de vítima a algoz de uma injustiça. Ou seja, não importa o que faça, a mulher está sempre errada.
Fazendo eco ao discurso visto no filme de Luiz Rosemberg Filho, quando um dos protagonistas pergunta o porquê das mulheres nunca os matarem. Mesmo que combine com a personagem machista retratada e que a obra não construa isso como algo positivo, ao largar essa semente de que a mulher também é culpada pela violência que sofre sem um contraponto, abre brechas. Por mais que o filme seja todo uma alegoria do que está errado no país, ele dialoga com o público e esse instante se constrói quase como uma epifania do que deveria ser feito. Isso nos leva de volta à reflexão sobre Marias e à busca pela proteção da mulher violentada, trazendo o discurso de quem a violenta, como a mídia, para isso. Incoerências que o nosso inconsciente ainda reproduz por estarmos tão inseridos no contexto dessa sociedade patriarcal, machista e serviçal.
É uma pena, mas não deixa de ser importante também que essas obras existam e suscitem o debate. O texto de Rosemberg, por exemplo, é dos anos 70 e continua atual até hoje. Só conseguimos mudar o padrão, mexendo na ferida, expondo os vícios. É preciso construir o novo discurso sem precisar matar o velho, apenas transformá-lo, conscientizá-lo. Os olhares podem ser diversos, mas é preciso exercitar a empatia sempre.
Filmes citados:
Marias (Direção: Yasmim Dias)
Cara de Rato (Direção: Benedito Serafim)
Os Príncipes (Direção: Luiz Rosemberg Filho)
Filmes vistos no 22º Cine Pe.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Reflexões femininas no Cine Pe
2018-06-03T17:41:00-03:00
Amanda Aouad
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