Grace Jones: Bloodlight and Bami
Ícone New Wave, Grace Jones é daquelas artistas que gera fascínio e curiosidade. Extremamente performática, com uma voz potente e uma presença de palco, essa cantora, atriz e modelo jamaicana mantem uma legião de fãs mesmo sem se render à grande indústria. Com seus shows e discos independentes, ela circula o mundo fazendo de sua vida uma arte e da arte sua vida.
A diretora Sophie Fiennes acompanhou a artista por uma década para tentar compreender seu processo criativo. Talvez tanta energia e tanto tempo tenham prejudicado o processo, pois o filme não tem exatamente um roteiro. Parece que não se sai de algum lugar e não se vai a lugar algum, ainda que percorramos o mundo com Jones. Até mesmo uma jornada de retorno ao lar testemunhamos, quando ela viaja à Jamaica e visita vilarejos onde viveu, com algumas cenas tocantes como quando encontra brinquedos de infância ou quando acompanha a família em um rito.
A estrutura do filme é quase um álbum da cantora. Cada faixa é um capítulo e vamos conhecendo a inspiração para aquela música, seja pelo momento exato do acontecimento como uma ligação telefônica de um produtor ou por explicações através de depoimentos como a questão familiar entre Jones e William. É uma experiência curiosa e rica, porém, por não ter uma construção narrativa melhor desenvolvida acaba sendo cansativa para os que não são fãs tão fervorosos da artista.
Com uma técnica inconstante, principalmente pelo tempo de captação, a imagem acaba oscilando muito em qualidade. Não chega a ser um problema, já que o registro histórico acaba sendo o mais importante, mas não deixa de chamar a atenção e nos tirar um pouco do processo de imersão. Apesar disso, há uma força na imagem de Grace Jones que parece nos hipnotizar, mesmo quando ela expõe lados não tão agradáveis de sua personalidade difícil. Não há como negar que ali existe uma artista com luz própria.
O episódio na televisão francesa talvez seja o mais representativo de seus pensamentos e postura artística. O contraste de seu figurino com as moças dançarinas, a discussão sobre o chapéu que cobre os olhos, ou mesmo a situação incômoda da objetificação das moças são alegorias. O fato maior, talvez, seja ela, àquela altura, estar ali para cantar sua versão de La vie en rose lançada em 1977 como se aquilo resumisse sua carreira, ou mesmo os franceses. Quando ela respira fundo e diz que com aquilo conseguirá o dinheiro para seu novo álbum abre-se uma compreensão sobre o jogo da indústria fonográfica, onde mesmo artistas independentes, por vezes, precisam se submeter.
Mas os melhores momentos do documentário, ironicamente ou não, acabam sendo as imagens de Jones no palco. Ali temos a artista que ainda encanta o mundo, com sua voz, sua obra, sua alma e a capacidade de concepções visuais estéticas impressionantes com tão pouco. Figurino, uns poucos panos e jogos de luzes são o suficiente para efeitos visuais que encantam e se encaixam perfeitamente com a proposta musical. Com uma direção de arte extremamente criativa que falta ao resto do filme, é agradável ver cada momento no palco, podendo nos conduzir em viagens muito maiores do que os caminhos percorridos fora do palco.
De qualquer maneira, Grace Jones: Bloodlight and Bami é um registro único. Uma experiência de vida e um mergulho na mente de uma das artistas mais impactantes do cenário musical mundial das últimas décadas. Uma experiência extremamente válida, principalmente para os fãs.
Grace Jones: Bloodlight and Bami (2018 / Irlanda / Reino Unido)
Direção: Sophie Fiennes
Duração: 116 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Grace Jones: Bloodlight and Bami
2018-07-26T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
critica|documentario|Festival|Sophie Fiennes|
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