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Ferrugem
Ferrugem
Triste realidade entre os jovens, o bullying assusta pela proporção que ganha a cada dia com a facilidade da falsa proteção virtual. Passível de consequências graves, já foi retratado em algumas obras como a recente e polêmica série “13 Reasons Why”. Em Ferrugem, há uma busca sincera por uma abordagem não sensacionalista, porém acaba lhe faltando profundidade e reflexão sobre consequências e responsabilidades.
Tati é uma garota normal de sua época. Sempre com o seu celular em mãos, acostumada a postar tudo em suas redes sociais, quase vivendo em uma realidade própria. Saindo de um relacionamento com Nando, que a traiu, ela aproveita um passeio escolar para se aproximar de Renet, um garoto tímido, filho do professor de Biologia. Porém, quando seu celular some, sua vida vira um inferno ao ver um vídeo íntimo vazado no grupo escolar.
A estrutura básica é conhecida. Vídeo íntimo vazado, mulher julgada das maneiras mais sórdidas e desumanas. Há um exagero nas reações dos colegas, é verdade, que trazem discursos pouco condizentes com uma geração mais livre e sexualizada que a do século passado, mas não chega a ser inverossímil em uma sociedade ainda machista e, muitas vezes, misógina.
As proporções são ainda maiores pela apatia da reação do professor, nunca preocupado em compreender exatamente o que está acontecendo em sua turma, a ponto de ignorar os indícios claros de uma frustrada apresentação de trabalho. Uma comparação inevitável pode ser a série espanhola Merlí, onde um caso parecido é amenizado pela ação do professor que não se furta a ensinar uma lição de vida a seus alunos. Curioso que, em ambos os casos, o professor também é pai de um dos alunos, o que torna tudo ainda mais problemático.
Apatia, aliás, parece ser a tônica da obra, fazendo com que Tati fique cada vez mais solitária em sua dor, com poucos recursos para reagir e superar a situação que a aflige. Seus pais nunca são mostrados, o que agrava essa solidão e, mesmo as amigas que pareciam apoiar, começam a se afastar. Em determinado momento uma personagem solta que não entende tanto drama por apenas “um vídeo idiota”, mas não podemos deixar de refletir que a adolescência é um período de fragilidade emocional, de busca por aceitação e que a própria descoberta do sexo ainda é confusa, quase um tabu. Ser apontada por todos e ter seu vídeo publicado em um site de pornografia é a morte para uma garota.
Dividido em duas partes, o filme acaba criando armadilhas para si mesmo. Prepara o terreno, mas se furta a aprofundar a temática, construindo uma consequência individualizada, tornando tudo pessoal demais a ponto de esquecer a responsabilidade coletiva. A própria estrutura de dor, culpa e escolhas vai se diluindo em uma estrutura quase esquemática de apontar culpados pelo vazamento, mas não pelos julgamentos. Coisa que, por mais problemática que seja, “13 Reasons Why” deixa muito claro. Se você não fez nada para ajudar ou impedir, você já tem responsabilidade sobre o fato.
É a gravidade do que vemos de pessoas que compartilham vídeos vazados, por curiosidade ou inércia, que riem de piadas de mal gosto, fazem comentários agressivos sem se dar conta que, do outro lado, existe um ser humano com sentimentos e dores. O filme acaba não trabalhando isso pelas escolhas da segunda parte, ainda que a existência da obra discuta o problema, tendo criado, inclusive uma campanha “E agora que você sabe?” Uma semente, pelo menos, é plantada.
Ainda que o roteiro falhe em sua progressão dramática e falta de aprofundamento ao tema, o filme traz qualidades técnicas inegáveis, a começar pelas atuações, em especial da garota Tifanny Dopke que consegue passar muito bem o desespero e solidão de Tati. A direção de Aly Muritiba também se destaca pela precisão e consciência do seu trabalho. A maneira como ele trabalha as redes sociais e a presença constante dos celulares é bastante precisa, vide a primeira cena onde todos estão tirando selfies, compartilhando e comentando, sem se importar com o que o professor fala ou mesmo com a experiência de observar o aquário. Destaque ainda para a cena do corredor do colégio, com a chegada de Tati pela primeira vez, após o vídeo vazado. Na segunda parte, com o ritmo mais lento e contemplativo, há também um trabalho de fotografia bem consistente como os momentos em que ele consegue trabalhar dois ambientes e situações em um único plano, a exemplo de uma cena em que Renet está no quarto e seu pai na sala.
A verdade é que Ferrugem é um filme que impacta, incomoda, ainda que sintamos que falta profundidade para trabalhar o tema e, principalmente, a responsabilização de todos que se envolveram de alguma maneira com a situação. Um filme que fica em nossa mente, reverberando, e só por isso, já vale a pena.
Ferrugem (Ferrugem, Brasil, 2018)
Direção: Aly Muritiba
Roteiro: Aly Muritiba e Jessica Candal
Com: Giovanni de Lorenzi, Tifanny Dopke, Enrique Diaz, Clarissa Kiste
Duração: 105 min.
Amanda Aouad
Crítica afiliada à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema), é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Poscom / UFBA) e especialista em Cinema pela UCSal. Roteirista profissional desde 2005, é co-criadora do projeto A Guardiã, além da equipe do Núcleo Anima Bahia sendo roteirista de séries como "Turma da Harmonia", "Bill, o Touro" e "Tadinha". É ainda professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Unifacs e da Uniceusa. Atualmente, faz parte da diretoria da Abraccine como secretária geral.
Ferrugem
2018-08-30T08:30:00-03:00
Amanda Aouad
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